Acesso exclusivo para sócios corporativos
Ainda não é Sócio do Clube de Criação? Associe-se agora!
Acesso exclusivo para sócios corporativos
Ainda não é Sócio do Clube de Criação? Associe-se agora!
O mercadinho da Dona Grosseira (Douglas Nogueira)
Dona Yolanda é uma portuguesa de poucas palavras. No seu armazém de secos e molhados na esquina da José Paulino e Cônego Martins no Bom Retiro é um símbolo de resistência aos novos tempos.
Duas obras de empreiteiras concorrentes cercam seu comércio que por vezes foi, em vão, cobiçado entre elas. O barulho da bate-estacas é como um ponteiro de relógio marcando o tempo para que a luz do sol não mais reflita no baleiro.
Esse lugar é a vida da Dona Yolanda, um raro exemplo em que o tempo ainda vence o dinheiro. O mercadinho dá identidade ao bairro e por isso a fama da Dona Yolanda, mais conhecida como Dona Grosseira, ultrapassa os limites do bairro.
Ela é conhecida pelo seu jeito simples, sincero e, por vezes, sua timidez é confundida com má educação.
Por lá ainda se utiliza de uma balança da Filizola para pesar o seu delicioso doce cremoso de castanha portuguesa. Feito por ela mesma, toda madrugada, para que o quitute esteja sempre fresco. Sua técnica e qualidade dos ingredientes garantem um sabor que de tão simples é sublime.
Dona Yolanda é a única funcionária de seu próprio negócio. Apenas um balcão a separa dos seus clientes. Balcão esse que sempre fica vazio nos momentos em que ela busca seus produtos no estoque. Uma relação de confiança é subtendida em cada ato nesse estabelecimento.
Seu negócio não a deixou rica, mas lhe garantiu uma vida boa, sem excessos.
A clientela vem de tempos e a visita de tempos em tempos. Os novos clientes são indicações dos atuais e sempre precisam lidar com as dicas de direcionamento, já que o mercadinho não está no mapa digital.
Apesar da fama, ninguém parece conhecer muito bem Yolanda além do fato de que o armazém parece ser a única coisa que a sobrou.
...
Um dia, uma jovem, aleatoriamente, de passagem, olhou aquele espaço e o achou um tanto inusitado. Curiosa, entrou e pensou como aquilo era instagramável. Ela era uma dessas pessoas chamadas de "influenciadora" com direito a selo de verificada e tudo mais. Bastou um hit, uma coreografia naquele cenário, para que o mercadinho ver suas visitas aumentarem exponencialmente.
Uma fila de três horas era formada aos fins de semana que chegavam a bater na Barra funda. Brasileiros, estrangeiros e um tanto de curiosos cercavam o espaço todos os dias. Blogueirinhas e mais blogueirinhas, TikTokers e creators.
Investidores anjos já apontavam em posts no LinkedIn como o mercadinho da Dona Yolanda era um modelo para startups se tornarem unicórnios em tempos de inflação, crise e juros altos no mundo. Top 10 dicas a começar pelo “Crescimento com rentabilidade”. Todos aprendizados estavam lá.
O mercadinho tinha se tornado em um sucesso absoluto.
Não para dona Yolanda. Todo o segredo estava em ser escondido e pequeno.
O que os gurus chamavam de “sucesso” foi a única coisa capaz de fazer Dona Yolanda fechar as portas. Em um post do LinkedIn um deles disse:
"É que a Dona Yolanda é muito grosseira e não quer sair da zona do conforto."
Só pode ser isso.
Sinal dos tempos.
Douglas Nogueira, diretor de planejamento da Talent Marcel
Leia anterior de O Espaço é Seu, "Eu fui à palestra da Joana no HackTown 2022", por Eddie Silva, aqui.