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Evento do IAB questiona: o que é hype e o que é real
Não há como: a Inteligência Artificial (IA) nos ronda até quando um evento do mercado de comunicação não é exatamente sobre ela. Quando a tecnologia faz parte da pauta, então, há uma avalanche de debates a seu respeito. No SXSW 2024, foram mais de 1.500 painéis que envolveram o tema. Apesar de ser tão discutida, especialmente desde que o ChatGPT entrou na rotina das conversas, ela continua a desafiar profissionais da indústria, em todos seus setores.
Divulgado em janeiro, o estudo “Pulse of Change Index”, da Accenture, feito com 3.400 executivos de C-level de 20 países, mostrou que apenas 2% das companhias representadas por essas lideranças operacionalizaram totalmente a IA generativa responsável na organização em 2023. O conceito “responsável” se aplica ao desenvolvimento e ao uso da tecnologia considerando os benefícios e potenciais danos dos sistemas de inteligência artificial sobre a sociedade.
Esse dado foi apresentado em um evento do IAB Brasil, criado em parceria com a Oliver e o Experience Club, intitulado “IAgora? Um guia para novas ideias com IA em seu negócio”, que reuniu na terça-feira 07 um pequeno grupo de líderes do mercado. Trata-se de um novo projeto da entidade dedicado a encontros exclusivos para profissionais C-level e que irá debater novos movimentos da indústria e a transformação dos negócios de comunicação. A IA foi seu primeiro tema.
Além de demonstrar o que está, na prática, acontecendo no mundo da tecnologia, o encontro apresentou cases e promoveu uma discussão sobre as dificuldades de a inteligência artificial ser mais adotada hoje. Um estudo recente da Oliver do Reino Unido revelou que 47% dos líderes de marketing consultados não planejam ter um orçamento voltado à tecnologia e 63% afirmaram não ter experiência interna para usar recursos de IA generativa de forma estratégica e eficaz.
Carlos Lunetta, diretor criativo da Oliver América Latina, trouxe um panorama prático da IA nos negócios. Para ele, depois do entusiasmo da chegada do ChatGPT 4, em março do ano passado, houve um pico de expectativas infladas e, em seguida, o ânimo foi arrefecendo até atingirmos um ponto que ele chamou de “vale das desilusões”. Nessa passagem, o mercado viveu momentos como o de se alarmar com o fim dos empregos (receio ainda ativo), questionar “roubos” de artistas, criticar as alucinações da tecnologia (quando o sistema apresenta uma informação ou uma imagem de forma “confiante”, mas que se revela tendenciosa ou totalmente errada) e críticas por “ninguém mexer direito”.
Segundo o criativo, o cenário em que nos encontramos agora é o revelado pelo estudo da Accenture: poucas empresas aproveitando plenamente a tecnologia como poderiam. Há mais um ponto: existe muita confusão a respeito do que ela representa. Para ele, é comum tratarem como IA o que é, na verdade, machine learning. Por isso, uma dica é fugir do hype e entender o que de fato significa IA.
Lunetta fez uma comparação para explicar: praticamente tudo em machine learning é uma tarefa de completar espaços. A máquina faz análise preditiva com base nos dados de que dispõe. Já o modelo de IA trabalha com o entendimento de dados. Mas se o modelo não é treinado, ele não consegue cumprir sua tarefa.
Aprendizado em grande escala
É preciso compreender que o LLM ( Large Language Model) - modelos de linguagem de aprendizado profundo e em grande escala que são a “base” da IA - não consegue criar coisas novas sobre algo em que não foi treinado. Sua eficácia em um assunto vai depender, portanto, dos dados do modelo.
Entre as implementações mais comuns de machine learning estão a análise preditiva e os serviços cognitivos. No primeiro se enquadram as recomendações de conteúdo da Netflix, por exemplo. No segundo, entram as tecnologias de reconhecimento facial, os carros autônomos e a assistência da Siri.
Já as aplicações da IA generativa são mais conhecidas: texto, foto, voz, música, 3D e vídeo. A última gerou muito barulho com o lançamento da Sora, da OpenAI, em fevereiro passado. O modelo faz vídeos realistas a partir de prompts de texto, como o Dall-E, ferramenta para geração de imagens que também pertence à companhia.
Quais os pontos de atenção? Questões éticas e os vieses da tecnologia estão entre as principais preocupações das lideranças de empresas. Também entram na lista privacidade de dados, uso de propriedade intelectual e capacitação de colaboradores. Lunetta ressaltou que, por melhor que seja uma solução de IA, se ela for alimentada por lixo, irá produzir lixo. Seja no briefing, seja no banco de dados, seja no prompt.
