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Bom Dia, Verônica

Rog Souza, um dos diretores, fala sobre a série, que terá 2ª temporada

12.11.20

Um dos títulos brasileiros que se destacou neste ano na Netflix, a série de suspense “Bom dia, Verônica” caiu no agrado do público nacional e também conquistou admiradores mundo afora – ela pode ser vista em cerca de 190 países. O thriller entrou no top 10 do Brasil e em outras regiões por algumas semanas. Na terça-feira 10, foi confirmado o que já vinha sendo especulado pelos fãs: “Bom dia, Verônica” terá segunda temporada. O anúncio foi feito pela Netflix, que não apresentou mais informações a respeito da novidade.

Na plataforma desde o dia 1º de outubro, a série é uma adaptação do livro homônimo escrito por Raphael Montes e Ilana Casoy, que são roteiristas do thriller. A produção é da Zola Filmes, com direção geral de José Henrique Fonseca.

Com oito episódios, a obra conta a história de Verônica Torres (Tainá Müller), escrivã na Delegacia de Homicídios de São Paulo. Casada e mãe de dois filhos, ela presencia um suicídio que desperta nela feridas do passado. Na mesma semana, recebe uma ligação anônima de uma mulher desesperada clamando por sua vida.

Verônica usa sua habilidade investigativa para mergulhar nos casos das duas vítimas: a jovem suicida, enganada por um golpista na internet, e a esposa subjugada por um serial killer. Mas ela coloca em risco sua família e sua vida.

No elenco estão Camila Morgado (Janete) e Eduardo Moscovis (Brandão), que interpreta um oficial da PM. Os atores têm impressionado o público com suas atuações, especialmente Moscovis.

Com a confirmação da nova fase, Raphael Montes antecipou que a protagonista da série irá enfrentar um vilão ainda mais assustador do que o da primeira temporada. Ilana, que é criminóloga, comentou que “as Verônicas que vivem dentro de mim estão emocionadas por poderem contar suas histórias. As Verônicas que vivem fora de mim agora têm voz".

Tainá, por sua vez, declarou estar com imensa felicidade por saber que a série tocou o público e gerou debates, entre elas sobre violência doméstica (ao fim dos episódios, há orientações para quem deseja ajuda). “Não vejo a hora de já entrar de cabeça e coração nesta segunda temporada”, afirmou. E José Henrique, que divide a direção dos episódios com Izabel Jaguaribe e Rog Souza, destacou que a série trata de uma mulher libertária em busca da verdade e de seu desejo.

Por dentro da série

Diante do sucesso de “Bom dia, Verônica”, o Clubeonline entrevistou Rog Souza para falar dos bastidores da série e de como foi trabalhar em um projeto de ficção após dez anos atuando na publicidade. O diretor estava na Killers até o início desta semana (ele ficou na empresa pouco mais de um ano). Na quarta-feira 11, Rog lançou sua produtora, a Tropical, abrindo novo capítulo em sua carreira.

Junto com ele está Gabriel Dagostini, produtor executivo. A Tropical está focada em publicidade. Para ficção, ele voará solo. A segunda temporada de Verônica já está em vistas e há mais um projeto ficcional pela frente, com outra produtora, que ainda é confidencial.

Confira:

Clubeonline – Como foram esses dez anos de publicidade? Como você chegou ao mercado?
Rog SouzaFiz jornalismo para ser repórter de guerra. Era o meu sonho. Entrei na faculdade de jornalismo e contei isso na primeira aula. O professor disse “isso aí não vai rolar”. Então, na segunda aula disse que queria ser repórter de TV. Comecei a fotografar. Achei que fotografia era algo bem legal do jornalismo. Um dia, encontrei um amigo no corredor que contou que ia para Nova York fazer foto. Também fui para Nova York estudar e lá conheci um pessoal envolvido com música. Essa galera começou a gravar uns clipes e perguntou se eu sabia usar câmera. Falei “super sei” e nem sabia tanto. Comecei a fazer câmera para uma galera jovem de música. Fiz câmera, fiz clipes. Foi super divertido e me envolvi com a cena musical de Nova York. Numa das férias, vim para o Brasil e fui convidado a estagiar numa produtora, em Porto Alegre, na TGD. Fiz um estágio em que fui passando por tudo, até me tornar assistente de direção. Aí, fui contratado na Zeppelin. Era assistente do Rodrigo Pesavento. Então, aconteceu uma coisa sensacional: tinha o filme dos 100 anos do Internacional. Eu sou colorado, só que o Zé Pedro, dono da Zeppelin, é gremista fanático. O Pesavento e o Marcelo Lima, outro diretor, também. Nenhum deles queria fazer. Eu, da mesa de assistente, disse que faria. Fiz o filme e ele foi super bem. E fiz outros dois na sequência. Tinha um concurso no Rio Grande do Sul de diretor do ano. Peguei esses três filmes e inscrevi. Só para ir para a festa. Mas fui chamado porque ganhei como melhor diretor. No ano seguinte, ganhei de novo. E no outro também. Aí, extinguiram essa categoria. Depois fui convidado para ir para São Paulo participar da abertura da Zola. Mudei na hora. Foi mega incrível. Filmei um monte na Zola. Estava me dando super bem. Então, anunciaram o fim da Zola em São Paulo. Fui para a PBA. Eu tinha recebido 16, 17 convites e foi muito legal. O mercado estava quente. A PBA era apenas representação para os argentinos, mas passou a existir a PBA Brasil. No ano passado saí da PBA e fui para a Killers [a entrevista foi dada antes da abertura da Tropical].

