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O problema da imprensa... e do mercado de comunicação
Na semana em que completou 97 anos, o jornal Folha de S. Paulo organizou o 2º Encontro Folha de Jornalismo, no qual marcou algumas de suas posições como um dos principais produtores de conteúdo jornalístico no Brasil. Entre os valores defendidos, estão a credibilidade e a pluralidade. Um dos pontos destacados no evento tocou especialmente nessas duas questões. E é um assunto que tem movimentado a imprensa mundial nos últimos dois anos: as chamadas fake news (notícias falsas), um fenômeno da era da pós-verdade.
Estabelecida como palavra do ano pelo dicionário Oxford em 2016, a pós-verdade se refere ao conceito que aponta que a opinião pública se molda mais pelas emoções e crenças individuais do que sobre fatos concretos. Esse comportamento se dá, especialmente, quando se trata de política. Dentro desse cenário, as fake news floresceram.
A expressão saiu do mundo da imprensa e se popularizou, mas essa migração de status trouxe um problema: justamente sua definição. O professor Pablo Ortellado, da faculdade de Gestão de Políticas Públicas da USP, um dos convidados do evento da Folha, apontou que o público pode confundir um erro de apuração com um conteúdo falso feito por ação maliciosa. O problema está na difusão de conteúdo distorcido com propósitos de desestabilização de uma situação, de um grupo ou de uma pessoa.
Por meio de um laboratório na USP, Ortellado estuda sites hiper partidarizados, que criam essas notícias falsas (leia mais aqui: “Fake News – Antídoto passa pelo jornalismo de qualidade. É o suficiente?”). Segundo ele, o fenômeno está relacionado à polarização da sociedade, algo que leva grupos a criar histórias para que seus opositores caiam em desgraça pública.
A maneira como as fake news estão se espalhando e contaminando o conteúdo na internet vem mobilizando grandes veículos e entidades representativas da imprensa, que mostram como há fábricas de notícias montadas para isso, seja em Poços de Caldas (reportagem da Folha revelou como funciona uma fábrica de notícias sensacionalistas na cidade – disponível aqui para assinantes do jornal) ou na Macedônia (o documentário “Fake News: Baseado em Fatos Reais”, da GloboNews, apresenta um jovem de 19 anos que ganhou dinheiro publicando notícias falsas, mas que diz que “o Google ganhou mais”). De acordo com o jornalista espanhol Antonio Caño, diretor do El País, outro palestrante do evento da Folha, a criação de campanhas sistemáticas de desinformação, em um âmbito tão massivo e de forma tão constante, são algo novo (confira mais “Em até dois anos, metade das notícias da internet será falsa”).
Em que pese a popularização, o assunto vinha sendo abordado majoritariamente pelas empresas jornalísticas, as mais atingidas diretamente, ou pelas faculdades de jornalismo. Grandes companhias como The New York Times chegaram a fazer campanhas ou criar ações para ressaltar o valor da verdade. Lançado um ano atrás, o filme “The truth is hard”, criado pela Droga5, foi a estratégia adotada pelo NY Times, após uma década sem investir em campanhas na TV, para mostrar que a verdade é mais importante do que nunca (confira mais detalhes aqui).
No mês passado, a CNN apresentou a continuação de sua campanha “Facts First”, desenvolvida pela Figliulo & Partners e lançada em setembro passado. O novo comercial, “Peel”, destaca que, quando algo que não é verdade é repetido várias vezes como se fosse, as pessoas podem passar a acreditar naquilo (leia mais aqui. As duas campanhas, tanto da CNN quanto do NY Times, podem ser vistas mais abaixo).
