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'O Brasil real vende'
Potente, intenso e provocador, assim foi o debate “A Comunicação e o Brasil Real”, segundo painel do primeiro dia do 11º Festival do Clube de Criação. O debate escancarou que o Brasil real não está na comunicação, mas o jogo começa a virar.
A mesa foi formada por Bruno Zambelli (diretor de cena da Surreal Hotel Arts), Camila Liborio (gerente sênior de marketing da L'Oréal), Daniela Benoit (CEO do Manas Coletivo), pelo rapper e compositor Don L e Regina Ferreira (CEO do Hutu Casting), com mediação de Ary Nogueira (sócio e diretor de criação da Gana). Ele abriu a sessão falando que se incomoda com esse modelo europeu da comunicação, com homens brancos sempre como o ideal "aspiracional" e fez a primeira provocação da manhã: "o Brasil real vende".
Daniela Benoit foi cirúrgica: "como vender para os 220 milhões de brasileiros, investindo em campanhas que focam apenas na classe A, que é formada por 8 milhões de pessoas? Como vender para os outros 212 milhões?", questionou. Acostumada a preparar mulheres pretas para negociarem com os engravatados da Faria Lima, Daniela citou um caso recente. "Gisele Bündchen protagoniza a campanha de um banco (C6 Bank). Ela tem 21 milhões de seguidores no Instagram e um cachê altíssimo. Por que não ter escolhido Jojo Todynho, que tem 26 milhões de seguidores no Instagram e fala diretamente com o povo brasileiro?"
A profissional destacou também outras contradições verde-amarelas. “A Trace TV (plataforma multimídia global dedicada ao hip hop e às culturas afrocêntricas) tem 20 milhões de audiência. A GloboNews, 200 mil. Por que escolher sempre a segunda opção?”, indagou. Daniela lembrou também que as novas gerações têm outro comportamento de compra. A filha dela, por exemplo, enxerga-se como comunista aos 10 anos, só compra em brechó e produtos que não venham da cadeia do trabalho escravo, ou que não sejam treinados em animais. Já outro jovem dos Jardins só compra produtos que remetam à favela, e outra do Capão Redondo guarda grana para comprar sneakers da faixa dos R$ 2 mil. “Fica aqui o desafio, como mudar a realidade da sua agência na segunda-feira?”, questionou.
O soteropolitano Zambelli viveu na pele, no dia a dia das criações a "ditadura da branquitude", ele mesmo acreditava que só era possível utilizar o modelo europeu de design. Veio para São Paulo e sentiu a potência da cultura baiana, que deveria ser valorizada. Voltou para Salvador e fez diferente. “E é isso que quero fazer, criar olhando a minha origem, fortalecer a cultura dos nossos. Não ter que se embranquecer”, afirmou. Com essa diretriz em mente, e morando na cidade com maior número de pretos do Brasil, ele participou do Festival AfroPunk (2021), fazendo a cenografia. O evento virou um exemplo da potência cultural afrocentrada, com referências da capoeira, do terreiro e da roda de samba.
Filha de Duque de Caxias, Camila Liborio cresceu sem entender seu espaço. Não se sentia representada. Ela se formou em engenharia mecânica e foi trabalhar na Coca-Cola. A primeira vez que se sentiu bonita foi aos 26 anos. Migrou para a área de comunicação e trabalha no segmento de coloração da L’Oréal. Agora, pela primeira vez na história, uma embalagem de tintura de Niely trará imagens diferentes do usual, como mulheres de óculos, gordas ou mais velhas. “Estamos em um momento de virada, existe a 'ditadura da beleza', mas estamos em desconstrução. E como somos líderes de venda, podemos mudar a partir dos gaps, fazer identificação com narrativas que conversam com o real”, pontuou.
Mestre do rap, Don L começou a pensar o Brasil real e fazer a diferença. “O Nordeste era caricaturado nas novelas da Globo. Quis trazer a realidade de Fortaleza, trazer o carimbó, o piseiro. Demorou muito, mas em 2007 estreamos o grupo ‘Costa a Costa’, mostrando o que tem de universal no nosso particular. E lançamos a música 'Favela Venceu'”, destacou.
E sugeriu: "em vez de abrirmos espaço para os gringos virem aqui e levarem nosso dinheiro, aqui podemos criar uma cena. O Brasil tem uma cultura riquíssima, podíamos exportar a cultura”. Citou o exemplo dos coreanos e o fato de o governo bancar o fenômeno K Pop, sucesso no mundo todo.
Já Regina Ferreira, que há cinco anos abriu a Hutu Casting, é do Guarujá. Veio para São Paulo passar uma semana aos 14 anos - iria participar de uma seleção de modelos - e ficou. “Sempre era a única modelo preta nos eventos. Com o tempo, me tornei assistente de produção e comecei a dar oportunidade para mais pretos. E depois os clientes pediam mais diversidade. Como não percebia mudanças no cenário, abri a Hutu, para indicar a galera preta”, explicou.
Para Ary, ante todas as análises do painel, o "Brasil Real não é só uma busca de linguagem mais simplificada e menos criativa. Pelo contrário. Tem um Brasil inteiro de novas estruturas e narrativas que conectam e incluem, que é mais rentável, mais eficiente e muito mais poderoso criativamente. E que precisa atingir todas as pontas da comunicação".
Silvia Herrera
11º Festival do Clube de Criação
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