Clubeonline – Como entrou para o time de diretores da série da Netflix?
RogNo final de 2018, o Zé Henrique me chamou para comer um sushi no Rio. Fui pra lá e ele me convidou para fazer uma série para a Netflix. Me pareceu “conversa de saquê”. Mas fiquei na expectativa. A história foi confirmada em fevereiro. Começamos a trabalhar por volta de março, abril. E começamos a filmar em 1º de setembro [até 25 de novembro].

Clubeonline – O que achou do ritmo de trabalho de uma série? Quais foram seus desafios?
RogO trabalho com o roteiro foi muito grande. O Zé Henrique participou um pouco da sala de roteiro. Eu não. Isso é diferente da publicidade. Trabalham-se meses e meses no argumento. Depois, o argumento é reduzido para se chegar no texto final do roteiro, que aí vai para os atores. É um trabalho de ourives. Na publicidade, a gente mexe no roteiro com muita frequência. Às vezes até sobrepõe o roteiro com shooting board. Isso não acontece na série. Ela é muito mais fiel ao roteiro. Na publicidade, a pré [produção] é rápida e muito profunda. A gente entra muito no detalhe. Tem muitos níveis de apresentação. A série não tem apresentações. A gente confia em determinados grupos, como o de arte, o de preparação de elenco. Todos se reúnem dias antes de filmar.

Clubeonline – Como foi o envolvimento de vocês, o trio de diretores, com os oito episódios?
RogA direção geral é do Zé Henrique, que participou de tudo, desde a sala de roteiro. Ele tem uma visão mais específica do resultado final. Eu e a Izabel participamos de tudo que pudéssemos. Diferentemente do Zé, que tinha dedicação exclusiva, eu continuei fazendo publicidade. Então, em tudo que botasse a mão, teria de ficar com aquilo. Eu me envolvi com a criação dos personagens, a definição de locações. Na divisão, cada um podia fazer o seu estilo. A Izabel vem de documentário. O estilo de câmera e de narrativa dela são diferentes. Eu venho mais de filme visceral. A publicidade que faço é mais próxima do verdadeiro. Gosto muito mais da câmera na mão. Fiz um monte de câmera na mão porque adoro. Teve um assassinato específico e eu perguntei: “será que a gente filma lá de cima, com zoom fechando, meio Peckinpah [Sam Peckinpah, diretor americano que tem “Meu Ódio Será Sua Herança”, entre seus títulos]?” O Zé respondeu para eu fazer do meu jeito. Cada um do seu jeito. Eu me perguntava: “mas se vão ser três, como vai ficar isso aí?”. Só que aconteceu que cada um ficou com algumas locações. Por exemplo, todas as externas de São Paulo são minhas. Todas as cenas de drone fiz com Dutch, que é a câmera torta. Todas as cenas de perseguição de carro, pela minha experiência com publicidade, eu fiz e fiz com mais velocidade e isso ajudou no ritmo. As cenas da casa da Verônica têm crianças e eu sou acostumado a dirigir crianças. Ficou um pulso mais romântico. As cenas de tiroteio na ponte eu dirigi com a câmera na mão. Já a Izabel dirigiu as cenas da casa da Janete. Você fica preso na casa, a câmera é fixa. Dá a sensação de que o tempo não passa. O ritmo funcionou bem porque todos tinham compromisso com o roteiro. O estilo do Zé de contar uma história ditou o ritmo. Ele fez a montagem inteira – eu participava, mandava relatórios.

