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Andy Hood: Inteligência artificial e pensamento colaborativo
Presidente do júri de Mobile do Cannes Lions deste ano, o inglês Andy Hood é Head of Emerging Technologies na AKQA, em Londres. Desde 1999 na agência, seu cargo na empresa mudou de nomenclatura. Já foi diretor executivo de desenvolvimento criativo. Mas a função sofreu uma adaptação para que dissesse mais claramente do que se tratava. Grosso modo, Hood ajuda a fazer a ponte entre o pensamento criativo e as tecnologias que despontam e seduzem e/ou assustam tantos anunciantes.
Hood descreve seu papel como o de auxiliar equipes e escritórios da AKQA a identificar oportunidades para inovar junto a novos ou antigos clientes. Como define, tecnologias emergentes são fascinantes. Mas mais fascinante do que isso são as formas como as pessoas fazem uso dessas novidades e como as aplicam. Parte de sua expertise foi compartilhada com profissionais da AKQA São Paulo nesta semana, quando participou de um encontro global de criativos e quando apresentou o AKQA Insights, um painel aberto a convidados, com os quais dividiu algumas experiências que demonstram aplicações bem sucedidas de tecnologias como realidade aumentada e inteligência artificial, um dos temas que mais vem chamando atenção em fóruns e eventos mundo afora.
Em sua apresentação, Hood trouxe alguns pontos importantes que podem escapar aos olhos de muitos profissionais de comunicação. No mundo físico, por exemplo, por que não usar sistemas de tracking para oferecer diferentes experiências para o público? Foi o que se fez em uma quadra de basquete, cujo piso estava adaptado para rastrear e medir a performance dos jogadores durante uma partida. A partir disso, pode-se avaliar se um determinado atleta tem mais sucesso nos arremessos feitos na zona de três pontos ou na de dois.
Numa loja física, recursos de geolocalização ou de reconhecimento de expressões faciais – ou seja, informações obtidas localmente – podem ser combinados com dados captados pela navegação online (da visitação do site, por exemplo) para que sejam geradas ofertas de compra mais personalizadas ou que atraiam mais o interesse do consumidor. Até mesmo tecnologias térmicas, que identificam as áreas ou peças que mais foram tocadas por alguém, permitem oferecer informações capazes de promover uma interação mais eficaz com o público comprador.
Sobre inteligência artificial (ou AI, na sigla em inglês), Hood comentou que muito tem se falado sobre a computação cognitiva – e frequentemente os aspectos não positivos são ressaltados. Em tom de brincadeira, ele observou que é comum destacarem que estamos ameaçados, inclusive de morte, pelas máquinas (a proliferação de filmes que mostram esse lado ajuda a estabelecer essas impressões).
Hood afirmou que grandes feitos podem ser esperados a partir da AI. Em especial porque os sistemas inteligentes de interação podem transformar as conversas. Atualmente, 900 milhões de pessoas estão no Messenger do Facebook. E 310 milhões de pessoas estão ativas mensalmente no Twitter. Existe uma estimativa que aponta que teremos 2 bilhões de pessoas em serviços de chat por volta de 2018.
Antes que se pense que as pessoas podem ser meramente substituídas, é importante analisar as experiências já oferecidas. Muito se falou do trailer do filme Morgan (20th Century Fox), criado por inteligência artificial. Watson, o sistema de computação cognitiva da IBM, recebeu cenas de trailers de filmes de terror, além do longa, para montar um vídeo para promover a história, que trata de AI. O resultado foi editado depois por um humano para que se chegasse ao produto final. O que demandaria semanas foi cumprido em 24 horas (confira o trailer mais abaixo). Mas, como Hood ressaltou, com a ajuda de um editor. Outro exemplo foi a criação de música por inteligência artificial (projeto Flow Machines, do European Research Council/ ERC - veja mais aqui). O trabalho também não foi executado unicamente pela máquina. “Houve um processo colaborativo com uma pessoa”, disse Hood.
O executivo da AKQA apontou, com isso, um aspecto que pode não ser notado por muita gente: sistemas inteligentes analisam informações existentes. Médias são estabelecidas a partir da avaliação de dados. Teoricamente, deles se espera que aprendam a pensar. Mas as experiências atuais se baseiam no que já existe. O case The Next Rembrandt, por exemplo, destaque entre os prêmios do Cannes Lions no ano passado (leia aqui), foi construído a partir do estudo de pinturas de Rembrandt. Não em cima de um pensamento criativo original. Mais uma vez é o esforço colaborativo que vem gerando resultados que surpreendem hoje.
Outro exemplo dos desafios das tecnologias emergentes são os resultados das máquinas frente a jogos disputados com humanos. No passado, a derrota do enxadrista russo Garry Kasparov para o Deep Blue, precursor do Watson, espantou o mundo. Em 2016, o case AlphaGo, um sistema de AI do Google DeepMind, de Londres, – ganhador do GP de Innovation, em Cannes (leia aqui) – demonstrou a vitória da inteligência artificial sobre um mestre do tradicional jogo chinês Go.
Neste ano, o pôquer entrou em cena, com o desafio entre o Libratus, um sistema desenvolvido pela Carnegie Mellon University, que enfrentou quatro jogadores profissionais, referências na modalidade No Limit Holden. O Libratus aplicou o que os jogadores consideraram uma surra épica. Neste caso, porém, Hood (que é jogador de pôquer) enxerga um ponto diferente em relação às duas experiências. A inteligência artificial teve de trabalhar com informações incompletas, o que não acontece quando se trata de um jogo de tabuleiro em que todas as peças estão dispostas na mesa (leia mais a respeito na entrevista com Hood abaixo).
