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Extrapolando as fronteiras do 20 de novembro (Juh Almeida)
É a primeira vez que o dia 20 de novembro, dia nacional de Zumbi e da Consciência Negra, é celebrado como feriado nacional, e é também de propósito que esse texto esteja sendo publicado dias depois da data, foi a estratégia que encontrei para deixar evidente o quanto o debate sobre esse dia precisa se estender para o ano inteiro.
É crucial que pessoas negras não sejam chamadas apenas para projetos que abordem a temática racial ou que estejam associadas a sua identidade. Essa prática reforça um lugar de confinamento simbólico, como se fôssemos apenas “especialistas em negritude”, desconsiderando nossas capacidades técnicas e criativas.
É preciso desafiar a lógica de exclusividade temática, permitindo que profissionais negros possam atuar livremente em múltiplos gêneros e linguagens, sem que sua identidade seja o único critério para suas contratações. Por esse motivo, essa reflexão precisa ir além da data, transformando-se em ações concretas ao longo do ano.
Fazendo agora um recorte particular, entendo que a contratação de diretoras negras para filmes publicitários é um ponto-chave dessa transformação, pois está diretamente ligada à diversidade de perspectivas, à representatividade nas narrativas e à responsabilidade do mercado em promover a inclusão.
É essencial que clientes, marcas, agências e produtoras assumam a responsabilidade de confiar em diretoras negras para dirigir campanhas durante todo o ano, independentemente do tema ou do público-alvo. Pensei que esse movimento pode se refletir em três aspectos fundamentais: confiança criativa e técnica, orçamentos justos e compromisso contínuo. Possuímos o conhecimento técnico, a experiência e a capacidade criativa para liderar projetos publicitários de qualquer gênero ou complexidade. Reconhecer isso significa nos contratar não apenas para campanhas sobre diversidade, mas também para trabalhos que exijam inovação, sofisticação estética e eficiência técnica, sem limitar nossa atuação à temática racial.
Um dos principais desafios enfrentados por nós, diretoras negras, no mercado publicitário é a falta de acesso a orçamentos maiores e projetos de alta visibilidade, muitas vezes, mesmo quando somos contratadas, recebemos projetos com recursos limitados ou considerados de menor relevância pelas marcas. É indispensável que clientes e agências invistam em diretoras negras para liderar campanhas de grande orçamento, reconhecendo o valor de seu trabalho e garantindo que tenham os mesmos recursos disponíveis a outros profissionais.
Não basta que marcas, agências e clientes promovam ações pontuais em torno de datas comemorativas, o compromisso com essas contratações deve ser contínuo, incorporado às políticas de contratação das agências e das marcas ao longo de todo o ano. Essa constância é essencial para construir confiança mútua e para que esses profissionais possam desenvolver suas carreiras de forma consistente, ao permitir que suas vozes ecoem sem limitações, o audiovisual não só reforça sua diversidade, mas também cria um legado onde o talento e a criatividade falam mais alto que os estereótipos.
Afinal, como bem disse Lélia Gonzalez: “Se você não se fizer representar, alguém vai falar no seu lugar.” O mercado precisa permitir que mulheres negras falem, todos os dias do ano, e sobre tudo o que quiserem. Vai fazer cinco anos que dirijo filmes publicitários, e meu sonho ainda segue dirigir um filme de carro. Não somos uma tendência passageira, o compromisso e a promoção de um ambiente criativo que reflete a complexidade e a riqueza do Brasil, onde todas as vozes são ouvidas e valorizadas precisam ser permanentes.
Que a Consciência Negra seja mais do que um dia no calendário publicitário, e sim um compromisso diário, construído com confiança, recursos justos e a valorização plena dos talentos. Afinal, o futuro do audiovisual – e da publicidade – será verdadeiramente transformador quando refletir a pluralidade de quem somos.
Juh Almeida, diretora da produtora Café Royal
Leia o texto anterior da seção "O Espaço é Seu", aqui.