Unilever se posiciona
Se o problema parecia circunscrito à mídia, dias atrás foi a vez de Keith Weed, CMO global da Unilever, abordar a questão, embora ela tenha vindo num pacote maior. Weed, uma liderança que tem cadeira cativa como palestrante no Festival de Cannes, afirmou em um evento do IAB que irá retirar vebas das plataformas digitais – como Facebook e YouTube – a menos que elas façam mais para combater a praga das fake news e dos discursos de ódio que proliferam nas redes. “A Unilever não investirá em plataformas que não protegem nossas crianças ou que criem divisões na sociedade, promovendo a raiva e o ódio. Vamos priorizar investimentos em plataformas responsáveis que estão comprometidas em desenvolver um impacto positivo na sociedade”, declarou.
Vale lembrar que o Facebook recentemente mexeu em seus algoritmos, favorecendo a postagem de usuários e diminuindo o alcance de posts feitos por empresas – entre elas as jornalísticas. Essa medida foi um dos motivos que levou a Folha a não mais fazer postagens na rede (relembre aqui e aqui).
Um movimento como o da Unilever, ao tocar no tema das notícias falsas e distorcidas, é fundamental. Na visão de Pablo Ortellado, da USP, a publicidade é “um pedaço importante” da questão. Ao Clubeonline, ele disse que marcas, como Unilever, demonstram estar mais atentas. E reforçou que um caminho para combater o problema é o financeiro. “Esses sites hiper partidarizados que estudamos são alimentados por publicidade”, completou.
O diretor do El País também ponderou que é essencial a participação das marcas na discussão desse tema. Elas precisam saber onde os investimentos digitais que fazem estão migrando, mas porque as fake news afetam toda a sociedade. Isso porque somente com uma imprensa forte que se assegura o direito à informação. Como afirmou Antonio Caño, é o jornalismo de qualidade que garante à população ter informação independente. “Não há cidadão livre se ele é desinformado ou mal informado”.
Em ano eleitoral o que preocupa?
Participante de outro painel no evento da Folha, que discutia formatos comerciais, Nizan Guanaes, do Grupo ABC, chamou atenção ao declarar que não se preocupa com a capacidade de o leitor distinguir o que é publicidade e o que é conteúdo editorial (a mesa tinha foco em projetos de branded content). “Ele não distinguir o que é anúncio é triste. Mas ele não distinguir o que é notícia real do que é falsa... isso é um desastre”, disparou, trazendo à tona o tema que já havia sido debatida em outros painéis. Nizan se disse mais preocupado com a sustentabilidade financeira do jornalismo do que com eventuais excessos que poderiam ser cometidos pela imprensa ao buscar novas receitas.
Daniel Conti, diretor-geral da Vice, presente no mesmo painel, corroborou essa preocupação. “Com nosso público, que são os millennials para isso, não há problemas com a mensagem publicitária. A seara que está mais complicada é a da informação apurada”. Neste ano eleitoral, o maior desafio da Vice, segundo ele, será como tratar as fake news. “Millennials são o público-alvo dessas ações. No sentido comercial, estamos tranquilos. Eles sabem distinguir bem o que é publicidade. A preocupação é com a distinção do que é notícia verdadeira”.
Ao Clubeonline, Nizan afirmou que a melhor maneira de se tratar a questão é fazendo com que as plataformas digitais participem do debate levando o assunto muito a sério. “Elas não podem falar que não são empresas de mídia”. E sugeriu que, assim como existe o Conar para regulamentar a publicidade, os veículos se organizem para ter formas aprimoradas de detectar fake news e, assim, combatê-las.
Por sua vez, Conti avaliou que, como o tema está relacionado à credibilidade, as marcas deveriam acompanhar de perto as discussões. “Autenticidade e credibilidade são justamente valores que os jovens mais destacam”, disse ao Clubeonline. Ele acrescentou que as marcas devem ter uma persona. Que não são apenas os quesitos comerciais que devem movê-las no mundo hoje. Conti observou ainda que as plataformas digitais foram fundadas por jovens que se baseavam em tecnologia, em eficiência. A comunicação não estava no radar. Por isso, é preciso reforçar esse lado. “O mercado tem de ter uma postura crítica em relação às plataformas tecnológicas. Até porque isso, no final, tem a ver com a sobrevivência do negócio”.
Lena Castellón