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Festival do Clube 2023

‘O impacto é a nossa vida’, diz CEO do Grupo Gaia

19.10.23

A fórmula tem elementos fortes: propósito e impacto. Mas a equação só faz sentido se houver coerência. Essa é a lógica de João Paulo Pacífico, 44, CEO do Grupo Gaia, que, após fazer muito dinheiro no mercado financeiro, tomou uma decisão totalmente fora da rota do pensamento que sustenta os paradigmas de negócios da avenida Faria Lima e a própria dinâmica da Bolsa de Valores de São Paulo.

A decisão dele foi doar a própria empresa. Sim. Ou melhor, como assim? Depois de acumular um significativo patrimônio, Pacífico chegou à conclusão de que não fazia sentido ter mais dinheiro e optou por realizar a doação dos seus negócios, transformando-os em uma ONG de impacto social.

A insólita decisão foi contada pelo próprio Pacífico durante o Festival do Clube de Criação 2023 durante o painel "Por que doei a minha empresa?". O CEO da Gaia foi entrevistado por Daniela Ribeiro, CCO da WMcCann, e Zico Farina, executive creative director da BETC Havas, que estiveram no Memorial da América Latina, onde aconteceu o evento. E também por Gabriela Rodrigues, vice-presidente de impacto da Soko, que não pôde estar presente e enviou perguntas por vídeo.

Antes da entrevista, propriamente dita, Pacífico fez uma apresentação sobre sua trajetória, apresentando ao público detalhes da sua experiência no mercado financeiro e mostrando vídeos dos projetos de impacto social desenvolvidos com a ONG que é resultado da empresa doada por ele.

Pacífico revelou que ele é "o cara" que levou o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) para a Bolsa de Valores. A iniciativa virou um case. Depois de conhecer a realidade do movimento, percebendo que eles enfrentavam um forte preconceito para obter financiamentos, sem condições de acessar recursos porque "são criminalizados", ele conseguiu criar uma oferta de títulos de dívidas das cooperativas ligadas à organização, concretizando uma operação pela qual qualquer pessoa poderia investir no MST em valores a partir de R$ 100.

"A Bolsa e o mercado financeiro tentaram de tudo para inviabilizar a minha ideia, mas conseguimos", comemorou Pacífico. Apenas com a mídia espontânea em torno de sua iniciativa, em setembro de 2021, mais de cinco mil pessoas manifestaram interesse na proposta. "Delas, 1.500 conseguiram investir e hoje há mais de 10 mil pessoas que estão interessadas no MST. E o dinheiro já está voltando para quem investiu porque o MST está honrando seus compromissos", afirmou.

Ele também lembrou como foi o surgimento da Gaia, que "nasceu de um incômodo". "O mercado financeiro é totalmente desumanizado. Eu diria que cada pessoa é vista como uma célula de Excel. Qualquer minicrise, eles demitem toda a galera. Esse lado desumanizado me incomodava muito", disse.

Em 2009, Pacífico pediu demissão da empresa onde trabalhava e, no dia 19 de março daquele ano, montou a Gaia pensando que teria um cliente para começar. Na hora H, "não aconteceu". "Corri atrás e consegui outro, mas a Gaia já surgiu querendo fazer uma empresa mais humana". Além do propósito "humanizado", a companhia foi bem-sucedida em sua proposta mercadológica. Pacífico declarou que ela movimentou mais de R$ 21,5 bilhões em operações do setor de agronegócios e do mercado imobiliário.

Paralelamente aos negócios do setor financeiro, em 2013, Pacífico passou a estudar a "psicologia da felicidade". "A estratégia de motivação das empresas é totalmente errada. Eles criam um monte de zumbis corporativos para que as pessoas consigam ser felizes somente quando vão se aposentar. E olha lá!", criticou, ressaltando que seu objetivo foi estabelecer parâmetros para que os colaboradores da Gaia pudessem ser pessoas mais felizes e mais saudáveis na relação com o trabalho. "Começamos a focar em valores humanos e valores de felicidade. Fazemos isso com coerência", acrescentou.

Em 2014, a Gaia se expandiu com a ONG Gaia +, voltada para a educação, atuando com alunos e professores da rede pública de ensino. Em 2016, Pacífico percebeu que poderia usar o mercado financeiro para causar impacto positivo e dividiu sua empresa em duas, a Planeta, para "operações tradicionais", e a Gaia, para impacto social. "Decidimos que queríamos mais, fazendo três tipos de retorno: o financeiro, o social e o ambiental".

Todo o dinheiro da venda das empresas do Grupo Gaia foi doado para a ONG de projetos sociais, disse Pacífico. "Hoje não sou dono de nada", ressaltou.

Ao final de sua apresentação, ele enumerou três motivos para justificar a doação. O primeiro é a "coerência para reduzir a desigualdade". O segundo é que "o suficiente é abundante" e o terceiro, "porque amo minhas filhas". "Vou ajudá-las nas iniciativas que elas escolherem, mas elas não podem ser a continuação do pai. Seria muito egoísmo da minha parte".

Impacto não é estratégia

Na rodada de perguntas, Daniela Ribeiro quis saber mais da mentalidade do mercado financeiro diante da desigualdade social no país. "O Brasil é muito desigual. A quantidade de benefícios e privilégios que o mercado financeiro tem é enorme. Tenho dificuldade de mudar essas pessoas. Não consigo ver essa mudança. Elas teriam de renascer. Seria como acabar com a Faria Lima e começar tudo de novo", disse o CEO do Grupo Gaia.

Zico Farina perguntou sobre como falar de impacto positivo. "Sou um crítico muito forte da agenda neoliberal e das empresas que exploram seres humanos. A agenda neoliberal é sedutora, fala que você é empreendedor porque tem uma bike e trabalha 14 horas por dia. Isso é bizarro. Temos de falar sobre onde o impacto chega, sobre a agricultura regenerativa e familiar, sobre habitação. O impacto significa resolver problemas. Quero que o dinheiro chegue na ponta final. Não quero financiar startup que vai virar unicórnio", respondeu.

Gabriela Rodrigues abordou a distância entre propósito e dinheiro. "A Gaia é a prova viva, em um setor totalmente canibalizado, de que somos ativistas, com posicionamento, sem medo de ser feliz. O impacto não é uma estratégia. O impacto é a nossa vida", resumiu Pacífico.

Marcello Queiroz

11º Festival do Clube de Criação

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