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Os tempos estão mudando. Assim como os designers (Richard van der Laken)
Com os mecanismos de mercado mudando em resposta à pressão exercida pela crise, as melhores qualidades dos designers vêm à tona. Governo, empresas e sociedade devem abraçar essas qualidades.
Em 1995, me formei como designer por uma academia de arte que foca na expressão individual do aluno. O que contava era a sua atitude perante a sociedade, a sua relação com conteúdo e forma, a natureza da comissão e a técnica que você queria aplicar. Essa técnica era obviamente, off line. Havia um computador “mentindo” em alguma sala de aula, mas quase ninguém sabia como funcionava.
Como designer gráfico, eu estava sempre recolhendo material visual: livros sobre tudo – de plantas, pássaros e cavalos de corrida a carros, países e cidades, bem como as revistas mais obscuras. Por quê? Para construir um arsenal de imagens que poderia usar como referência. Essas imagens guiariam o meu trabalho. Se eu quisesse projetar um cartaz que descrevesse um carneiro de cinco patas, procuraria exatamente essa imagem no meu arquivo.
Naturalmente eu nunca encontrei aquela ovelha, mas me inspirei em explosões nucleares: Elvis e Nixon, mulheres com bigodes, lutadores elegantes em brilhantes calções de boxe tailandês e muito mais. Esses achados alimentaram meu trabalho e abriram muitas oportunidades. Agora, digite 'ovelhas com cinco pernas' e o Google instantaneamente te apresenta páginas cheias dessas imagens.
É apenas um pequeno exemplo de um mundo que se transformou, além do reconhecimento ao longo das últimas duas décadas, e em nenhum lugar a mudança foi tão extrema como na indústria gráfica. No entanto, nenhum setor escapou dos efeitos da revolução digital. E enquanto coisas incríveis se tornaram possíveis, têm havido muitas vítimas. Lembra-se daquela empresa chamada Kodak? Ela costumava empregar 140 mil pessoas. A crise que se arrasta há seis anos agora desencadeia pensamentos sombrios. Será que algum desses empregos pode voltar?
A boa notícia é que a crise, combinada com o desenvolvimento digital, nos dá uma razão perfeita para explorar o potencial do designer como um empreendedor. Isto é: alguém que pode resolver problemas antigos de maneiras novas. Porque o designer, mais do que qualquer um, reúne pensamento criativo com habilidade de traduzir ideias em produtos. Pensar em um FairPhone, o primeiro celular do mundo com preocupações sociais e éticas, sem componentes “corruptos”, é a primeira coisa. A segunda, a terceira e a quarta serão desenhar, produzir e comunicar esse produto com sucesso. A empresa holandesa Bas van Abel fez as quatro etapas.
A indústria criativa holandesa sempre teve apoio do governo e das instituições, mas, atualmente, o envolvimento do governo está em declínio. Além disso, em setores como design gráfico, arquitetura e design de produto, os padrões antigos desapareceram – alguns deles para o bem.
Sacudindo a situação de forma tão radical assim significa que coisas surpreendentes estão por vir. A crise oferece aos designers uma oportunidade de expandir o seu papel. Eles podem assumir a tarefa de resolver problemas, fazer novas perguntas, trazer outras perspectivas. Designers sempre veem os problemas como desafios, momentos para sair da zona de conforto. Isso exige que eles se interessem por ter um papel livre, o que, no entanto, em tempos de crise, é naturalmente "um dilema do inferno". Designers, portanto, têm de resolver questões com suas próprias mãos.
É o que precisamente aconteceu no negócio de hotéis, no qual ninguém deu a devida importância para o surgimento de um novo tipo de viajante: o "cidadão móvel", que já estava cheio de esperar por serviços que ele nunca pediu. O que este cidadão global móvel precisa é luxo acessível em um ambiente inspirador. O escritório de design holandês So Concrete inventou, por exemplo, a rede de hotéis citizenM, que agora é uma marca global.
Em seu livro The Great Reset (2010), Richard Florida escreve sobre a crise e seu efeito de cura. Esse foi o caso, em 1929, quando a crise da bolsa de valores provocou o "fordismo", uma maneira de fazer produtos caros disponíveis e acessíveis, com produção em massa.
Novos padrões de consumo e novos conceitos de 'propriedade' agora também são definidos para mudar o mundo, as indústrias alimentares e automobilísticas. Novas formas de infraestrutura vão fazer pessoas, bens e ideias mais móveis e mais rápidos. Comunicação em nossa sociedade em rede deu mais voz aos consumidores. Se eles pensam que algo é uma boa ideia, eles podem assumir o papel de investidor. FairPhone levantou mais de 8 milhões de euros por parte dos consumidores antes mesmo que um único smartphone fosse feito, pela simples razão de que as pessoas acreditavam na ideia do designer e o conceito de empresa social: "um smartphone cool que coloca valores sociais em primeiro lugar".
