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'Se a obra não sobreviver ao autor, ela não vale nada'
Escultor, desenhista, artista gráfico, gravador, cenógrafo, figurinista, Waltercio Caldas já participou de mais de 60 exposições coletivas com suas obras – mostras individuais foram tantas que nem dá para contar. Interessado no aspecto da materialidade, o artista escolheu não mostrar nenhuma imagem de seu trabalho durante o bate-papo "Estado de Suspensão", no Festival do Clube, por conta da contradição entre o objeto e sua representação.
"Se um objeto foi escolhido deliberadamente para ser algo tridimensional – e o escultor escolhe peso, transparência, escala, a presença da peça em relação ao nosso corpo –, quando ele é reproduzido em um catálogo, fica reduzido a um estado de imagem, à bidimensionalidade. Deixa de ser um objeto que fala por si mesmo e passa a ser representado pela sua descrição", explicou.
Admitindo que sempre que fala sobre obras de arte se sente um pouco constrangido, Waltercio argumenta que a linguagem que ele escolheu – a escultura – não está representada no discurso. Segundo ele, quando vemos um objeto nós o reconhecemos e identificamos. Mas uma obra de arte, não; quando se olha pela primeira vez, não se sabe o que é aquilo.
"A identificação do objeto faz desaparecer a perplexidade do primeiro encontro. E, nesse instante, o objeto está vivendo apenas da energia imaginária que é capaz de produzir”, afirma. Para ele, o momento da primeira percepção, aquele em que não se sabe nada da obra, é o mais importante. "Meu objetivo é preservar esse momento o máximo possível."
O objeto de arte pode ser também algo que conhecemos, mas com uma característica completamente nova. Por que uma escultura grega é admirada até hoje, ou uma pintura é vista por séculos e continua produzindo novidade para as pessoas? Porque ela foge do óbvio, do natural que conhecemos, explica o artista.
"Arte, hoje, é considerada uma coisa muito específica. Mas acho que ela é um fenômeno humano de criação de linguagem, uma produção subjetiva. É uma invenção criada para dar conta de uma abstração que a natureza não é capaz de fazer", teorizou.
Polêmico, Waltercio defende que é um erro crucial achar que cultura e arte são a mesma coisa. Na sua leitura, cultura seria a sistematização de conhecimento e arte, a possibilidade de renovação do conhecimento. "Arte é a melhor relação que temos com o desconhecido."
"Se é assim, importa o que é falso ou verdadeiro na arte?", questionou a parceira de palco, a historiadora e editora da revista Bravo Helena Bagnoli. Para Waltercio, a arte sempre foi limítrofe nesse sentido. Como dizer que uma obra bem-sucedida é falsa se não existia nada igual antes? "A arte trabalha com o falso de forma estrutural. Uma falsa obra de arte é legitimamente falsa, ela não é ilusionaria", afirmou.
Para o escultor, arte não é um aplicativo, um procedimento ou método que pode ser aplicado sobre as coisas. Ela gera as coisas, inverte a realidade, nos faz suspeitar do tamanho e da eficácia da realidade. Até por isso (mas não só), a obra tem que ser arte sozinha. Aquele que a faz alcançar o estatuto de arte não é importante. "Se a obra não sobreviver ao autor, ela não vale nada."
Eliane Pereira