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SXSW 2023

Brasileira fala sobre identidade digital: o desafio de controlar dados

11.03.23

A brasileira Yasodara Cordova, designer, codificadora, ativista, especialista em temáticas como privacidade e segurança no universo digital esteve num dos palcos do SXSW 2023 para tratar de um tema caro e que não chama muita atenção do público, ao menos não da maneira que deveria: a identidade digital. Na sessão Breaking paradigms about the future of digital ID, em que se apresentou ao lado do norte-americano Harry Halpin, cofundador e CEO da Nym Technologies, startup que desenvolve soluções para privacidade no ambiente digital e que se posiciona contra a vigilância em massa.

Yaso, como é conhecida, é pesquisadora da Único, empresa focada em identidade digital. No painel, ela trouxe muitas questões do Brasil, mas que servem para mostrar como o mundo deve refletir mais a respeito do conceito, seu uso pelas esferas do governo e das corporações e regulamentações para resguardar os dados da população.

Ao apontar como a identidade que nos representa como cidadãos evoluiu na história, Yaso afirmou que não confiamos mais nos papéis como antes. Uma pesquisa da Único mostrou que 71% dos brasileiros são a favor de ter um mecanismo em que se possa decidir que dados compartilhar com instituições públicas ou privadas. E 66% são a favor do uso de soluções de identificação digital, como reconhecimento facial, para substituir logins e senhas e para não ter de exibir um documento físico de identificação. Mais: 85% adorariam viver em um mundo em que não precisariam memorizar senhas, trocando isso por tecnologias de identificação mais seguras.

Outro dado apontado por Yaso sobre o Brasil é a maturidade digital do governo. O país é o segundo no ranking mundial nesse quesito, ficando atrás da Coreia do Sul. O ponto crítico: o Brasil está muito sujeito a fraudes e vazamento de dados. Isso demonstra que ter maturidade digital e privacidade não significam a mesma coisa.

A respeito dessa maturidade, ela se explica pela oferta de serviços do governo. O país disponibiliza biometria até para votar, o que fazemos de forma eletrônica. E o sistema público de saúde reúne nossos dados, como as informações sobre vacinação contra a covid-19. O Pix é outro exemplo.

Essa realidade indica que temos um longo caminho a percorrer. Muito se fala sobre dar acesso à população à internet e aos serviços digitais, no entanto o debate sobre privacidade não é tão propalado. E está claro que precisamos proteger nossas informações. “Entramos na soberania dos cidadãos sobre seus próprios dados. Assim, eles podem contar suas próprias histórias. Eles precisam baixar e excluir os dados sempre que quiserem”, disse Yaso. E o fato é que, quanto mais dados gerarmos, mais oportunidades surgirão de eles serem vazados.

Brasileiros são conhecidos pelo consumo intenso da mídia social. A tecnologia permite que contemos nossas histórias, mas como controlamos esses dados? Há muita coisa sendo exposta. Fornecemos informações em demasia por meio das redes. Mas o quanto isso é realmente percebido?

Alguns serviços apresentam o pedido para utilizar nossos dados de forma que está mais para uma obrigação do que um consentimento. “Hoje, nossas identidades estão disponíveis para o governo e grandes empresas de tecnologia, com nosso consentimento. Podemos mudar isso? Podemos pedir para essas informações sejam deletadas? Podemos levar esses dados para diferentes aplicativos?”, questiona Yaso.

Para Harry Halpin, a grande batalha do século 21, em termos de tecnologia, provavelmente será entre aqueles que desejam controlar seus próprios dados (pessoas comuns) e empresas e instituições governamentais que não dão o controle dos dados para sua população. “Acredito firmemente que o controle sobre seus dados é fundamentalmente um direito humano. E direitos humanos não deixam de existir só porque você está na internet. Minha mente se estende a várias notas que postei na internet. Precisamos manter a integridade sobre nós. Acho que essa será uma luta longa. Estamos tentando contar às pessoas sobre isso. Mais vazamento de dados vão acontecer, inclusive os biométricos. E isso é extremamente perigoso”, alertou.

Sabemos do que se trata quando o assunto é privacidade?

Perguntada pelo Clubeonline sobre o quanto o brasileiro sabe sobre privacidade, Yaso explicou que não é que ele não está ligado no assunto: ele desistiu, está descrente. “O brasileiro pensa que hoje você dá seus dados para uma loja na esquina e amanhã tem uma farmácia te ligando. As pessoas não estão empoderadas para reclamar. Elas se sentem impotentes”.

Quando se oferece a opção, o brasileiro diz que gostaria de controlar suas informações. “Nem sempre se usa a palavra privacidade, mas a pessoa quer que seus dados não vazem, quer saber onde eles estão sendo compartilhados, saber quem está guardando”.

Yaso comentou que a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais), responsável por fiscalizar a LGPD, que entrou em funcionamento agora, está discutindo dosimetria, que é o método que orienta a escolha da sanção mais apropriada para cada caso concreto em que houver violação à legislação. Ela permitirá calcular o valor da multa aplicável ao infrator.

É importante ter multa. Nos EUA, há pessoas na Justiça contra o Facebook por ter usado a biometria delas de um jeito que não poderia. E o Facebook toma multa. As pessoas estão recebendo cheques porque o Facebook vazou dados. As empresas têm de ser responsabilizadas. E isso tem de acontecer também no Brasil. E o assunto tem de ser mais discutido”, completou.

A cobertura do SXSW 2023 pelo Clubeonline tem patrocínio de Audaz, Brunch – Influência de Verdade, Ça Va, Modernista Creative Producers e Vandalo.

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