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Homenagem ao clássico de Washington Olivetto. E uma causa
No cinema há o costume de se lançar uma versão atualizada de um título que se tornou clássico ou cult. Remakes também acontecem na publicidade. O mais recente deles presta homenagem a um comercial que marcou a história da propaganda no Brasil: “O primeiro sutiã”, criado em 1987 para Valisère pela W/GGK, de Washington Olivetto.
A releitura do filme, que igualmente se tornou um clássico entre os consumidores, é da produtora Madre Mia Filmes. Além da homenagem, o propósito de revisitar o comercial, mais de 30 anos depois, foi colocá-lo em um contexto atual e urgente. O primeiro sutiã de hoje veste uma menina trans. O remake - que ganha veiculação a partir desta segunda-feira, 22, na internet, com o título “Meu primeiro sutiã” - procura mostrar uma realidade que escapa aos olhos de muita gente e que pode conscientizar a respeito da onda de violência e preconceito contra as pessoas transexuais.
Assassinatos de pessoas trans têm sido apontados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), em um mapa interativo, lançado em 2018, que mostra onde morreram travestis, mulheres transexuais e homens trans no território brasileiro. Os dados foram disponibilizados nesse formato, com atualização constante, para facilitar a visibilidade da violência a que está exposta essa população. Em cada caso - divulgado pela mídia - é possível ver o nome da vítima, o local e a forma do crime. A Antra é o cliente do novo comercial.
“A gente recebeu uma encomenda da Antra para utilizar a publicidade de forma que trouxesse a empatia do público porque existe uma onda de violência muito grande contra pessoas transexuais e também falta de conhecimento de como é a realidade de vida de uma pessoas trans”, conta Rafael Damy, sócio da Madre Mia e também diretor do filme. De acordo com ele, surgiu a ideia de buscar uma história conhecida mundialmente e substituir a protagonista. “Se para uma adolescente que está se conhecendo ganhar um sutiã é um rito de passagem, imagine para uma menina trans. Então, nós quisemos colocar uma trans como protagonista da maior publicidade feita para a TV brasileira”, afirma.
Desse modo, decidiu-se pelo remake, projeto que foi compartilhado com Washington Olivetto. “Quando tivemos o primeiro roteiro pronto, ele gostou muito da ideia e a apoiou. Viu que tínhamos um material bacana. Ele foi muito receptivo”, disse Rafael ao Clubeonline. Ele revelou que trocou ideias com Washington a respeito do comercial. “Passei um tratamento que estava imaginando, ele deu alguns palpites, o que foi muito legal. Quando mostramos o filme pronto, foram só elogios. Ele sempre deu apoio e teve interesse grande pelo projeto”, salientou.
O comercial que virou clássico
Procurado pelo Clubeonline, Olivetto declarou, em comunicado: “Acho mais do que natural que nos dias de hoje, quando a opção transgênero saiu do armário na vida e, por consequência, na publicidade, que seja feito um filme como esse inspirado em ‘O primeiro sutiã’”.
Ele afirmou que desde o lançamento do comercial, que tornou famosa a atriz Patrícia Lucchesi, o filme foi citado e parodiado diversas vezes na publicidade e na comunicação, em geral. “A primeira vez que isso aconteceu foi no programa humorístico TV Pirata”. Nessa paródia, Debora Bloch fez o papel que no comercial coube a Patricia, hoje com 43 anos (na época tinha 11). “De lá pra cá, isso ocorreu inúmeras vezes a ponto de em 2008 eu ter lançado o livro ‘O primeiro a gente nunca esquece’, com uma coletânea de muitas das milhares de citações sobre o filme que apareceram na mídia com o decorrer dos anos”.
Como apontado pela Madre Mia, “O primeiro sutiã” conquistou Leão de Ouro no Festival de Publicidade de Cannes, além de Grand-Prix do Profissionais do Ano. Foi destaque também do Anuário do Clube de Criação (Ouro no 13º Anuário - confira aqui e veja a ficha técnica do filme) e Prêmio Colunistas, além de estar no livro “Os 100 Melhores Comerciais de Todos os Tempos”, da jornalista americana Bernice Kanner.
