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Ciclope Latino

Painéis discutiram mentoria para novos diretores, espiritualidade e +

02.04.24

Como manter novos talentos na casa? A depender do perfil da empresa e do cargo, uma lista de benefícios pode ser a resposta mais simples. Mas quando se trata do mercado de produção audiovisual e de diretores de cena, uma medida capaz de fazer diferença é a mentoria. Esse tipo de cuidado prepara o profissional para crescer no setor com mais segurança. Porém, ele não é tão comum em empresas que atuam na Europa. É mais visto na América Latina e, especialmente, no Brasil.

O tema fez parte do painel “Building a director”, do Ciclope Latino, festival que aconteceu na semana passada em São Paulo. O debate contou com Daniel Bergmann, presidente global da Stink FilmsRejane Bicca, produtora executiva da O2; Thomas Amoedo, produtor executivo da Landia, que está baseado no México desde 2016, mas que responde regionalmente. A moderação foi do jornalista Karan Novas.

Antes de discutir a manutenção dos talentos, a primeira questão do painel foi onde encontrá-los. As redes sociais se tornaram uma alternativa? Sim, é um caminho, que vem chamando atenção mais recentemente. Bergmann observou, entretanto, que a busca por novos diretores se diferencia em função do mercado, do tamanho da produtora e de seu perfil.

Como a Stink tem presença em 10 países, a procura é por nomes que possam atuar de forma global. A empresa investe também em métodos mais tradicionais, por assim dizer. É o caso da busca de futuros diretores nas escolas de cinema. “A mídia social virou um lugar para procurarmos pessoas. Ela facilita a vida do jovem diretor. Porém, identificar o verdadeiro talento, reconhecer o dom, aquele brilho, isso ficou mais complexo. Ficou mais desafiador”, afirmou Bergmann.

É fato que a internet aproximou as pessoas. No entanto, isso traz um ônus, que é gerar muita cópia e repetição, comentou Karan. Amoedo concordou com Bergmann que está mais fácil para encontrar talentos. A dificuldade está em selecionar um novo diretor que tenha algo especial.Nós trabalhamos com um sistema de mentoria para as gerações mais jovens. Pode levar dois a três anos para fazer com que esses diretores cresçam”, revelou o produtor executivo da Landia.

Em alguns países, certas marcas aceitam o risco de trabalhar com um jovem talento, no entanto demanda a participação de um diretor mais sênior, para dar suporte para o profissional novo, se isso for necessário. No entanto, ninguém quer suprimir a criatividade, ressaltou Amoedo. “Pelo contrário”, emendou.

Rejane salientou que a oferta de mentoria pode ser diferente de uma empresa para outra. Na O2, eles recorrem bastante a esse trabalho. “A gente se preocupa muito em cuidar dos novos talentos. Temos uma responsabilidade. Não dá para jogá-los soltos no mercado. Nós procuramos oferecer vivência para eles”, contou. Do que mais necessitam esses profissionais novatos? “Precisam entender de processo. E devem ter vontade de querer aprender com quem já sabe”, explicou.

O presidente da Stink disse se impressionar com a habilidade da América Latina em desenvolver mentorias para os jovens talentos, o que é feito principalmente com o apoio de diretores sêniores. Já no mercado anglo-saxão e europeu, esse trabalho está mais ligado à produção executiva. Rejane, por sua vez, afirmou que a mentoria não se restringe à troca com outro diretor de cena. Não se limita à relação entre o novo e o experiente. “A mentoria envolve a produtora inteira”.

Bergmann trouxe mais um ponto ao debate: refere-se à confiança do jovem profissional quanto a seu trabalho, que está muito mais exposto por meio das redes, como o Instagram. Como lidar com esse sentimento e também com a impaciência em aparecer mais para o mercado? “Cada diretor tem sua jornada. Um pode levar um ano. Outro, cinco. Isso é normal. Mas não é fácil para os novos talentos perceberem seus colegas progredindo, realizando grandes projetos, enquanto ele continua com os pequenos ou com trabalhos locais. Esse é para mim um novo desafio”, destacou.

