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Australopitecos no Vale do Silício
O australopiteco pode ter sido um ancestral comum na escala evolutiva entre os homens e os grandes símios. Eles eram basicamente vegetarianos e, para correr de rinocerontes peludos, comiam guloseimas energéticas como cupins e formigas. Sua capacidade intelectual seria constrangedora até nas mais altas esferas do poder pátrio.
Outro ancestral em comum, no entanto, iniciou um caminho diferente e, sabe-se lá por que acaso, caiu num pedaço de carne, provavelmente abandonado por algum carnívoro melhor adaptado. Tomou gosto. E quanto mais gostava, mais esperto ficava. E quanto mais esperto ficava, mais carne comia. Seu tino foi se desenvolvendo geração após geração. Sua inteligência faria sucesso no salão oval.
Esse primeiro Homo erectus, já bem sabichão, resolveu bater algumas pedras umas contra as outras, fabricou bifaciais de sílex e virou ótimo predador, açougueiro e também fino gastrônomo quando domesticou o fogo. Isso foi mais ou menos 2 milhões de anos atrás, no Pleistoceno anterior. Quem diria que um dia esse Homo habilis fosse morar em Downing Street.
Depois veio a gente: Homo sapiens. Inventamos o aço, as armas, o computador, a internet e, mais recentemente, a chamada “carne cultivada”. Em outras palavras, uma falsa carne produzida em laboratório. As motivações, como todas as bem-pensantes, começam com pesquisas médicas ou são anunciadas como revoluções ambientais, mas quase sempre derivam para usos comerciais, acabando na mesa e nos bolsos de gulosos investidores.
Comer carne causou uma extraordinária evolução na nossa espécie: o cérebro cresceu – inventamos a cozinha e também as ferramentas. Mas nem tudo o que o sapiens faz é sábio. Em uma ficção exclusivamente paleontológica, deixar de comer carne animal pode fazer o cérebro do homem diminuir, desaprender a cozinhar e ocupar-se a catar mato e cupim.
Piadas pré-histórico-científicas à parte, vivemos tempos em que qualquer descoberta técnica e científica é promovida pelos futurólogos como integrante da espiral de uma evolução positivista inquestionável. O que sai dos laboratórios e das cabeças geniais de empreendedores recém-bem-nascidos vem sempre coberto de um entusiasmo singular. Essas ideias, em sua maioria falaciosamente justificadas a partir de problemas reais (a fome na África, as mudanças climáticas, a luta contra o câncer, o trânsito, o sistema bancário opaco, a burocracia), ganham milhares de adeptos imediatamente. E pronto: o sucesso está garantido.
Assim como comer carne de ervilha amarela é um risco para o desenvolvimento cerebral da espécie, a nova tecnologia – que prometeu dar um salto qualitativo na vida, nas relações sociais ou profissionais, na solidariedade, na segurança, na saúde pública, na democracia, na ansiedade, na falta ou excesso de tempo e na sua coleção de bolsas importadas, cocares, G.I. Joes ou drones – pode ser igualmente prejudicial.
Depois de algumas décadas de “startupismo” desenfreado, já teve novidade que enganou com a cara lavada, bem como aquelas que não se deram conta de seu impacto. A Theranos que ia revolucionar a medicina, e o Telegram que serve com a mesma competência a terroristas e a políticos. Isso para ficar só na letra “T”.
Talvez seja mais saudável olhar para o novo com entusiasmo irônico e adesão malandra. A proporção de australopitecos nos Vales do Silício não é menor do que nas redondezas.
Por Fernand Alphen, coCEO da F.biz, com a colaboração de Wilson Mateos, vp de criação/ECD da Leo Burnett Tailor Made
Leia a coluna anterior de Alphen, aqui.