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Publicidade trans afirmativa

Encontro reúne publicitários e ativistas LGBTQIA+

01.07.22

Publicitários e nomes ligados a associações do trade se reuniram esta semana para ouvir três ativistas LGBTQIA+, que abordaram, durante o encontro, a importância da participação da comunidade trans na comunicação.

Organizado por Ana Cortat, head de estratégia da Soko, Jef Martins, diretor de comunicação e impacto social da Leo Burnett Tailor Made, Ken Fujioka, co-founder da ADA Strategy, e Ricardo Silvestre, CEO da Black Influence, o evento contou com depoimentos de Ariel Nobre, secretário executivo do Observatório da Diversidade na Propaganda e primeiro homem trans em uma peça publicitária (em 2016, com criação da Mutato para Avon); Erica Malunguinho, deputada estadual pelo PSOL, articuladora contra o PL504, que proíbe mensagens publicitárias com "alusão a gênero e orientação sexual, ou a movimentos sobre diversidade sexual", direcionadas a crianças (leia anterior aqui); e Neon Cunha, ativista independente e diretora de arte.

No final do encontro, Nobre leu um "manifesto", assinado por ele, defendendo a urgência de mudanças na indústria de comunicação "por uma publicidade trans afirmativa" (leia na íntegra, abaixo).

Também estiveram presentes Joana Mendes, presidente do Clube de Criação, Augusto Maximo Baratti (Aliança/Anima Educação), Caio Delmanto (Media.Monks), Carolina Gil (Suno United Creators), Cristiano Dencker (Accenture Interactive), Debora Fernanda (GUT), Eduardo Lorenzi (Publicis), Ezra Geld (IPG Mediabrands), Felipe Simi (Soko), Ian Black (New Vegas), Luciana Rodrigues (Grey), Luiza Baffa (AKQA), Mario D'Andrea (Abap), Paulo Loeb (Fbiz), Pedro Reiss (Wunderman Thompson), Regina Augusto (Cenp), Renata Bokel (WMcCann), Silvio Soledade (APP Brasil), Stefane Rosa (Droga5) e Vinicius Reis (CP+B).

Confira abaixo, na íntegra, o texto do "Manifesto por uma publicidade trans afirmativa":

"O Brasil é o país que mais mata trans no mundo pelo 13º ano consecutivo segundo a ONG Transgender Europe.

A publicidade representa 6% do PIB do Brasil segundo o estudo O Valor da Publicidade no Brasil.

Até agora, de um modo geral, somos responsáveis por criar narrativas que afastam sistematicamente a comunidade trans dos espaços de amor, de comida, de educação e do trabalho.

Ainda reforçamos os estereótipos de raça e de gênero segundo a pesquisa Todx da Aliança sem Estereótipo da ONU Mulheres.

A evasão escolar trans é de 82% segundo um levantamento da OAB.

A mediocridade do 'como fazer o mínimo para não passar vergonha' já não cabe neste cenário.

Segundo a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura de São Paulo, de 5,3 a 8,9% do total da população em situação de rua da capital pertencem à comunidade LGBTI. Para mais, 63% dos jovens relatam sentir rejeição parcial ou total de familiares.

A hegemonia de famílias brancas sem trans nas peças publicitárias afastam pais, mães e filhes. Nós trans não somos agentes de destruição de famílias. Nós trans somos famílias.

Onde estamos nas propagandas de família de natal? No dia das mães e no dia dos pais?

Até quando o RH das agências terão a coragem de dizer que 'não estão preparadas' para receber profissionais trans?

EU JÁ NASCI. É justo que transgêneres tenham acesso ao trabalho.

Nós não somos um perigo para as famílias. Nós não somos um perigo para as agências. Nós não somos um perigo para o Brasil.

Nós não somos o perigo, nós estamos em perigo.

Nosso encontro é uma lembrança que as narrativas que criamos impactam corações. A diversidade é um imperativo moral e deve estar presente nos espaços de decisão. Este é o caminho possível para se criar narrativas afro e trans afirmativas.

Nossas vidas precisam ser vividas. Para se mudar essa história de vulnerabilidade social é preciso mudar a forma de como as histórias estão sendo contadas. Como?

Colocando pretes e trans no centro da narrativa publicitária brasileira. Nossas histórias precisam ser contadas a partir das nossas perspectivas. Chega de propaganda sobre trans sem trans.

Quem decide a narrativa, decide a vida!

E mais, somos capazes de contar histórias para além das nossas histórias.

Nem leão francês, nem coruja engaiolada justificam a exploração das nossas trajetórias e identidades.

A sociedade está sendo educada sobre o que é ser trans, a partir de times de criação 100% cisgêneros e em sua maioria brancos. As perguntas estão erradas.

Baseado em achismos transfóbicos, as câmeras são apontadas como armas e me perguntam sobre minha transição individual de gênero. Em um país que suicida transmasculinos CIStematicamente, essa informação é secundária.

A transição que precisamos é coletiva. A transição que precisamos é uma publicidade que mede sucesso além do lucro e prêmios. A transição que precisamos é a cooperação imediata dos líderes para que o Brasil pare de matar trans.

Mais do que personagem de campanha de diversidade, somos publicitáries. Mais do que personagem de documentário, somos documentaristas. Mais do que personagem de reportagem, somos jornalistas.

A cisgeneridade quer mostrar a realidade. A comunidade quer transformar a realidade.

E sim, estamos avançando. E sim, algumas agências estão sendo corajosas e mudando suas estruturas. Entretanto, essas iniciativas não podem ser mais exceção. A igualdade racial e a vida trans devem ser a regra.

Nossa dignidade não pode ser uma mera vantagem competitiva entre uma agência sobre a outra. Porque o direito de existir é mais urgente que a liberdade que lucrar.

Abaixo, as demandas da comunidade trans:

- Financiar campanhas de candidates trans.

- Encarar e mudar os modelos burocráticos para o respeito integral do nome social e acesso ao banheiro nas agências.

- Quando a propaganda é pride (junho) ou janeiro (visibilidade trans) haverá trans em todas as etapas de criação e produção.

- Educação e implementação da linguagem neutra na comunicação interna das agências.

- Apoiar iniciativas e ONGs que produzam dados e assistência social para comunidade trans de forma respeitosa.

- Promoção de iniciativas de educação e contratação trans para que estejamos presentes em todo ano, e não só em junho. Tanto na narrativa, ou seja, na propaganda, tanto na agência.

- Criação de uma força tarefa para o desenvolvimento pessoal e profissional de futuros executivos trans que ocupem presidências e C-level.

Ariel Nobre"

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