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Afinal, o que é Design Thinking?
Eu tenho visto, cada vez mais freqüentemente, matérias jornalísticas abordando a importância do design, sobre como o design é valioso para as marcas, como ele ajuda a diferenciá-las ou como ele vem sendo usado como argumento de venda de produtos.
Tudo isso é verdade, mas vamos ser diretos e começar pelo início.
Não existiria raça humana como a conhecemos sem design. Simples assim. Existiria raça humana sem marketing ou branding, mas sem design não, porque design não é um ritual gerencial ou uma ferramenta de administração, de venda ou de posicionamento de marcas. Design está na verdadeira essência humana, porque "design é a capacidade humana de tornar tangível uma intenção de transformação".
A longa evolução das espécies baseia-se na capacidade da vida reagir diante dos impactos do meio ambiente. Os organismos reagem aos estímulos exteriores e se modificam, adaptando-se às contínuas realidades evolutivas. O ser humano é a única criatura viva capaz de, além de reagir, transcender às reações. Somos capazes de imaginar e inventar, de vivenciar nossos sonhos e desejos, projetando objetivos de vida, criando projetos que se tornam materiais. Somos capazes de contar histórias, representar e criar símbolos.
Quando um pequeno hominídeo, há dois milhões de anos, deu forma à uma pedra lascada para cortar e retirar alimento das entranhas dos animais mortos, ele estava praticando design e iniciando uma dieta que iria aumentar consideravelmente o seu porte e o seu cérebro.
Esse homo habilis, depois de muito observar, imaginou criar uma extensão da sua própria mão, usando uma pedra pontuda ou afiada. A pré-história está repleta de design inovador: o primeiro instrumento musical há 43 mil anos, o primeiro instrumento matemático há 37 mil anos, a mais antiga escultura, intacta há 32 mil anos. Essa capacidade de tornar material uma idéia é a mesma que já conseguiu poluir a estratosfera com satélites espaciais.
O design ganhou nome e uma primeira organização metodológica a partir da Bauhaus, antes da Segunda Grande Guerra. Até lá, era uma criativa e espontânea capacidade humana. A partir da escola fundada por Gropius, com ênfase nas equipes colaborativas, o design floresceu e semeou o mundo dos negócios. Hoje, todas as "coisas" de valor têm design na sua origem. Podemos dizer que o design se "coisificou". Existe design de toda e qualquer coisa, chegando até ao nível do sagrado, quando se fundou o conceito do "design inteligente", uma forma de explicar a criação por meio de um designer supremo inteligente.
Porém, o design foi inicialmente elaborado como um processo experimental de pensar, agir e tornar tangível uma solução para os problemas efervescentes de uma época plena de inéditas transformações radicais. O design, assim como a inovação, é um processo. Quando esse processo dá certo, o design é confundido com o seu resultado. A rápida difusão do design no hemisfério Norte fez com que ele se identificasse com o objeto tangível, com o objetivo da sua intenção. Nesse movimento, em direção ao objeto-alvo do seu desígnio, o design foi sendo afastado das decisões estratégicas e ficando mais perto da forma final do projeto até se transformar em um atraente argumento de venda de qualquer coisa.
Em 1969, um gênio polivalente e premiado pelo Nobel, Herbert Alexander Simon, lançou as bases da inteligência artificial no livro "The sciences of the artificial", no qual ele percebe que as disciplinas humanas, tais como a engenharia, a medicina, a arquitetura, a pintura ou os negócios, estão relacionadas com a contingência, com o possível, não com o necessário. Em outras palavras, estão relacionadas não com como as coisas são, mas com como elas podem ser. Em resumo, com o design.
Simon percebeu que o design é usado por todos os que planejam ações dirigidas para a transformação de situações existentes em outras preferidas. Ele criou a idéia de "design thinking", baseado em um processo de construção de idéias compromissadas com um futuro melhorado, o que é diferente de um pensamento crítico.
Além da inteligência artificial, Simon esteve envolvido em diversas disciplinas, como teoria das organizações, arquitetura da complexidade e processos de tomadas de decisão, sempre nomeando o design como um processo necessário.
Em 1991, a minha empresa Animus estava diante de um mercado que costumava usar o design como uma ferramenta decoradora ao final de um processo de marketing. Poucos clientes entendiam ou aceitavam a idéia de que um designer poderia integrar uma equipe estratégica.
Naquela época, nós estávamos fascinados com dois livros: "How to solve it", de George Polya, um matemático húngaro que ensinava em Stanford, e "The fifth dicipline", de Peter Senge, professor do MIT.
Nós desejávamos estabelecer uma metodologia para resolver problemas e esses livros nos iluminavam, pois falavam do poder da heurística, a arte de descobrir, e das organizações que aprendem.
Então, depois de conquistar a confiança do nosso maior cliente, uma multinacional norte-americana, a Animus foi convidada para participar do seu planejamento estratégico anual.
Nós conseguimos ser vistos como colaboradores criativos que poderiam ajudá-los a inovar e desenvolver soluções mais rápidas.
A palavra inovação não havia ainda alcançado o status atual, mas a prática da prototipagem rápida e a experiência com equipes multidisciplinares que nós usávamos na nossa metodologia interessavam ao cliente.
A partir de então, ao invés de agir no final de um processo produtivo, a Animus estava inserida desde o início da intenção do negócio em uma estrutura que conseguia aprender durante o processo de investigar-diagnosticar-solucionar-implantar.
Isso mudou a nossa consciência sobre a importância do design e sobre o compromisso com a performance dos negócios do cliente. Anos depois, quando tivemos acesso à metodologia experimental do design thinking de Stanford, nós percebemos que havíamos criado de uma forma espontânea uma metodologia própria bastante similar adaptada às necessidades pragmáticas dos nossos clientes.
Hoje, os acadêmicos já geraram montanhas de defesas ao design thinking, uma forma de pensamento através do design que ajuda na tomada de decisões e na construção de um futuro intencionalmente melhorado.
Além de estar no currículo das mais importantes universidades de design norte-americanas, o design thinking vem sendo ensinado também para executivos em Stanford e na Rotman School of Management, em Toronto.
No mundo político, o design thinking debutou em Davos, no Fórum Econômico Mundial de 2006 para as celebridades internacionais presentes. Cada vez mais, empresas como a Procter & Gamble difundem o design thinking ao longo da sua estrutura operacional, mostrando que essa atitude precisa estar presente em todo o processo produtivo. A própria vice-presidente de Design de Inovação e Estratégia da P&G, Claudia Kotchka, tem orgulho em afirmar que aprendeu a ser uma design thinker e que sua tarefa atual é difundir essa prática na estrutura da empresa.
Como os universos acadêmico e de negócios perceberam, o design thinking vem sendo uma atitude e um processo para a construção de um novo futuro cada vez mais inovador, sustentável e consciente. Com uma grande perspectiva de transformação da sociedade, ele pode ser praticado por qualquer um, democraticamente, como uma forma de melhorar a nossa vida diária. Portanto, vida longa ao design thinking e ao seu valor estratégico para as empresas e para a sociedade.
Rique Nitzsche, design thinker, professor de Design Estratégico na pós-graduação da ESPM e diretor de criação da Animus, estratégia, design e inovação.
Comentários
Andre Galhardo - Ótimo artigo. Mais sobre Stanford e Design Thinking aqui: http://www.stanford.edu/group/dschool/big_picture/design_thinking.html