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Branded Entertainment: construir uma propriedade intelectual demora (Fernanda Menegotto)
A impressionante trajetória da Marvel, que passou de simples fabricante de brinquedos a uma das franquias mais lucrativas e influentes do mundo, é detalhada no livro "O Reinado da Marvel Studios: A História de como o UCM se tornou um dos Maiores Fenômenos Culturais de Nosso Tempo", lançado no ano passado. Ao longo de 440 páginas e mais de cem entrevistas, os autores revelam os bastidores da quase falência na década de 1990 até os atuais desafios enfrentados pelas lideranças da empresa, incluindo o "aperto de cinto" após a fusão com a Disney e a nova geopolítica de Hollywood na era dos streamers. A virada só ocorreu quando a Marvel se apropriou do seu próprio destino com o Universo Cinematográfico Marvel (UCM), abandonando a dependência de terceiros para contar suas histórias. Avi Arad, peça-chave nessa transformação, relembra o momento em que decidiu assumir as rédeas: "Negociar com grandes estúdios, onde seu projeto é apenas mais um entre centenas, não funcionava para nós. Decidimos que não faríamos mais isso. Ponto final."
Desde então, a marca vem preparando o terreno e empoderando tantas outras organizações a transformarem suas propriedades intelectuais em entretenimento. Em maior ou menor escala, o fato é que a modalidade do branded entertainment audiovisual encontrou um outro nível de maturidade no mercado, que se abre, aos poucos, para novos modelos de negócio que têm como objetivo viabilizar filmes que importam. Os consórcios com marcas podem envolver produtoras, grandes distribuidoras e, por que não, marcas do mesmo segmento. Quando há casamento de propósitos, espaços para a colaboração consultiva (e não apenas financeira) e quando os resultados das ações são devidamente planejados, quase tudo é possível.
Mas o que de melhor poderemos ver nas telas, na sinergia desses mundos? Depois de um gap de cinco anos sem lançar nenhum formato, a Lego finalmente estreou o seu novo filme "Piece by Piece", em parceria com o Pharrel Williams. Sem estreia prevista no Brasil, o longa tem dividido a crítica - entre os que acham a conexão do Pharrel com a Lego "superficial demais, não aprofundando a história do artista nem a intenção da marca" e os que ovacionam a iniciativa, que incluiu o lançamento de uma nova coleção assinada pelo artista.
Ainda que não tenha assistido ao filme, arrisco dizer que de superficial esse lançamento não tem nada. Foram anos de maturação (quase seis, na verdade) até a próxima cartada, mesmo depois de muitos filmes seguidos com grande sucesso de bilheteria e performance na Netflix. Basta dar um Google nas notícias em torno do projeto para entender a impaciência dos fãs e a curiosidade da imprensa em torno do "silêncio" da Lego. Parte disso foi a venda da propriedade intelectual para a Universal, mas parte foi também, como revelou o CEO da Lego, "a necessidade de trazer algo inesperado para a mesa". A razão de ser de um projeto de Branded Entertainment audiovisual para que não seja apenas perfumaria é o passo número um para ser assertivo no uso da metodologia. Encontrar o "por que", assim como o "quando" e o "como" para lançar uma propriedade intelectual, geralmente, leva tempo.
Já há alguns anos na trilha dos grandes estúdios, a Nike amadureceu a visão do que podem ser os timings quando o assunto é entretenimento. Em parceria com a PI Studios, a empresa anunciou o lançamento de um documentário de processo que levou cinco anos entre o desenvolvimento e a pós-produção. "Crois Pas Qu'on Dort" mostra a jornada emocionante de três atletas franceses para Olimpíada e Paraolimpíada de Paris. A estreia está prevista para janeiro do ano que vem.
Já a Mattel, após o sucesso de "Barbie" que levou quinze anos para ser lançado, avança sem pressa, mas muita consistência, com projetos como "Polly Pocket", dirigido por Lena Dunham, e "Uno", que promete transformar o icônico jogo de cartas em uma narrativa cinematográfica. Mais recentemente, anunciou o desenvolvimento de um longa que explora a nostalgia em torno do brinquedo clássico "View Master".
Para o mercado brasileiro, há muito a se inspirar nesse movimento. Estamos caminhando para um modelo mais sofisticado, em que o branded entertainment não se torna apenas uma extensão de campanhas publicitárias - mas uma estratégia para que estas sejam maximizadas. Os projetos de longa duração exigem um nível de craft que não é facilmente replicável. Desenvolver com múltiplos stakeholders, para que cada parte atue de forma consultiva, não é um tiro curto. Destrinchar espaços relevantes para se ocupar em catálogos e grades, também. Vivenciar o fluxo das exigências regulatórias, como cada produtora independente hoje vivencia por exemplo sempre que busca registros na Ancine, é uma parte do processo que demanda tempo. Planejar e articular como o produto vai chegar às pessoas e, depois do lançamento, trabalhar na cauda-longa para que ganhe mais e mais espaços de distribuição (muito além de contrapartidas de compra de mídia) passa por um timeline engenhoso. Tudo isso para que, ao fim, o produto ressoe perante a audiência e ocupe o território que se propôs com assertividade.
Uma propriedade intelectual precisa de tempo para amadurecer e gestão contínua para promover impacto.
Fernanda Menegotto, fundadora da FMM e co-fundadora da Vbrand
Leia o texto anterior da seção "O Espaço é Seu", aqui.