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Pós-pandemia: agências refletem sobre cultura tóxica e excesso de trabalho
O papel e o futuro das agências, além da sua importância e efetividade dentro da comunicação, já estavam sendo questionados antes mesmo da pandemia, com discussões e iniciativas sobre a necessidade de diversidade e inclusão, representatividade nos processos internos e gestões, entre outros pontos. Com a chegada da Covid-19, muitas mudanças corporativas tiveram que ser adotadas e/ou aceleradas devido à imposição das circunstâncias. Os participantes da mesa “Agências: em um cenário pós-pandêmico como manter, ou até fortalecer, a cultura corporativa?” trouxeram insights e reflexões sobre essa temática, durante a 10ª edição do Festival do Clube de Criação.
A mediadora Raphaella Antonio, program manager/ creative x da Meta, introduziu o tema ressaltando justamente que o modelo de trabalho das agências já vinha sendo debatido antes dos últimos dois anos, quando o mundo foi surpreendido pelo coronavírus. Ela citou dados de uma pesquisa global de 2022, realizada pela Edelman em mais de 25 países, que dão conta de que a desconfiança das pessoas em relação ao governo e à mídia caiu cinco pontos (muito devido à onda de “desinformação”, na avaliação de Raphaella), enquanto a confiança nas empresas e ONGs cresceu quatro pontos desde o ano passado.
Diante desse cenário, o ambiente corporativo precisa abraçar de forma mais sólida a responsabilidade social e saber cuidar dos seus profissionais. “Partindo do fato de que a indústria da comunicação já estava sendo repensada antes da pandemia, gostaria de saber o que vocês enxergam que se transformou na indústria nesses últimos dois anos”, questionou Raphaella.
O fundador, CEO e CCO da Soko, Felipe Simi, afirmou que tem dificuldade de atribuir elementos positivos à pandemia, um “momento dramático, que se tornou particularmente mais difícil diante da má gestão pública”. “O mercado publicitário avançou em outras pautas, como no trabalho remoto - um modelo que já era padrão desde os primeiros anos da Soko. A questão da diversidade não foi pautada em decorrência da pandemia, mas do ativismo, com Black Live Matter e outros movimentos. O ativismo nos leva a mudanças”, avaliou Simi. “Um assunto que durante a pandemia ficou muito mais em evidência é o da saúde mental, um tema central que eu quase não via antes”, pontuou.
Para Anna Martha Silveira, chief culture officer da FCB Brasil, o momento trouxe outros olhares e uma efervescência de discussões mais profundas sobre a responsabilidade das marcas. “Esses debates mais aprofundados sobre o papel da publicidade trouxeram algumas questões que não estavam tão tensionadas, como da saúde mental, por exemplo. Não dá para voltar atrás a partir deste ponto. As marcas, as agências, todos nós precisamos avançar”.
Nesse sentido, as relações devem ser cada vez mais verdadeiras, na percepção de Keka Morelle, CCO da Wunderman Thompson. “Como a Raphaella citou, as pessoas estão confiando mais nas empresas, no lugar em que trabalham, do que no governo do país. Temos de criar um ambiente seguro para todo mundo, cuidar da saúde mental das pessoas, pensar no acolhimento, cultivar o respeito”, observou. “Temos que ter uma relação mais verdadeira, mais real com os colaboradores, com os clientes, com a comunidade. E como construir essa relação verdadeira? Criando uma cultura onde todo mundo se sinta seguro para falar e nos questionando se o ambiente corporativo está sendo legal para todos, se estamos realmente cuidando de todo mundo”, avaliou.
Raphaella também questionou os debatedores sobre quais seriam as grandes urgências a serem resolvidas para se ter uma cultura de agência saudável, tendo em vista problemas como ambiente tóxico e carga extra de trabalho.
Sobre essa questão, Anna, que vem da área de jornalismo, afirmou que a publicidade é muito ensimesmada, muito autorreferencial. “Temos que nos permitir questionamentos como ‘faz sentido continuar com esses processos?’, ampliar nossos horizontes, ler outras coisas, não só publicidade. Há diversas formas de criar, podemos sair do: ‘a gente sempre fez assim’”, diagnosticou.
Para Anna, outro ponto para ajudar a combater ambientes tóxicos é "ser sincero, como Keka citou". "Ao trazer diversidade à agência, por exemplo, que esses profissionais realmente sejam ouvidos para que as mudanças ocorram. Não dá para somente fingir que essas pessoas têm voz e continuar fazendo tudo do jeito que já era feito. É necessário ter a real decisão para mudar e ser muito persistente para conseguir fazer isso”, observou.
Se a indústria publicitária é muito autorreferencial e isso pode dificultar transformações em processos, por outro lado, olhar para a história da publicidade e reconhecer o quanto já se avançou até aqui também é necessário, na avaliação de Marco Giannelli, conhecido como Pernil, CCO da AlmapBBDO. “Não dá para não conhecer a propaganda. Ter esse entendimento é importante. Um chef primeiro aprende a cozinhar, depois pode preparar o prato do jeito que quiser, fugir de todos os padrões”, defendeu.
Romantização do excesso de trabalho
Entre outras questões debatidas durante o encontro, Simi lembrou que, quando trabalhava em empresa anunciante e depois em agência, acabou se deparando com “vários incômodos” e “barreiras”, seja em relação à falta de diversidade, ao assédio ou à romantização do excesso de trabalho. “A Soko é a resposta aos incômodos dessa trajetória. A proposta é provar que é possível combater cultura tóxica, aquela ideia de que ‘a gente vira a noite trabalhando, mas olha que filme de moto lindo a gente criou para ser veiculado na Globo’”, pontuou.
O fundador da Soko também destacou que esse processo não pode ficar restrito ao âmbito interno da agência, uma vez que o ecossistema publicitário também é bastante tóxico. “Não adianta termos diversidade se o cliente não tem letramento. Precisamos dividir nossas dores e ambições. Dar um salto de cultura. Além disso, precisamos explicar o que é toxidade para as pessoas. Na Soko, ensinamos aos colaboradores, por exemplo, a diferença sobre o que é um comportamento tóxico, o que é criminoso (assédio, racismo etc) e o que é só trabalho mesmo”, contou Simi.
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Serviço:
10º Festival do Clube de Criação
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