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'Contratar mulher é um ato revolucionário'
Com uma série de dados, Marianna Souza, presidente da Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais (Apro), abriu o painel “Mulheres diretoras: os espaços enfim se ampliaram?”, durante o 11º Festival do Clube de Criação.
Do levantamento do LinkedIn que fala em termos que esperar mais 131 para atingirmos a plena igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho à diferença na remuneração na área do audiovisual apontada no relatório da Ancine, os números mostraram que a participação feminina cresceu. “Evoluímos, mas muito pouco”, destacou Marianna.
A mediadora falou também da pesquisa da Free the Work, que teve em primeiro lugar, empatadas, Publicis, Suno e GUT como as agências que mais contrataram mulheres para dirigir filmes no último ano (leia aqui). A plataforma de luta pela diversidade e inclusão de profissionais sub-representados no mercado audiovisual tem acompanhado a presença feminina em trabalhos orçados e nos efetivamente realizados. Com isso, identifica, por exemplo, que 15% dos trabalhos das mulheres foram relacionados às causas, ao ativismos. Ou seja, “dentro da caixinha”.
O telão da Sala Criatividade no Memorial da América Latina, até então preenchido por esses números que confirmam a desigualdade percebida no dia a dia, mudou quando Marianna passou a palavra para as convidadas. Os rolos com trabalhos de cada uma das diretoras presentes foram sendo projetados para a plateia, confirmando a qualidade da produção feminina.
Asaph Luccas, diretora de cena da Rebolucion, trouxe um novo ponto para o debate, a sub-representação de grupos de interseccionalidades, como aquele com o qual ela se identifica, de mulheres trans. “Passei muito tempo sem querer participar de mesas como essa, falando de mulheridade, porque eu não me sentia pertencente. Estar aqui hoje é muito importante para mim, para mostrar que pertenço, sim”, afirmou.
Diretora e roteirista com atuação na publicidade e no cinema, com foco em curta-metragem, Asaph falou dessa invisibilização e da sub-representação, mas destacou que nunca houve tantas profissionais trans no mercado. “É muito incrível a sensação de abrir um call e ver uma pessoa trans”, reforçando que ainda é algo raro.
Para ela, o trabalho como diretora vai além do cuidado com a linguagem e o respeito à estética, passa também por trazer identidades como a dela para os sets. “Trazer mulheres diversas como a da representação ampla que vejo aqui no palco hoje”.
Para Nate Rabelo, diretora da Mercuria TV e da dupla We Are Magnólias, junto com Barbara Sasse, se o papo parece chato e repetido, ele continua necessário. Ela lembra que a falta de representatividade traz limitações para a criatividade, para o trabalho. Hoje, da indústria de Hollywood à IA, os trabalhos são sempre os mesmos com as mesmas caras, acredita.
“O machismo corrompe a essência de construção de uma mulher. A gente se coloca em caixas. E o homem nasce livre”, sustentou, explicando que até os cinco anos as meninas sonham com tudo. Mas depois, por falta de modelos e por sinais da sociedade, a mulher passa a se invisibilizar. “O que tem hoje aqui [no painel] são modelos, são papéis. A gente pode inspirar outras mulheres”.
Nate contou sobre a trajetória com a sua dupla. “Há 10 anos, quando a gente ainda era assistente e dizia que queria ser diretora, colocavam a gente ‘no nosso lugar’, dizendo que a gente era boa como assistente, que ficasse lá”. E sem modelos para seguir, tiveram que escolher ir além do que se esperava delas. E encerrou sua primeira rodada com um recado: “contratar mulher é um ato revolucionário”.
Em um debate de equidade de gênero, o etarismo também foi lembrado. Georgia Guerra Peixe, a Joca, lamentou que a maioria das mulheres que passou dos 46 anos não esteja na ativa. “Tragam elas de volta”, pediu.
Diretora de cinema e sócia da Café Royal, Joca antes falou sobre a jornada dupla que enfrentou quando foi filmar seu primeiro longa, em 2010. Morando no Rio de Janeiro e filmando em São Paulo, enfrentou distanciamento da família, reuniões na van e muito mais por quase um ano e meio para conseguir fazer seu filme sem sair do mercado publicitário.
“Um projeto que nasceu no esgoto e que terminou em Berlim”, resumiu, ao contar que as coisas caminharam de forma a levá-la para editar o filme na capital alemã.
O ponto alto da conversa, no entanto, foi o apelo que ela fez para os profissionais de agência, pedindo uma rede de apoio e mais contratação de mulheres: “Tenham coragem, porque nós temos técnica, conhecimento, sabemos fazer, fizemos as mesmas escolas que todos os homens... Dê um job de terror, de aventura”, falou, entrando um outro ponto importante: a ausência de diretoras em produções com temáticas tidas como masculinas.
Conseguir furar essa bolha foi motivo de felicidade para Thatiane Almeida, diretora de cena da Magma. Perto de completar quatro anos como diretora, foi chamada para uma concorrência junto a quatro homens. “Fiquei muito feliz. Não porque eu era a única mulher, mas porque o filme não era relacionado a ser mulher. A gente bebe cerveja, frequenta festa, dirige carro, tem um monte de coisa legal para falar”, defendeu.
