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1º Think Creative

O futuro da criatividade tem IA, fandons, colaboração...

27.10.23

Um encontro com 50 mentes criativas do mercado de comunicação colocou o futuro da criatividade em discussão. A primeira edição do Think Creative, evento criado pelo Google Brasil, que aconteceu nesta quinta-feira, 26, teve como objetivo provocar reflexões sobre como usar a tecnologia, em especial a IA, e sobre o impacto da hiperconectividade e a sobrecarga de informações nos processos criativos.

Realizado na Casa de Cultura do Parque, em frente ao Parque Villa Lobos, em São Paulo, o Think Creative trouxe análises comportamentais, informações sobre tecnologias, cases e dinâmicas que culminaram com a construção de um conjunto de projeções sobre esse futuro. Entre as propostas estão uma redefinição das estruturas operacionais do mercado para gerar mudanças reais e essenciais no processo criativo e o estabelecimento de métricas de criatividade que envolvam autenticidade reconhecida tanto pelo indivíduo quanto pelo coletivo.

O Think Creative surgiu da franquia “Think”, que o Google adota para diversas indústrias, como varejo, que gera múltiplos insights. Apesar de ser um formato já conhecido, ele não tinha sido implementado para a indústria criativa. Não apenas no Brasil, como em nenhum outro país. Porém, como a companhia destacou, a criatividade está retomando protagonismo. Nos últimos cinco anos, falou-se muito da “era da performance”. Porém, mais recentemente, em meio a importantes transformações tecnológicas, a criatividade está se cristalizando como um vetor de crescimento nos negócios.

A criatividade é maior do que a publicidade”, disse Zé Lucas de Paula, head do Creative Works, área do Google Brasil que coordenou o evento. Ele afirmou que, por mais que existam soluções publicitárias imediatas para os anunciantes, a criatividade é um diferencial competitivo, como a Ambev declarou este ano no Cannes Lions. “Ela é o fator surpresa. E oferece soluções potentes como um creator desenvolvendo uma campanha junto com uma marca”, acrescentou.

A Inteligência Artificial também foi debatida. Para Tatiana Tsukamoto, diretora de criação do Creative Works, a tecnologia pode ser vista como forma de colaborar com os criativos. Como ressaltou, ela não funciona sozinha. Mas, em suas palavras, a IA pode ajudar a multiplicar a criatividade e, com isso, multiplicar negócios. Zé Lucas salientou que a tecnologia é aliada para trabalhar com dados “numa quantidade impossível de manipular. Ela pode também orientar o melhor momento para falar com um determinado público.

Discutir o futuro da criatividade, no entanto, tem de ir além da IA. É preciso debater a creator economy e seus impactos sobre a sociedade, é necessário incorporar diversidade e trazer novas perspectivas, apontou o head do Creative Works. “O líder criativo será menos um líder e será mais um aglutinador de recursos, um coordenador. Irá criar mais com as cabeças dos outros. Vai orquestrar um grupo de pessoas com diferentes habilidades para fazer algo que nunca conseguiria fazer sozinho, seja trabalhando com tecnologia, com uma plataforma, com creators ou com uma comunidade”, resumiu Zé Lucas.

Ancestralidade e territórios

O evento foi dividido em blocos. O primeiro ficou com Adriana Barbosa, CEO da PretaHub. Ela falou de sua trajetória e de como surgiu a Feira Preta, um negócio inspirado num “saber ancestral” e que surgiu em um momento em que ela precisava dar a volta por cima. O estímulo veio da história de sua bisavó, uma especialista em “se-virologia, como muitas mulheres pretas que tiveram de “se virar” para dar sustento a suas famílias.

O negócio prosperou e a feira é o maior festival de cultura negra da América Latina. Dela, nasceram outros projetos e, a partir daí, várias parcerias. Foi preciso estabelecer também uma metodologia e incentivar uma mudança de mentalidade entre os empreendedores, muitos acostumados à informalidade. Desafios não faltaram. “Diante de tudo isso, criamos um processo sistêmico, estruturante que coloca a criatividade no centro”, contou Adriana.

Segundo ela, não há como falar de criatividade sem falar de autoconhecimento que, por sua vez, está relacionado à autenticidade. Adriana defendeu a adoção de saberes ancestrais, o poder da colaboração, a estratégia de trabalhar com públicos múltiplos (levando em consideração as diferenças entre as populações) e a extensão do olhar para comunidades e territórios, mesmo que estes sejam distantes. Tudo isso para fomentar processos mais criativos e autênticos.

Visões psicanalíticas e as vibes destes tempos

O segundo bloco foi comandado pela dupla André Alves e Lucas Liedke, sócios da Float Vibes, consultoria que realiza estudos culturais e comportamentais e que faz uso da psicanálise em seus trabalhos. Eles mostraram um pouco das angústias que vivemos nestes tempos como o “viralismo”, que se trata de um afã de nunca perder a oportunidade de falar algo a respeito de um assunto.

De acordo com eles, estamos vivendo uma “renascença criativa”, em meio a aceleradas tensões socioculturais. Uma das perguntas feitas é: "o que é criatividade nesta era em que somos atravessados por muitas e rápidas transformações?" E isso envolve temas como crise climática, guerra de desinformação e IA.

Nós nos sentimos exaustos com a velocidade e o volume das novidades. Um das consequências pode ser entrarmos em loopings de nostalgia.

Ser criativo nesse contexto não é fácil, principalmente quando temos a tarefa de surpreender”, afirmou André. Sobrecarregados de informações, esses profissionais são obrigados a trabalhar demais: uma pausa e a pessoa pode ficar obsoleta. Ao mesmo tempo, há uma excitação criativa no ar.

