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Festival do Clube 2017

Ao abraçar uma causa é preciso estar pronto para críticas

22.09.17

Aquecimento global, igualdade de gênero, empoderamento feminino, combate ao preconceito racial, investimento em educação, atenção às comunidades mais periféricas, mobilidade urbana, consumo responsável. A agenda do mundo envolve uma série de pautas que têm impacto no cotidiano, mas que nem sempre reverberam entre as populações. Se no passado, esses assuntos eram atribuições dos governos, hoje não é possível conceber o alheamento de outras instâncias quando se trata de tornar o planeta um lugar melhor para se viver. As pessoas estão atentas não só a ações de ONGs, fundações, movimentos sociais e da própria sociedade – sobretudo pelas redes – como também cobram de marcas engajamento ou atitudes responsáveis em relação a alguns desses temas.

Abraçar os temas dessa agenda universal e contemporânea, porém, não é simples. Acima de tudo, é preciso encontrar uma conexão verdadeira entre a causa e a marca. E também estar pronto para enfrentar reações não desejadas. Isso porque ainda estamos em um processo de aprendizagem e vivemos em uma sociedade repleta de contraditórios. Essas foram algumas das conclusões do painel “Responsabilidade na hora de criar: propósito sim, mas com tesão”, que foi conduzido por Danilo Janjácomo, diretor de criação da J. Walter Thompson, e que teve as participações de Flávia Spinelli, vice-presidente de planejamento do Dentsu Creative Group, o criativo Theo Rocha, head of digital da F/ Nazca S&S, e Vinicíus Malinoski, head of creative da The Zoo (Google).

O moderador abriu o debate com uma provocação: “Estamos no meio de uma onda de conservadorismo. Mas conservadores também compram nossas marcas. Muitas coisas a gente não pode falar mais. E tem quem diga que ‘tá chato’. Afinal, está chato para quem?”. Flávia respondeu que é complicado falar que está chato quando se vê que um homem pode ejacular no pescoço de uma mulher e não acontecer nada, ou quando há tantos lugares com pouca presença de negros. “Temos discutido bastante esses assuntos, mas quando eles serão resolvidos? Precisamos sair das salas fechadas e ir para um campo maior. Temos de trazer mais diversidade para nossas empresas. Aí, fica menos chato”, afirmou.

Vinícius, por sua vez, apontou que muitos se queixam da chatice para se fazer humor. No entanto, há quem consiga fazer sucesso, sem apelar para as velhas fórmulas. “A gente ganhou profundidade emocional. Basta ver que as coisas mais interessantes não são as do humor mais antigo. Quem faz sucesso hoje é um Porta dos Fundos. O estilo deles não é de ficar batendo em minorias”.

Para Theo Rocha, está chato para quem não quer acompanhar as mudanças. “Arrisco que quem fala isso hoje é o mesmo cara que diz que a última música legal do mundo é uma do Led Zeppelin”. Segundo ele, é preciso entender as demandas atuais. Acostumar-se com terminologias. Aprender, de fato. “Se você fala merda, tem de estar disposto a ouvir merda. Quando você erra, depois não erra mais. Você está aprendendo”, emendou.

Ele contou como estão aprendendo com Skol, que fez um mea culpa neste ano com a campanha “Re-poster” que refez velhos cartazes que eram sexistas (confira aqui). “Há uma ebulição de coisas novas”. Nem sempre, porém, soluções estão dentro de casa. Outro trabalho feito para a marca é a prova disso. É o case “Skolors” (veja mais detalhes). “Uma das primeiras providências que tivemos foi chamar um coletivo de negros da periferia. Não daria para pensar um projeto desses sem ter essas pessoas conosco. Foi muito legal ter essa responsabilidade”, lembrou.

Representação ou adesão?

O episódio do Queer Museum, exposição organizada pelo Santander Cultural em Porto Alegre, que foi fechada após reação de movimentos que criticavam supostos crimes de pedofilia e ataques religiosos, trouxe uma análise do papel da marca nestes tempos em que há tantos haters nas redes sociais (leia mais a respeito no painel “Liberdade de Expressão: Desobediência e Resistência” na matéria Disputas, desobediência e resistência em tempos de ódio). Para Janjácomo, a ira contra a exposição demonstrou que muita gente está lendo só a orelha do livro, em vez de se aprofundar no livro. Por outro lado, fica difícil trabalhar nesse cenário, em que surgem manifestos a torto e a direito.

Mas “ler só a orelha do livro” pode estar acontecendo com as próprias empresas. Estariam aderindo a uma causa ou só representando? É vital, nesse caso, avaliar que projeto tem a ver com o core da empresa – isso a faria ter mais segurança diante de eventuais críticas. “Falta exercício de colocar a marca como uma pessoa ao se engajar. Deve-se perguntar se a marca já colaborou com alguém na área. ‘Com quantas comunidades me envolvi?’ Transformação se faz de dentro pra fora. Você suporta uma bandeira. Não é a causa que leva a marca. E para levantar uma bandeira é importante que os valores da causa tenham a ver com os valores da marca”, salientou Flávia.