Agora ela está trabalhando em seu primeiro longa de ficção, com um tema que, segundo ela, está em todo lugar, mas pouco se fala, o forró. A proposta é justamente fugir da tendência de falar sempre a mesma coisa. E fez um convite, ou apelo, para que o mercado olhe mais para as pessoas e diferentes, que chamem mais mulheres, mais homens pretos. Ela mesma, uma mulher preta, comemorou que este está sendo um ano atípico, sem nenhum filme com temática racial ou de gênero, pois não ficou presa a esses assuntos. “E foram meus melhores filmes”.
O painel contou ainda com uma mulher de 1,63m, vestida de rosa com blusa de babado, tênis branco, tom de pele negra um pouco mais clara, locks no cabelo com pontas loiras e maquiagem. Foi com a autodescrição inclusiva que Hanna Batista, diretora de cena da Hungry Man, iniciou sua participação na conversa.
Ela contou que é de Humaitá, município da calha do Madeira no Amazonas. “Sou uma das poucas loucas que deixou meu açaí lá, meu peixe, que venho tentar representar minha comunidade”, brincou. Ela não veio para falar da temática regional. “Lá também como batata frita e chocolate, ando de carro, tomo cerveja...”
No início da carreira, Hanna foi inspirada pela história de uma das companheiras de painel, a Joca. Uma chefe contou a trajetória dela e isso a fez ver que também poderia ocupar esse lugar. “Vim para cá com um único objetivo: ser diretora de pós-produção”. E trazendo toda sua pluralidade ela contribui para naturalizar corpos como o dela nas campanhas.
Com a experiência de quem começou a dirigir na publicidade em 1997, Dainara Toffoli, cineasta da O2 Filmes, também falou sobre as dificuldades de quem entrou no mercado quando ainda eram poucas mulheres, o que fazia com que cada uma à sua volta, em todos os cargos, fosse ainda mais importante. Especialmente para alguém que resolveu ‘viver a vida real’ e ter filho em um mercado tão competitivo.
“Meu primeiro longa, com a Monica Iozzi, fala de maternidade. E chegaram a me falar que maternidade não dava filme! Os espaços estão se abrindo, mas ainda são muitas pedras no caminho”, disse.
Dainara lembra que as obras audiovisuais têm como mudar as pessoas, no mínimo, apresentando uma realidade diferente. Pode ajudar em questões da sociedade, como a violência, o feminicídio.
Por isso, ela afirma, a representatividade feminina no set é muito importante. Quando foi diretora geral do seriado do GloboPlay "As Five", chegou a ter 62,5% de mulheres entre elenco e equipe do set. Lembrando que a conquista não necessariamente se repetiu nos trabalhos seguintes.
Seu recado final foi para que as mulheres se apoiem: “como diretora a gente dirige qualquer coisa, documentário, séries de TV... cada coisa com processo e técnica diferente, claro. Se juntem, façam, busquem os editais, olhem ao longo prazo”.
Para encerrar a conversa, a mediadora pediu que as convidadas falassem um pouco das perspectivas de futuro.
“A gente falou de um monte de coisa ruim, mas tem um monte de coisa boa também”, falou Thatiane. “Tem uma parte boa que precisa reconhecer. Desejo que todo mundo saia dessa sala com mais vontade de cutucar amigos e colegas de agências, produtores, clientes a nos chamarem. Provoquem a diversidade, provoquem outras caras no mercado”, completou.
O recado de Hanna foi sobre a herança deixada pelos seus ancestrais, de esperança. Ela queria um dia estar ali e agora estava. “Que vocês possam abrir todos os espaços possíveis. Eu adoro contar histórias e quero contar histórias com vocês”.
Nate também falou da importância de contar histórias e lembrou o fenômeno do filme "Barbie", que mostrou que mulheres podem criar histórias e dar dinheiro. “Vai chegar roteiro de cerveja, de carro semana que vem, futuro é semana que vem”, previu.
O recado final de Joca foi um pedido: que as mulheres sejam maioria. “Esse dia ainda vai chegar e enquanto não chegar, Clube, continue montando mesas como esta”.
A visibilidade para trans esteve presente na fala de encerramento de Asaph. Ela contou que no primeiro festival de cinema que exibiu um filme seu, não havia pessoas como ela assistindo ou exibindo. Três anos depois, no mesmo festival, ela não apenas exibiu como venceu. “Os talentos existem, mas a gente não consegue fazer só, todo mundo que está aqui, tenha atitude para fazer pequenas mudanças que transformam muito no final”, pediu.
Marianna concordou e encerrou a conversa destacando que nem sempre é possível mudar o mundo, mas que podemos mudar a realidade de quem está próximo. Por exemplo, se uma produtora forma um novo talento, ela vai transformar a vida de quem está em volta. “Com essas pequenas transformações, a gente consegue fazer revoluções”, concluiu a presidente da Apro.
11º Festival do Clube de Criação
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