A esse respeito, Rejane afirmou que os jovens talentos chegam às produtoras com um grau maior de ansiedade, em comparação ao passado. “Tem muita gente a fim de entrar no mercado, mas é importante ter paciência. Existe um processo para se seguir e leva tempo para que a pessoa esteja pronta. Fernando (Meirelles) começou pequeno”. Por isso, ela reforçou: “É muita responsabilidade criar um diretor”.

Rebuilding

Na visão de Rejane, além de buscar e manter os novos talentos, é essencial “reconstruir” a trajetória dos diretores. Isso quer dizer, estimular os profissionais a encontrar outros formatos, outros caminhos, em vez de ficarem restritos a um segmento, a uma linguagem.

É possível alterar entre dirigir para a publicidade, o entretenimento, o branded content e as redes sociais, por exemplo. Mas e quando o diretor se encaixa tão bem em um tipo de filme que é difícil sair dele? Em resposta ao Clubeonline, Rejane lembrou da história do diretor Alex Gabassi. Ela demonstra a importância do refresh. Por muito tempo, Gabassi foi o preferido das marcas quando se tratava de dirigir campanhas com crianças. Mas chegou um momento em que quis fazer outra coisa. Partiu para uma série. E a partir daí trilhou um novo caminho. Hoje ele é conhecido por ser um dos diretores da quinta e sexta temporadas do hitThe Crown”, na Netflix, entre outras produções.

Mais painéis

Realizado em colaboração com a Apro, por meio da plataforma internacional FilmBrazil, o Ciclope Latino contou com dois dias de painéis. O evento se encerrou com uma premiação, que celebra a criatividade e o craft - veja os ganhadores aqui.

Na parte de conteúdo, além do debate “Building a director”, o festival organizou os painéis “The Youth & Colossal: A Multidisciplinary Collective Without Discipline”, com João Machado e Eduardo Lubiazi, cofundadores da produtora, a respeito de três projetos recentes de animação; “Advertising Confidential: An Open Conversation”, com Vellas (Saigon)Nicolás Perez Veiga (Primo), falando de processo criativo em uma conversa moderada por Patricia Gaglioni, head de produção integrada da Wieden+Kennedy; “Nada de todo esto”, um bate-papo com os diretores Patricio Martínez e Francisco Cantón, do coletivo argentino Pantera, sobre o curta homônimo (premiado no Festival de Cannes de cinema do ano passado); “Behind the Prompt: Music and Voice Craft in the AI Era”, com Gilvana Viana e Arthur Abrami, cofundadores da Mugshot, Simone Kliass (fundadora da XRBR Association) e a cantora Paula Lima; “Itaú & Galeria: A creative collaboration”, com Rafael Urenha, fundador e CCO da Galeria; e “Meet the Director: Emmanuel Adjei”, com o diretor holandês, filho de um casal de Gana, e que assina produções para artistas como Zendaya, Willow Smith e Beyoncé - como Black is King”, disponível no Disney+.

Em sua apresentação, Adjei abordou a espiritualidade e sua relação com o cinema. Ele observou que, ao longo da história, diretores de filmes exploraram temas como transcendência, moralidade, existencialismo e a busca de sentido muitas vezes para provocar reflexões e ressonância emocional. Adjei ressaltou que o cinema se trata de tocar partes profundas da alma. No painel, houve um contraponto a respeito da IA, que é um tema prevalente em muitos eventos internacionais, inclusive do mercado de produção - o que explica um pouco do foco que deu à espiritualidade. Ao ponderar que vivemos em um mundo de dualidades, o diretor comentou que testemunha muita ansiedade por parte de algumas pessoas que temem que a tecnologia “roube” o valor do espiritual e que, ao mesmo tempo, encontra quem defenda que a IA irá dar mais vazão à criatividade.

Segundo Adjei, a inteligência artificial é uma ferramenta que permitirá expressar mais a experiência humana. “Ela representa um processamento de pensamentos com enorme potencial. A IA é capaz de criar realidades não-lineares. Nós teremos uma ideia baseada no Egito antigo e ela nos mostrará as possibilidades desse conceito”, exemplificou.

Ciclope Latino

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