Outras marcas do que vivemos hoje são: permacrise (como as das mudanças climáticas e da desigualdade social), anseios da automação (com as pessoas se perguntando se serão substituídas pela tecnologia), efeito MID (tudo parece medíocre, achatado, mediano demais), self extremo (buscamos oportunidades para falarmos mais de nós mesmos), sociedade demasiadamente online (a creator economy mudou a forma como interagimos com o mundo; o sucesso online é visto como possibilidade de mobilidade social).

Diante de características da sociedade como essas, a criatividade sofre riscos também. Ente eles estão: o processo criativo ficar atrelado a uma lógica de produtividade (isso irá comprometer o caráter artístico?); a terceirização (a IA está ampliando a criatividade humana ou terceirizando nossa capacidade de repensar padrões?); e a falta de crítica (apesar de tanta informação circulando, estamos aprimorando nosso pensamento crítico?).

Em meio a esse cenário, André e Lucas apontaram caminhos para a criatividade, detectados por tendências e linguagens que têm chamado a atenção mais recentemente.

1. Animismo radical – você atribui uma alma ou uma vida para qualquer coisa. Um exemplo é a campanha da Coca-Cola que dá vida a obras de arte (leia mais aqui). Outro é a versão fake de Harry Potter como se a franquia tivesse sido dirigida por Wes Anderson. Os dois têm IA no processo. O papel do criativo nesse caminho é ser um arquiteto de novos mundos.

2. Creators break through – Os criadores estão eclipsando a mídia tradicional. Por mais que não saibamos até onde vai o bom senso dos creators – o que torna o trabalho com eles mais arriscado –, é inevitável ter de incorporá-los nos projetos. A dica é pensar menos nas collabs como uma edição limitada e procurar realizar sonhos desses influenciadores, que entendem muito bem quem é seu público. A ideia é fazer mais parcerias, menos publis. O papel do criativo está em ser articulador de novos modelos de colaboração.

3. Vertigem POV – Os espectadores estão always on. E câmeras públicas, de segurança, de estádios dão uma visão de protagonista às pessoas. Imagens de Taylor Swift no VMA viraram memes. Além disso, momentos da cantora capturados pelas tradicionais câmeras com super closes em jogos da NFL estão aumentando ingressos para as partidas do Kansas City Chiefs e as vendas da camiseta do jogador Travis Kelce, com quem ela teria um romance. A turnê de Beyoncé tinha um planejamento de câmeras que tornavam o espetáculo mais interessante para quem o visse pelas telas. Há uma percepção de que tudo é enxergado por telas. A tese aqui é que existe sempre um ângulo não revelado. Cabe ao criativo pesquisar e revelar subjetividades.

4. Fandom firstA cultura dos fãs nunca esteve tão viva quanto agora. Eles reverberam o que seus ídolos produzem e até criam conteúdo em cima disso. Fãs mobilizam as redes, entre os que adoram certas personalidades e os haters. Artistas sabem como é importante dar atenção a fanbases. Um caminho pode ser criar pensando que o foco está em servir a essa cultura de fãs. Um exemplo é a collab da Lacoste com Minecraft, que gerou uma coleção física e uma virtual. Outro é de Cup Noodles que destacou seus 12 Sabores com a campanha “12 cores”, criada pela Dentsu Creative, que conta com cosplayers. Mais um exemplo vem da Coca-Cola que, com Rosalia, lançou uma música que fez tanto sucesso entre os fãs que a artista decidiu incorporá-la em um novo álbum. É um caso de brand hit. O papel do criativo nesse cenário é ser também um fanático – mas para servir às fanbases.

IA e prompts

O terceiro bloco trouxe a visão do Google sobre a IA e a criatividade. A empresa, vale lembrar, se posiciona como uma “AI company”, por estar estudando e aplicando a tecnologia há muito tempo. Na apresentação, foram mostradas quatro formas como o Google entende multiplicar a criatividade.

A primeira é na entrega (a tecnologia permite impactar audiências específicas em escala massiva). A segunda se trata de construir mensagens customizadas a partir das audiências. A terceira se refere a desdobrar mensagens a partir de necessidades de performance – isso está em fase de experimentação. E a quarta é uma projeção: é para criar e desenvolver mensagens a partir do trabalho conjunto máquina e humano.

Outra parte do bloco foi dedicada a dar dicas de preparar um bom prompt. São elas: dar ao Bard uma persona (exemplo: “aja como uma professora de espanhol"), estabelecer o objetivo (“escreva um roteiro”), especificar o público (exemplo: “para um aluno do quinto ano”), definir estilo ou restrições (“use linguagem poética”) e formatar o resultado (“responda com uma tabela”).

Projeções do futuro da criatividade

Na parte final do evento, depois de debates em grupos, os participantes fizeram projeções do futuro da criatividade:

- É preciso criar a partir do ponto de vista e emoção das pessoas, ressignificando o acrônimo POV para People of View.

- Vai mudar tudo. De novo. Abrace o “não-controle de tudo”.

- Descentralização criativa: é importante abrir mão do protagonismo da criação como algo único.

- Respeito às origens e à originalidade.

- Indicadores de criatividade passam por um reconhecimento de autenticidade feito pelo indivíduo e pelo coletivo; mostram que ela é rompedora, provoca rupturas; revelam que ela gera ação.

- Novas métricas dependem de novas estruturas operacionais.

Lena Castellón

1º Think Creative

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