Clubeonline – O que “Bom dia, Verônica” tem de diferencial?
RogEla é uma série muito genuína. É tão genuína que provoca um engajamento do tipo que ninguém gostaria de ter, que é sobre a violência doméstica. Ou com a corrupção policial. Ela é muito sincera no modo de contar tudo. Os personagens, em sua maioria, são colagens. A personagem Janete é uma colagem de diversas entrevistas e diversos casos que a Ilana descobriu. Outro diferencial é o ritmo. Mais coisas acontecem. A narrativa tem mais catarses. Na filmagem, eu me impressionava com quanta coisa a gente tinha filmado. Quanta pedreira tem num episódio só! Flávio Zangradi, o diretor de fotografia, usava essa expressão todo dia. Ele dizia “nossa, o dia inteiro hoje está uma pedreira”. Quando a gente vê a linha narrativa, ela é assim. Eu estudei estrutura narrativa em Cuba, que era do roteiro à montagem, na San Antonio de los Baños [Escuela Internacional de Cine y Televisión], que era do Gabriel Garcia Márquez. A gente pegava um filme e fazia uma linha do tempo e ia anotando os acontecimentos e os minutos em que eles apareciam. Fazia uma linha narrativa e via que, de tantos em tantos minutos, havia picos. Eram as catarses. Quando você olha um episódio de Verônica, é só pico. Essa é uma das coisas que fazem a audiência grudar tanto. É um compromisso com a narrativa. O psicanalista Christian Dunker usou uma expressão falando sobre Verônica. Ele disse que a série não usou a cosmética na violência. Ele notou em algumas séries que a violência não é passada tão forte. Com Verônica não foi assim. Foi na pele, foi na carne.

Clubeonline – O diretor precisa também fazer uma imersão na hora de cenas fortes?
RogPara algumas, sim. Eu fiz laboratório de polícia na Civil de São Paulo. Foi muito bom porque foi com delegadas, foi com mulheres chiquérrimas. Diretor tem de fazer o máximo de estudo para todas as cenas possíveis. Fomos a uns clubes de sadomaso que eu não sabia que existiam em São Paulo [por conta de algumas cenas]. Foi bem forte. Mas essas cenas de violência têm um elemento de distância. Acho as coisas próximas mais difíceis de filmar. As cenas de carro com Janete vendada eu filmei. Isso era mais difícil, num carro fechando, andando numa florestinha.

Clubeonline – E sobre a segunda temporada?
Rog – Por causa da pandemia, acredito que atrasou a assinatura [da segunda temporada]. Já houve encontros sobre a segunda temporada, mas ainda sem a confirmação. Quando a Zola entregou o projeto para a Netflix, tinha um esboço de segunda e terceira temporadas. Esses esboços já foram reescritos a partir da experiência da primeira temporada. Quando a série foi lançada, ficou evidente que era preciso alterar algumas coisas para a segunda. Porque algumas coisas fizeram muito sucesso.

Clubeonline – Depois dessa experiência, vai investir mais na área de ficção?
RogTrabalhar mais ficção está em foco, mas é importante fazer muita publicidade para estar melhor para a ficção. Achei que uma coisa ajudou demais a outra. A ficção me ajudou muito a trabalhar com atores, algo que eu não tinha tanto na publicidade. Já a velocidade de filmar e meu lado nerd de estudar a publicidade eu levei para a série. Isso foi muito bom. Eu não teria conseguido filmar tanta coisa, se eu não tivesse a preparação da publicidade. Por exemplo, eles não costumavam trabalhar com photo board. E eu fiz photo board de todas as minhas cenas. Meses antes de começar a filmar, eu estava fazendo. Fiz referências de como ia filmar cada cena. Mas pelo terceiro dia eu abandonei os photo boards. Comecei a adaptar todos os que tinha. Fazia isso na véspera. A coisa caminhava de forma tão orgânica e rápida que era melhor eu não me ater ao tamanho dos meus quadros. Os atores estavam me entregando tanta coisa que eu conseguia garantir bem as atuações. Eu recorria à memória dos photo boards e fazia um plano foda de contraluz, um plano foda de estética. Quando comecei, eu queria fazer o bonito. Depois entendi que precisava garantir primeiro o forte e depois fazer o bonito. Acredito que, ao longo da série, fui pegando o jeito. Garantia primeiro o visceral, garantia o dos atores, e depois achava junto o bonito. Cada vez que vejo um plano bonito na série – e eles são muitos – eu falo ‘que bom que insisti nesse; que bom que coloquei a câmera aqui’. Acho que é preciso continuar com as duas coisas. Tem de dominar a publicidade e fazer, pelo menos, um projeto de ficção por ano. Mas um bem bom. Acho isso a soma certa. Espero que feche a segunda temporada e eu tenha essa ficção no ano que vem [a entrevista foi dada na véspera da confirmação pela Netflix da nova temporada da série]. E tem também os projetos autorais. Durante a pandemia, fiz dois: um de dança – que eu sempre quis fazer – e um de relacionamentos.

 

Lena Castellón

Bom Dia, Verônica

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