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Esther Perel, 'intimidade artificial' e solidão moderna
Muito se tem debatido sobre o impacto da inteligência artificial nos relacionamentos sociais e nas estruturas do mercado de trabalho. Mas um outro tipo de “IA” foi alvo da reflexão da psicanalista e escritora Esther Perel, durante seu painel na edição de 2023 do SXSW: a intimidade artificial.
Em “The Other A.I.: The Rise of Artificial Intimacy & What it Means for 'Us'”, Esther, que também é consultora organizacional e há quase 40 anos estuda os relacionamentos humanos, debruçou-se sobre as consequências da intimidade artificial e sobre como esse comportamento no qual as pessoas supostamente estão umas com as outras mas não estão presentes, resultante de uma tecnologia cada vez mais preditiva, tem transformado nossas expectativas em relação ao outro e nos deixado menos preparados para as imperfeições e incertezas com as quais convivemos no cotidiano.
“O que significa quando estamos procurando por uma alma gêmea em um aplicativo? Participando do frenesi do consumismo romântico, incapaz de se comprometer com o bom por medo de perder o perfeito? Tenho refletido muito sobre a solidão moderna, que se disfarça de hiperconectividade. Como podemos ter 1.000 amigos virtuais e não encontrarmos ninguém para alimentar nosso gato?”, provocou Esther.
Apesar da constatação, a psicanalista ressaltou que a intimidade artificial com um bot não é o que mais a preocupa neste contexto. “O que me preocupa é como as conexões facilitadas digitalmente estão diminuindo nossas expectativas de intimidade entre humanos”, lamentou.
“No mundo real, as pessoas nem sempre estão instantaneamente disponíveis para atender você. Os relacionamentos também não são uma via de mão única”, ponderou a psicanalista, e fez um paralelo deste cenário com a proliferação das comidas prontas: “à propósito, fizemos isso antes com junk food, a promessa de comida sempre disponível e estável na prateleira era irresistível. E só agora estamos entendendo a nutrição que deixamos de lado e as consequências para nossa saúde física. Por que seria diferente com a saúde mental e com a saúde relacional?”, questionou.
De acordo com a psicanalista, estamos aceitando que o contato via máquina substitua conversas pessoais e a intermediação das telas como substitutas do olho no olho, acaba nos desumanizando. Numa dinâmica interativa com o público do SXSW, ela citou alguns exemplos, como quando passamos o dia em frente ao computador e à noite só conseguimos assistir à TV e bisbilhotar o celular ao mesmo tempo. Ou quando telefonamos para alguém para compartilhar uma angústia e quem está do outro lado da linha responde "um-hum", só monossílabos, sem atenção.
Esther ressalta que os aplicativos e a inteligência artificial nos entregam respostas prontas, com o Spotify dizendo o que devemos ouvir, a Netflix o que devemos assistir e assim por diante. “Ter medo e correr riscos são algumas das maneiras pelas quais aprendemos quem somos e quem não somos. As experimentações e os fracassos são essenciais para o desenvolvimento da nossa identidade. E você pensaria que ter todas essas recomendações na palma da mão nos deixaria mais confiantes, menos ansiosos, mais preparados, mas e se elas estiverem nos desgastando? Quando eliminamos os riscos, eliminamos as oportunidades de aprendizado”, pontuou.
Segundo ela, essas tecnologias, cada vez mais preditivas, que resolvem muitos dos maiores inconvenientes diários, também nos deixam despreparados e incapazes de tolerar a imprevisibilidade inevitável da natureza humana, do amor e da vida.
“Na verdade, muitos dos desafios da vida não são problemas que resolvemos, mas paradoxos que administramos”, analisou a psicanalista.
A cobertura do SXSW 2023 pelo Clubeonline tem patrocínio de Audaz, Brunch – Influência de Verdade, Ça Va, Modernista Creative Producers e Vandalo.