A respeito da realidade aumentada, o executivo da AKQA afirmou que a tecnologia pode ser mais bem explorada ao reinventarmos o mundo. Por que oferecer o que já existe? Ou por que pensar com base nas vivências comuns? Por que recriarmos, por exemplo, uma prateleira de supermercado como ela é de fato? “Podemos personalizar a experiência ou não seguir as leis da física”, provocou. É importante dar acesso a algo que antes não poderia ser atingido se não fosse pela realidade aumentada.
Para inovar com tecnologias emergentes, pode-se ter em mente algumas questões: o quanto ela é útil, quanto será acessível e quanto ela é conveniente. “Evitem o caminho batido”, resumiu.
Leia aqui a entrevista que o Clubeonline fez com Hood.
Clubeonline – Quando a gente pensa em tecnologia ou em inteligência artificial, pensa em engenheiros ou outros especialistas. Não pensa em criativos.
Andy Hood – Boa observação. Eu sou Head of Emerging Technologies. Isso não é realmente um papel ligado à engenharia por si. Nós não inventamos tecnologias. Nós falamos de tecnologias com pessoas que as inventaram, como IBM ou Google ou startups. Nós aplicamos essas tecnologias para resolver coisas ou para gerar benefícios ou oferecer mais oportunidades para democratizar a informação. É preciso entender o que há por trás da tecnologia. É preciso entender sobre comportamento humano porque, no final, é o comportamento que vai mudar quando algo se tornar mainstream. É preciso entender o posicionamento estratégico das companhias e desse modo compreender de que modo a tecnologia pode resolver um problema. Sob certo aspecto, meu papel é trabalhar de forma colaborativa com pessoas que são estrategistas, especialistas em user experience, engenheiros e designers. Trabalhamos com diferentes ângulos, tentando trazer coisas que as empresas não tinham visto.
Clubeonline – Há quanto tempo você tem esse foco em tecnologia?
Hood – Estou na AKQA desde 1999. Já trabalhava como um criativo especialista em tecnologia, embora isso não existisse. Criamos uma área chamada Creative Development. Montamos um time em 2000. O cargo de head of emerging Technologies surgiu (em maio de 2014) quando percebemos que a função, o título que eu tinha antes – executive creative development director – não significava nada realmente porque era preciso explicar o que fazia. Meu papel não havia mudado, mas a maneira como comunicamos o papel sim. Isso para deixar claro para as pessoas fora da agência o valor desse time. Venho fazendo o que faço provavelmente há cinco anos.
Clubeonline – Mas como isso vem acontecendo? Tenho conversado com diferentes profissionais sobre inteligência artificial. Ouvi muitas coisas do pessoal da IBM. Há óticas distintas.
Hood – Sim, totalmente. A IBM desenvolveu a tecnologia e sabe as maneiras como o serviço pode ser utilizado. Do que ela precisa é de gente para encontrar meios criativos de usar a tecnologia. A IBM nos contatou e disse: “temos esta tecnologia. O que podemos fazer?”. Nós pensamos pela perspectiva humana. Como as pessoas poderiam usá-la? Depois, voltamos para a IBM e apresentamos as ideias. A empresa respondeu: “O quê? Ok! Isso soa interessante. Vamos falar mais.” A razão para nos darmos tão bem com a IBM, assim como com o Google e a Microsoft é porque nós não pensamos da maneira como eles. Essas empresas valorizam o fato de que trazemos luzes completamente diferentes sobre as coisas que criaram. Eles precisam disso e valorizam isso. Ao mesmo tempo, nós não poderíamos inventar as coisas que eles inventam. Tudo é uma questão de entender as forças de cada organização e saber por que estamos conversando entre nós. Isso tem sido benéfico. Temos levado pensamentos criativos que surpreendem. E eles nos trazem expertises e profundidade sobre as coisas que fazem que nos capacitam a ter essas ideias. É desse modo que um relacionamento funciona.
Clubeonline – Você fez uma comparação entre xadrez e pôquer ao falar de inteligência artificial. Qual a diferença?
Hood – Quem joga xadrez ou Go (jogo tradicional chinês), tem o tabuleiro e todas as peças sobre o tabuleiro. Portanto, toda a informação de que se necessita está diante de você. Há definições muito estritas sobre movimentos corretos ou certos. No pôquer, eu tenho minhas cartas. E você tem as suas, as quais não consigo ver. Temos algumas informações em comum, que são as cartas na mesa. Eu posso tentar descobrir, mas não sei que cartas você tem. Como não tenho todas as informações, tenho de fazer suposições, adaptar estratégias e tomar decisões com base em dados incompletos. Isso leva muito tempo para ser feito. Os humanos o fazem por instinto, confiando nas peças de informação que têm. O pôquer é uma metáfora para a vida. Você nunca tem todas as informações para tomar decisões no pôquer. Mas no xadrez e no go, você tem todas as informações. Faz sentido?
Clubeonline – Faz. É inevitável lembrar de Kasparov…
Andy – Sim. Quando Kasparov perdeu para Deep Blue, ele (o sistema da IBM) havia sido treinado por mestres de xadrez. Deep Blue foi programado. Ele não aprendeu sozinho a jogar xadrez. Foram humanos que deram conhecimento ao Deep Blue, e deram o melhor. No caso da inteligência artificial do Google, ele aprendeu por sua conta a jogar Go. Ele aprendeu as regras e treinou sozinho. Isso foi algo realmente original. O que não ocorreu com o Deep Blue. AlphaGo teve todas as informações para isso. Libratus, máquina criada pela Universidade Carnegie Mellon para jogar pôquer, foi capaz de tomar decisões com informações incompletas. E tomou as certas no desafio (que aconteceu no início do ano contra quatro jogadores profissionais). AlphaGo é melhor do que Deep Blue. E Libratus é melhor do que AlphaGo.
Lena Castellón