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Maratona (Leandro Leal)
"A carreira, Leandro, não é uma corrida de 100 metros: é uma maratona", disse o Ruy, antes de dar um gole na cerveja. O tal Ruy não era um amigo qualquer e a mesa a que estávamos sentados não era a de um bar. Ruy era Lindenberg e a sala onde nos encontrávamos era a que ele ocupava na Leo Burnett, cuja criação comandava.
Quando tinha que avaliar ideias após às 18h, Ruy improvisava um happy hour: abria uma cerveja e oferecia outra a quem fosse a sua sala. Naquela noite de 2003, o privilégio era meu.
Meses antes, eu havia procurado o Ruy pedindo emprego. Depois de ver o meu portfólio – físico mesmo; na época não existia versão online – e gostar dele, o Ruy me ofereceu: "Olha, não tenho vaga para redator agora, mas tenho uma mesa. Se você quiser passar um tempo aqui fazendo portfólio, é bem-vindo". O que ele acabara de me oferecer, de forma delicada, era um estágio. Um estágio na Leo Burnett era uma bela porta de entrada na publicidade. Fazer parte daquela equipe seria um orgulho para qualquer criativo iniciante. Acontece que eu não era tão iniciante assim. Já tinha entrado no mercado, e também por uma das portas da frente: antes de bater à da Leo, eu saíra da Talent. Contratado após o início como estagiário, no total havia trabalhado lá por três anos.
Ter começado na Talent, na equipe dirigida por Mauro Pérez e Ana Carmen Longobardi, era uma credencial e tanto. Eu não deveria ter dificuldade para conseguir outro emprego. Não fosse a crise de 2002, a primeira que eu enfrentava como adulto e uma das maiores da história recente. Nos meses seguintes à minha demissão da agência de Júlio Ribeiro, com exceção de raros freelas, eu passava os dias ligando para as pessoas, tentando cavar uma vaga em algum lugar. E vendo, desesperado, meu saldo bancário minguar a cada dia.
Um estágio não remunerado – situação hoje impensável, mas à época bastante comum no mercado publicitário – representaria um gasto ao qual eu não podia me dar o luxo. Mas resolvi apostar. Ainda morando com a minha mãe, dava para apertar (ainda mais) o cinto e ver no que ia dar. Deu na oportunidade de trabalhar com um monte de gente boa, além do próprio Ruy, gigante para além do óbvio trocadilho com a altura. Grande criativo, grande líder, grande ser humano. Ao comparar a carreira com a corrida e classificá-la como uma prova de longa distância, Ruy procurava me acalmar. Eu estava ali, “trabalhando de graça”, mas não por muito tempo. Não demoraria até alguém me contratar, e mesmo esse próximo emprego não seria o último.
Não sei se o Ruy já correu alguma maratona propriamente dita, mas para mim a metáfora fez mais sentido depois que eu participei de uma. Ano passado, corri minha primeira prova de 42 km. Rapaz, é difícil, um custo. É preciso estar bem treinado, bem alimentado e hidratado, bem preparado mentalmente. Deve-se correr no seu ritmo, dentro das suas possibilidades, sem se importar com os que estão à sua frente. Se for o caso, não hesite para diminuir a velocidade e amparar corredores em dificuldade – isso se não for você mesmo aquele com câimbras. Não adianta querer cortar caminho: mesmo que você cruze a linha de chegada e, malandramente, pegue uma medalha, o chip vai mostrar o quanto de fato você correu. Você pode até concluir uma maratona sozinho, mas o resultado será muito melhor se contar com um bom técnico.
Dezessete anos depois, continuo correndo minha maratona. Se cheguei até aqui, foi graças a técnicos como o Ruy.
Leandro Leal, redator da Lew'Lara\TBWA