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Natura e Thammy: coerência, ousadia e alta na Bolsa
A campanha do Dia dos Pais da Natura deste ano ganhou uma dimensão como nenhuma outra criada para a data conquistou anteriormente. Tudo por conta de ação planejada para acontecer nas plataformas digitais. A ideia da comunicação #MeuPaiPresente é mostrar como a rotina foi transformada pela pandemia e de que forma isso pode impactar a relação entre pais e filhos, que passa por transformações.
Na TV, a campanha, criada pela DPZ&T, destacou diferentes perfis de pais – todos reais, e não atores - em meio a uma versão da música “Velha Infância” (veja aqui). Nas redes sociais, a decisão foi convidar influenciadores para discutir essas relações e a nova ocupação de tempos e espaços nestes dias de quarentena. Entre esses pais está Thammy Miranda, junto com nomes como Babu Santana e Henrique Fogaça.
A escolha de Thammy, um pai trans que tem um filho com menos de um ano, gerou muitas reações nas redes sociais. Logo após a estreia desta parte da estratégia, que incluiu um post do ator segurando o bebê em sua página no Instagram, a Natura recebeu mensagens raivosas, bem como o próprio Thammy. Manifestações de boicote à marca aconteceram, como fez o conservador Silas Malafaia. O deputado federal Eduardo Bolsonaro foi mais um a criticar a companhia, sem citá-la diretamente.
Por outro lado, também não tardou a reação de pessoas em defesa da escolha do ator, do conceito da campanha, de Thammy e da marca. Nessa trincheira estavam artistas, personalidades da TV e outros influenciadores. Felipe Neto, que nesta semana atingiu 37 milhões de inscrições em seu canal no YouTube, escreveu que faria campanhas de graça para a Natura diante da reação de Malafaia – há três anos ele prometeu no Twitter que faria publicidade gratuita para qualquer empresa que fosse boicotada pelo pastor.
A companhia divulgou uma curta nota como resposta às reações: “A Natura acredita na diversidade. Esse valor está expresso em nossas crenças há mais de vinte anos, estando sempre presente em nossas campanhas publicitárias e projetos patrocinados. A campanha de Dia dos Pais mergulha na rotina desafiadora que todos estão vivendo durante a quarentena e mostra como esse intenso convívio pode fortalecer a relação entre pais e filhos, mostrando que a presença paterna é o maior presente. É um convite para ampliar as representações do homem contemporâneo a viver sua masculinidade de forma mais aberta e leve. A Natura celebra todas as maneiras de ser homem, livre de estereótipos e preconceitos, e acredita que essa masculinidade, quando encontra a paternidade, transforma relações.”
Nesta quarta-feira, 29, Thammy se pronunciou no Instagram, esclarecendo que não foi contratado sozinho para a campanha. Em um vídeo, ele destacou que a proposta da marca é falar sobre representatividade. A mensagem foi dirigida às pessoas que o atacaram, especialmente pais. “Se eu não te represento, ok. Existem outros que te representam”. E citou Babu e Fogaça. Em seguida, disse que não se sente atingido por não ter lido nenhum dos comentários ofensivos. Porém salientou que a atitude é um desrespeito exatamente ao público que representa. “Existe um nicho que eu represento – e vocês precisam respeitar esse nicho”.
A quarta-feira foi também um marco para a Natura depois de toda a polêmica envolvendo a campanha. Na Bolsa de Valores de São Paulo, o grupo teve a maior alta do dia, com 6,73%. Seu posicionamento pela diversidade e pela inclusão foi avaliado de forma positiva pelo mercado. E a marca mostrou sua força, na visão de analistas financeiros.
Marcas preparadas
Habituado a falar como consultor de temas ligados à diversidade para diversas empresas, André Fischer, diretor do Mix Brasil e do Centro Cultural da Diversidade, da prefeitura de São Paulo, acredita que a Natura já devia estar preparada para a reação contrária. Isso porque, nos tempos atuais, toda marca tem de tomar lado e, em função disso, é preciso estar atento a possíveis crises.
“A Natura já tem falado de diversidade. Para ser coerente com seu posicionamento, ela teria de colocar homens trans. Ou seria cobrada por isso”, avalia ele, que mais recentemente tem falado sobre linguagem inclusiva (confira aqui manual criado por Fischer).
