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O difícil critério de avaliar trocadilhos (Will Ferrari Jr.)
Uma desavença criativa perdura nas agências de propaganda: afinal, quando o trocadilho é um trocadalho?
Usar boina é algo delicado. Você pode apoderar-se de um charme extra ou virar motivo de chacota. Trocadilho vive na mesma linha tênue da incerteza. São poucos critérios para muito achismo.
Nosso problema com trocadilho, provavelmente, vem da infância. O primeiro contato que a maioria teve foi em um encontro familiar, enquanto a tia servia um delicioso pavê de sobremesa. Repetido todos os anos a exaustão, virou uma mantra dos maus exemplos. Que péssimo início de relação.
O tempo passa, começamos a ouvir (ou usar, dependendo da sua idade) em piadas - “o oposto de papelada é pá com roupa”. Usamos também para quebrar o gelo em reuniões e encontros, geralmente em frases iniciadas “com o perdão do trocadilho”. E para divertir uma conversa de WhatsApp, como aquele sticker de melancia com o texto “semente demais”. Vemos também casos mais extremos, como a Maria Joana, filha do Marcelo D2, que ama uma Marijuana. Trocadilho chama a atenção, é de fácil memorização e bota aquele sorrisinho no canto da boca.
Ao contrário do senso comum, trocadilho não é aleatório e desprovido de técnica. Converso com um redator que entende do assunto e já criou nomes de livros, músicas e marcas. Ele explica: “Eu pego a palavra principal do conceito ou tema e vou puxando na memória a palavra secundária que se encaixe e dê origem ao trocadilho.” E completa: “Eu me baseio mais na sonoridade das palavras que eu junto para criar.”
Mas e na propaganda, vale arriscar?
A alta capacidade de um trocadilho envergonhar seu criador fez com que equipes criativas nas agências buscassem o artifício do teste-sem-comprometimento. A proposta pode ser séria ou não, de acordo com a reação de quem ouve. Outra metodologia é escrever o trocadilho nos slides da apresentação, colocar ao lado “nome de marcação” ou “nomenclatura interna” e levar para o check point. De novo, a reação ao redor define o futuro. É importante ignorar aqueles que riem por cortesia, não são pessoas confiáveis.
O trocadilho vale o risco quando o potencial de comunicação da sua empresa ou marca for baixo, para chamar a atenção. Uma aplicação que compreendo - e até apoio - são nomes de pequenos negócios. Você tem um comércio e dedica à sua fachada praticamente toda verba da comunicação anual. Então, sim, sua loja de aço pode ser chamar AmigAço. Tudo bem se sua petshop no Rio se chamar Cãopacabana. Ou se mesclar com outras línguas como fez o clínica veterinária Any+ (animais). Chamar seu food truck de “O senhor dos pastéis” viraliza e funciona. E até segmentar para um público específico como fez a loja “Todo Poderoso Colchão”.
Grandes marcas também tem cases bem sucedidos, que carregam inteligência e uma sacada: “Pochete Cool_er” da Smirnoff Ice, “Mash comigo” da Mash, “Pay Per Beer” da Brahma ou o preciso “Sundae & Júnior” do McDonald's, sucesso absoluto. Repare que em todos esses exemplos, o trocadilho é auto-explicativo, sonoramente agradável e um deles até faz a gente querer pular.
Em reflexão com uma amiga leitora assídua, percebemos que o que infantiliza um texto infantiliza também um trocadilho. É o caso de onomatopéias: uma nova loja do Tok&Stok que vai abrir as portas não pode dizer “Toc-Toc&Stok”. Um remédio contra a gripe não seria levado a sério com “É atchim que se cura”. E uma marca de leite deveria evitar o “É muuuuu…ito delicioso”.
Na moda, como na propaganda, existem fases e clássicos. Vejo o trocadilho como um clássico que precisa de cuidado pelo contexto e pelo conjunto. No silêncio ou na concordância da equipe, vá em frente. Na dúvida, melhor não usar (ou você pode ter um boi andando numa reta, ou seja, um boina linha.)
Will Ferrari Jr é sócio e diretor de criação da recém-inaugurada agência e produtora Duuuna
Leia texto anterior da seção "O Espaço é Seu", aqui.
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