Washington Olivetto falou mais de “O primeiro sutiã” no livro “Direto de Washington”, que publicou há um ano (leia aqui a matéria que fizemos a respeito). No capítulo 7, dedicado à Valisère, ele detalhou o case. Pouco depois de uma reunião, ele correu para conversar com as redatoras Camila Franco e Rose Ferraz. “Expliquei às duas que estávamos ganhando a conta da Valisère e que eu tinha pensado num filme que narrasse a experiência de uma menina com seu primeiro sutiã”, lembrou Washington no livro. Elas apresentaram o roteiro dois dias depois “exatamente igual ao que foi rodado” - a direção de cena é de Júlio Xavier. Apenas a assinatura foi mudada por Washington, passando de “Se eu fosse você, só usava Valisère” para “O primeiro Valisère a gente nunca esquece”.
Versão 2019
“Meu primeiro sutiã” mostra um pai que passa por dificuldades emocionais pela morte da mulher e que não entende o que seu filho está vivendo. Em uma das cenas, o garoto se olha no espelho como se descobrisse a delicadeza de seu corpo, o que recorda a cena em que Patricia Lucchesi se vê pela primeira vez com sutiã. Mas este momento é interrompido pelo pai e o menino se cobre, intimidado pela exposição.
Na escola, o personagem enfrenta o bullying de estudantes. Como forma de evitar conflitos, o pai leva o filho a cortar o cabelo comprido, e o garoto não aceita bem a situação. Os obstáculos se ampliam quando o pai encontra um diário do menino, em que este se representa como Ludmila. Depois de uma forte descarga emocional, o pai compreende que precisa aceitar que seu filho é Ludmila. Para demonstrá-lo, leva uma caixa de presente, que, ao ser aberta, revela um sutiã. O personagem o coloca sobre a camisa, em mais uma referência ao comercial da Valisère. Em seguida, vem a assinatura: “O primeiro sutiã a gente nunca esquece”.
O filme se encerra com uma explicação: a narrativa reproduz a vida real de Hugo Galvan, que se torna Ludmila. A menina argentina teve seu documento alterado aos 10 anos e, segundo o filme, recebeu seu primeiro sutiã aos 12. É a verdadeira Ludmila que está no comercial. No final, ela aparece ao lado de sua mãe, aconselhando que as pessoas não se escondam.
Rafael explicou que queria alguém real para o comercial. “A procura foi imensa. Buscamos no Brasil e fomos além. Era um caso muito específico: precisava de uma menina transgênero que tivesse aproximadamente 12 anos, época em que se ganha um primeiro sutiã”. No Brasil, não encontraram quem se encaixasse na narrativa que pretendiam criar. Partiram para uma nova ronda por meio de um trabalho que a produtora desenvolve em outros países, especialmente na América Latina: o projeto “Olhares do Mundo”, que tem casting internacional. A Madre Mia encontrou Ludmila na Argentina. Para fazer o pai da menina, contratou-se um ator local. “Ludmila vive somente com a mãe. Os pais dela são separados mas grande parte do que acontece no roteiro poderia ter acontecido se ela vivesse com o pai”, declarou o diretor, que já havia feito antes um filme de temática transgênero.
Para a divulgação da campanha na mídia, a Madre Mia fez uma parceria com a ROIx Content, empresa de conteúdo programático, mídia e inteligência de dados, com atuação no Brasil e internacional. O idioma original do filme é espanhol. Para a veiculação por aqui foi feita dublagem em português.
Ficha Técnica
Título: Meu primeiro sutiã
Cliente: Antra - Associação Nacional de Travestis e Transexuais
Criação e produção: Madre Mia Filmes
Mídia: ROIx Content
Produção Executiva: Telma dos Reis
Direção de cena: Rafael Damy
Assistência de direção: Bárbara Aranega
Direção de Fotografia: Guillermo Muse
Figurino: Kleber Lucin
Make hair: Miriam Kanno
Coordenação de Produção: Ana Paula Domingues
Direção de produção: José Alfredo Sahm
Produção: Janaína Mesquita
Coordenação de Pós Produção: Alexandre Fernandes
Assistente de Coordenação de Pós Produção: Gabriel Leça
Produtora de Som: Cabaret
Montador: Rodolpho Ponzio
Finalizador: Poliana Pompeo
Correção de cor: Marla
Motion: Warriors e Willian Santos
Central de cópias: Pedro Viciti e Welthon Lopez
Lena Castellón