Em sua opinião, a causa LGBTQI+ é definidora de posições. E, em geral, ela vem acompanhada de outras bandeiras, como a luta antirracista. “É difícil levantar essa discussão sem entrar em outras”. Por isso, é normal esperar que uma marca que já fale de sustentabilidade e de empoderamento feminino também aborde o tema. Algo que a Natura faz, bem como outras companhias dos setores de beleza e moda, caso de O Boticário e Avon, que também receberam reações negativas por campanhas que envolveram perfis LGBT.
“Para setores que são bem engajados, o Dia dos Pais representa uma oportunidade para fazer esse tipo de abordagem. Colocar um homem trans na campanha certamente chama a atenção e posiciona a marca”, afirma André.
Nesse sentido, Fischer imagina que a Natura, ao incluir Thammy Miranda na lista de influenciadores, já deveria ter calculado que receberia manifestações contrárias por sua decisão. Ainda assim, ao estabelecer suas bandeiras, uma empresa não tem como fugir da temática. “Hoje, as marcas devem ter opinião. É preciso optar: ou você toma uma posição ou será cobrada por isso”.
Posicionamento, expressão e ousadia
Para Mônica Gregori, sócia-fundadora da Cause, e que atuou por 10 anos na Natura, a empresa não irá perder com a repercussão da campanha. É um ruído, mas não abala a força da marca. Afinal, várias vezes, em sua história mais recente, a companhia enfrentou ameaças de boicotes em virtude de seus posicionamentos. Foi assim ao maquiar homens e ao escolher casais gays para campanhas. E ela seguiu mais forte, apesar das reações negativas de um nicho conservador.
“Existem empresas que dão conta de serem ousadas em suas expressões”, diz Mônica. Mas isso vale quando as marcas são coerentes com seus posicionamentos. Ela explica que, antes de se expressarem, as companhias precisam definir seus propósitos. Devem saber quem são e que princípios as norteiam. “Os posicionamentos vêm antes das expressões”, reforça.
Na Natura, a ousadia não é algo novo já que a empresa vem se posicionando há tempos em relação ao meio ambiente, à diversidade, às mulheres. “Lógico que, para se posicionar com ousadia, você precisa ter bagagem histórica”.
Desse modo, além da própria marca ter seus argumentos, ela encontra respaldo em seus consumidores e nas pessoas que advogam em seu nome ou em nome da causa defendida. “Outras marcas que não tenham esse vínculo com seu público poderão sofrer mais riscos”, acrescenta.
Mônica afirma que a Cause defende que toda marca deve se posicionar. “Ou ela se posiciona ou será posicionada”. Mas essa postura deve ser reflexo de seu propósito. A Natura, por exemplo, tem entre suas crenças a diversidade e a beleza sem estereótipos. Se não for desse modo, será difícil que a empresa tenha consistência em seu posicionamento ou que seja coerente com sua postura. “Tudo nasce dos princípios”, resume.
Antes, durante, depois
Com a evolução do digital e com a amplificação das vozes, as marcas ficaram mais expostas às opiniões dos consumidores, tanto pelo lado positivo quanto pelo negativo. Por isso, muitas vezes, devem se preparar para reações e crises no meio do caminho, como um pastor pregar boicote.
Para enfrentar melhor isso, é necessário que se acione o mais rapidamente possível um comitê (que pode estar já desenhado em razão da expressão da marca sobre um determinado tema). “A sociedade cobra mais posicionamentos e quer que as marcas sejam atores. Existe um movimento positivo, mas também existem haters e fake news. Nem sempre as opiniões serão construtivas. A internet é um ambiente de luz e sombra”, afirma Mônica.
Com isso, as marcas devem se preparar antes para as opiniões e devem monitorar conversas durante uma campanha ou ação e depois dela também. “Até para capturar aprendizados e estabelecer mudanças de rotas”.
De acordo com Mônica, vários setores vêm adotando posicionamentos corajosos, de quem está disposto a mudar paradigmas. Desde empresas que se unem contra o desmatamento da Amazônia até exemplos mais particulares, como a marca Patagônia que defende consumo consciente. “A gente está ganhando mais do que perdendo como sociedade”, acredita.
Há alguma maneira de evitar ser pego de surpresa neste mundo hiperconectado e cheio de opiniões? “A marca deve saber qual é a sua verdade e ser coerente e consistente em seu posicionamento”.