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Blender: inovação e democracia na animação (Carlos Vizeu)

12.03.25

Há tempos venho acompanhando as transformações na indústria da animação, não só pela minha ocupação como animador, diretor de animação e diretor criativo da Noches Productions, mas também como entusiasta de novas técnicas de produção, e a adoção, cada vez mais frequente, de ferramentas de código aberto, dentro da indústria, representa, para mim, um marco importante na democratização da produção audiovisual, tornando-a consideravelmente mais acessível.

O Blender tem ganhado espaço de maneira exponencial nos últimos tempos, sendo sinônimo e referência em software de código aberto. Ele não é apenas uma alternativa gratuita a softwares proprietários; ele é, de fato, uma ferramenta muito robusta e versátil, e que está constantemente em evolução.

Possui uma gama completa de recursos que vão da modelagem e animação à edição de vídeo, pós produção e texturização. Ferramentas praticamente únicas, como o Grease Pencil, que possibilitam a criação de animações 2D num ambiente 3D, são verdadeiros “game changers – simplificando processos e ampliando as possibilidades criativas. Não me canso de afirmar: o Blender é excelente, pois combina o poder da tecnologia moderna, com a liberdade de um software colaborativo e em constante evolução.

Um dos casos que mais me chamou atenção nos últimos tempos, foi a movimentação do Studio Khara, autonomeado como estúdio híbrido (foi fundado pelo diretor Hideki Anno, autor e diretor do mega sucesso "Evangelion") – que, com coragem, abandonou o 3Ds Max da badalada Autodesk e migrou para o Blender.

O Studio Khara optou por fazer uma migração completa para o software livre, integrando, inclusive, a versão do Pencil+ 4 para o Blender (plugin desenvolvido pela PSOFT para renderização) à sua rotina. Dentre os motivos dados pelo estúdio para essa mudança estão a facilidade no desenvolvimento de ferramentas personalizadas, a mão de obra especializada e o baixo custo. Foram os que mais pesaram. Importante ressaltar que esse é um indicativo endêmico de como softwares livres estão impactando positivamente em produções mais exigentes, como as da indústria japonesa, que equilibra avanço, economia e tradição.

E não é só o Studio Khara que está apostando no Blender. Outras produções japonesas, como a do anime "Black Clover", do estúdio Pierrot, se tornaram referência na utilização do Blender com o Grease Pencil para layouts com perspectivas ousadas e narrativas visuais verdadeiramente inovadoras.

Como se não bastasse dois expoentes da animação mundial passarem a adotar o Blender, agora temos o filme "Flow", que foi produzido inteiramente dentro do Blender, ganhando o Oscar de Melhor Filme de Animação. Eu vejo nesse acontecimento uma inspiração não só para grandes produtoras, como as japonesas, mas, principalmente, para a cena independente brasileira, que carece de recursos em comparação a produções estrangeiras.

E quanto ao impacto dessas ferramentas na produção independente brasileira de animação? Creio firmemente que o acesso a tecnologias de ponta, sem custos proibitivos, pode revolucionar o cenário nacional. O Brasil é um celeiro de talentos e ideias inovadoras, mas muitos projetos ficam limitados pela dificuldade de arcar com licenças caras e infraestrutura tecnológica exigidas para produções animadas, e que acompanham os grandes estúdios internacionais. Com o Blender, jovens artistas, pequenos estúdios e produtores independentes ganham não só uma ferramenta, mas uma chance real de competir em um mercado global.

O Blender possui uma alta compatibilidade com um hardware de entrada, contando também com muitas otimizações, tornando-o uma aplicação leve e responsiva. Além disso, a comunidade nacional do Blender possui muitos talentos e entusiastas ativos em fóruns e redes sociais, e uma alta variedade de tutoriais na internet, o que ajuda no acesso e adoção dessa ferramenta para os interessados.

Essa acessibilidade impulsiona a criatividade e pode, sim, abrir caminho para o surgimento de novos projetos e obras, que transformem a cultura e a identidade não só de nossas animações, mas também das produções live action, pois o software também possui ferramentas nativas que o tornam competitivo com grandes concorrentes de mercado. Hoje ele, de fato, está mudando a forma de criar e produzir conteúdo.

Ferramentas de software livre como o Blender representam uma revolução silenciosa profunda. Elas possibilitam que a produção independente brasileira ganhe voz, espaço e, acima de tudo, visibilidade. Muitos projetos inovadores que antes seriam difíceis de serem produzidos, devido ao alto custo e alta demanda de infraestrutura técnica, têm chances de ganhar vida graças à acessibilidade do Blender. E é fundamental que, como profissionais, produtores e entusiastas da animação, incentivemos a exploração dessas tecnologias por meio de novas histórias. O futuro da nossa cultura visual depende da ousadia e da inovação de cada um.

Carlos Vizeu, fundador do estúdio de animação Noches Productions, de Niterói (RJ)

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