Theo defendeu que a palavra mais valiosa do momento é honestidade. “Bizarrices convencem também. Os fenômenos do Trump e do Bolsonaro comprovam isso. Mas é preciso ser verdadeiro, transparente”, disse. Ele explicou que se a marca disser desejar ter uma causa, tem de ser honesta com ela mesma. Deve se perguntar se tem a ver com o propósito e promover mudanças grandes internamente. “Não pode ser só um esforço de comunicação. Ela tem de fazer um ‘cursinho’ antes para entender o que a causa significa e sentir se o que fizer será verdadeiro. Importante também é fazer a marca andar por um caminho”.

Segundo Vinícius, é válido questionar-se como tem sido a representação de raça e gênero nas ações. “Como as pessoas estarão na campanha? Há risco de cair em algum estereótipo? Abraçar uma causa é um processo complexo. Mas quando uma marca como Skol faz o que tem feito, ela não mexe só com a Ambev. Mexe com o mercado”, pontuou, salientando como movimentos de uma empresa podem impactar um segmento inteiro. Theo acrescentou que a representação de grupos sociais tem de ter propósito e não ser algo vazio. Flávia disse que parar de reforçar estereótipos seria também uma boa medida. A Avon, por exemplo, é uma empresa que soube inserir a discussão de gênero em sua estratégia de comunicação. "Há um mix de maturidades de discursos no mercado. Tem cliente começando a entender agora o que estamos vivendo. Essas marcas vão ter de se educar por mais tempo", comentou Janjácomo.

Quem move a conversa, afinal?

Uma pergunta da plateia voltou a colocar a Skol no centro do debate. A questão era de quem partiu a decisão de enveredar pelo caminho da diversidade. Ou seja, foi algo que veio genuinamente da marca ou foi uma resolução tomada para atender uma necessidade de mercado? Theo respondeu que a marca está ligada ao universo jovem. Por isso, está sempre em festivais. “A gente foi vendo que as pessoas respondiam bem quando mostrávamos a diversidade do público: homens, mulheres, gays, trans. Percebemos que isso estava cada vez mais pulsante. Então, fomos amadurecendo o conceito. O DNA da marca é jovem e o jovem está mudando. Precisávamos mostrar que pensamos como ele”.

O criativo argumentou que quem move a conversa é sempre a sociedade. Ele lembrou ainda que as mulheres têm consumido mais cerveja. Seria natural falar mais com a mulher na comunicação, portanto.

Nesse ponto, Vinicius afirmou que não se deve esquecer que as marcas são negócios. “Não sejamos inocentes”, sublinhou. A parte boa da inclusão de uma causa nos projetos, no entanto, é que isso também pode movimentar o negócio. Flávia reforçou: “Temos de saber olhar as oportunidades”.

Preparar para o pior?

Ainda sobre o episódio do Santander, Theo afirmou que, em sua avaliação pessoal, ficou ruim para o instituto ter censurado a exposição, apesar de muita gente ter ficado feliz. “Normalmente, as pessoas admiram quem se posiciona”. De todo modo, para qualquer situação que surgir em função de bandeiras levantadas por uma marca, é imprescindível estar preparado para o que vier. “Não dá para falar algo que pode gerar polêmica e sair correndo”. Ele disse que a primeira campanha criada para a Skol em função da Parada LGBT – que a marca apoiou – foi um filme ousado. Mas a empresa se sentiu preparada. Havia até um plano pronto para se conversar com a imprensa, caso houvesse problemas. Ter um plano de contenção deu segurança para a companhia.

Vinícius observou que, às vezes não há consenso nem mesmo entre os grupos focados. Um consumidor gay pode gostar muito de uma campanha e outro pode detestá-la. Mesmo que eles tenham perfis semelhantes. Flávia concordou que é importante estar preparado para o pior. Se a empresa não estiver pronta para enfrentar críticas - não importa de onde venham - isso pode revelar desalinhamento entre a causa e a marca.

Por sinal, recentemente o Festival de Cannes decidiu instituir uma nova premiação. Em 2018, haverá o Sustainable Development Goals Lion, um Leão dedicado a campanhas que conscientizem a população a respeito dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – SDGs, na sigla em inglês. Como declarou Terry Savage, presidente do Cannes Lions, “as marcas e outras organizações estão cada vez mais liderando ações que promovem o bem no mundo” (leia mais aqui). Ter esse reconhecimento pode estimular agências e anunciantes a desenvolverem projetos ainda mais engajados e criativos para fazer as mudanças que a sociedade vem pedindo tanto nas redes e quanto nas ruas.

Lena Castellón

Festival do Clube 2017

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