Fatores influentes são as percepções de que velhas soluções não são mais adequadas, de que os recursos naturais estão se tornando escassos, de que os consumidores valorizam responsabilidade corporativa e transparência e de que a nova infraestrutura digital abre novos horizontes em termos de velocidade e, especialmente, de interatividade. E os primeiros a analisar esses horizontes são muitas vezes os newcomers e outsiders: os que mudam o jogo.
Esses tomadores de decisão transformam as coisas em suas cabeças. A Apple pegou de surpresa a indústria da música e da telefonia móvel com o iPod e o iPhone. Assim como a Nokia e a Ericsson, que não viram a Apple chegar. O mesmo se aplica ao sucesso mundial do Airbnb, serviço de 'dormir em casa' que virou o setor hoteleiro e de turismo de cabeça para baixo.
Eu citei esses exemplos porque, em ambos os casos, criativos e designers desempenharam papéis fundamentais. A Apple conquistou o mundo não só com dispositivos maravilhosos, mas também com uma combinação imbatível de inovação e navegabilidade de dispositivos compartilhados, software e conteúdo - algo que a Nokia e a Ericsson nunca tinham contemplado. Joe Gebbia, fundador do Airbnb, é ele próprio um designer – como se percebe em tudo do Airbnb. É bonito, claro, inteligente, ágil e de fácil entendimento. Mais uma vez, os Hiltons, Holiday Inns e Marriots deste mundo não o viram chegando.
Estes são apenas alguns exemplos de histórias de sucesso mundial, mas pequenas iniciativas são igualmente importantes. A atual crise econômica também está obrigando os arquitetos a adotarem uma outra abordagem. O DUS, escritório com sede em Amsterdam, está à procura de novas formas de trabalhar e de pensar, que já encontraram expressão em seu projeto 3D para uma casa. Juntamente com colas e revestimentos produzidos por Henkel, que está desenvolvendo um material de impressão 3D inovador e sustentável, e outro parceiro de construção - Heijmans, que está explorando técnicas de construção na área de impressão em 3D -, o DUS construiu uma impressora 3D gigante. E então você tem pessoas como Daan Roosegaarde, que inova com o projeto de atrair partículas de poluição atmosférica em Beijing.
E eu? A cada ano, juntamente com um grupo de designers, organizo uma conferência internacional sobre o impacto do design. É uma nova maneira de satisfazer a nossa fome de colaborar com interpretação e concepção de conteúdo.
É verdade que os designers não podem resolver todos os problemas do mundo. Mas, enquanto a velha economia não limpar a poluição atmosférica, Daan Roosegaarde vai. É um exemplo típico de vincular ideias e idealismo para a ação. Essa é a grande qualidade do designer como empreendedor.
E é precisamente essa qualidade de designers que é subestimada. Quando Bas van Abel inventou o FairPhone, todo mundo disse que ele devia estar louco por confrontar Apple e Samsung. Hoje, ele já vendeu 25 mil telefones e outros 50 mil estão a caminho. É verdade, Van Abel não vai resolver o problema das mineradoras corruptas do Congo e ele não afirma que o fará. Mas ele está transformando o telefone – agora há mais deles que pessoas no planeta – , a partir de um gadget abstrato concebido por nerds da Califórnia e aparafusado por trabalhadores chineses mal pagos, em um objeto com o qual você pode se relacionar. Ele está restaurando a relação desenhista-produtor-consumidor que tinha perdido completamente o contato, com uma perda que explica em parte o enorme desperdício de recursos naturais.
A beleza de tudo isso é que o FairPhone não é um projeto irreal, mas um sucesso comercial. Ele estava sendo vendido antes mesmo de entrar no mercado. A Concrete trouxe seu hotel-conceito citizenM para Londres, Nova York, Paris e Ásia.
E tudo isso acontece sob o ditado: “Se a atribuição não vem até nós, nós vamos sair e criá-la". O designer como empreendedor está agora em todos os lugares, acrescentando um toque contemporâneo ao poder da imaginação. Para continuar a linha de pensamento de Richard Florida, bons designers vão mudar nosso ambiente, mobilidade, bens, ideias, indústrias, empregos e toda a nossa maneira de viver. Como ele está correto!
Richard van der Laken é co-fundador da agência de design gráfico holandesa Designpolitie e diretor criativo do What Design can Do!, conferência sobre o impacto social do design, a ser realizada nos dias 7 e 8 de dezembro em São Paulo