Marcas
Dos cases exibidos no evento, Coca-Cola se sobressaiu com projetos variados, demonstrando um importante trabalho de IA no marketing e envolvendo a tecnologia até no desenvolvimento de produtos, caso da Coca-Cola Y3000 (leia mais aqui). A companhia, que criou o cargo de head global de IA generativa, também convocou os consumidores a participarem de uma ação em que peças criadas com Dall-E poderiam ser exibidas nos outdoors da Times Square, em NY, e de Picadilly Circus, em Londres.
Outro exemplo, mas controverso é o filme “Forever is made now”, da Under Armour, lançado em março. A campanha de 60 segundos leva a assinatura da produtora Tool e foi criada quase inteiramente com IA. A peça é estrelada pelo boxeador britânico Anthony Joshua. Ou, na verdade, há cenas dele recriadas pela tecnologia. Joshua surge como se fosse um gigante de pedra em um deserto. Também há imagens do atleta em um ringue, pronto para a luta.
Não foram feitas filmagens para esse comercial. Foram aproveitadas cenas captadas para outras campanhas, que foram transformadas. A narração foi gerada por IA, utilizando gravações da voz do atleta. Segundo a Tool, a tecnologia resolveu um problema prático, já que Joshua estava se preparando para uma luta e não tinha agenda para filmagens. Nas redes sociais, houve críticas pela campanha indicar que a IA logo substituirá os humanos nos processos de produção, como relatou a AdAge.
Independentemente da polêmica, Lunetta recomendou alguns passos para quem deseja incorporar mais a IA, como adotá-la em projetos pequenos (pilotos, de baixo custo e risco) e com equipes limitadas; implementar a tecnologia em processos individuais de trabalho, recorrendo, por exemplo, ao Copilot, da Microsoft; e identificar novas ferramentas que tenham potencial para o negócio, acompanhando a evolução desses sistemas.
Outra orientação é tratar os dados como um tesouro da empresa. Segundo o criativo, o que vai diferenciar a IA é o corpo de dados que vai alimentar um sistema. De acordo com Lunetta, a IA responsável não será opcional. Será uma tarefa de todos.
Desafios e vieses
Aberto por Cris Camargo, CEO do IAB, o evento contou ainda com as participações de Roberto Rodrigues, diretor de martech da Oliver América Latina; Rande Rodrigues, technical architect da Microsoft; e Pyr Marcondes, sócio da Pipeline Capital.
Rande apresentou ferramentas de IA da Microsoft e suas aplicações. Roberto abordou algumas tendências como o conceito de RAG (Retrieval Augmented Generation), que otimiza o resultado de um LLM por meio de informações direcionadas, trazendo respostas mais contextualizadas. Ele também comentou sobre agentes de IA, códigos ou mecanismos que atuam como pessoas. São chatbots que fazem mais do que conversar.
Imagine usar uma IA para fazer um teste e, ao vez de o humano checar com o sistema se tudo deu certo, passar essa tarefa para um agente? Existe uma plataforma, Crew AI, que é um sistema colaborativo que permite que vários agentes de IA trabalhem juntos, formando um time. Foi fundada por um brasileiro, João Moura, que resolveu criar agentes para que estes preparassem posts no LinkedIn, contou Roberto.
No debate com Pyr, os três falaram de desafios e impactos da tecnologia nas empresas. Rande apontou que uma questão importante é ter benchmarks. Roberto comentou que a IA auxilia a substituir tarefas e não necessariamente pessoas. Portanto, uma pergunta a ser feita é “quais processos são muito manuais?” e a resposta indicará onde a tecnologia poderá entrar - e nessas áreas o trabalho humano poderá ser eliminado.
Sobre vieses, Rande disse que já tem IA que analisa outras inteligências artificiais para investigar vieses. Para combater esse problema, a Microsoft está criando cenários para treinar a tecnologia. Como os sistemas são treinados com dados extraídos da internet, a IA vai reproduzir informações já tendenciosas que trafegam pela web. Para diminuir isso, é necessário investir em treinamentos que excluam estereótipos. E isso é complexo e custa caro.
Novos encontros
O IAB está programando mais encontros, que podem reunir entre 20 e 100 pessoas, em diferentes formatos, como café da manhã, almoço, jantar ou happy hour. Entre os temas selecionados para esses eventos dirigidos para o C-level de empresas convidadas estão a importância da creator economy para a publicidade digital, as oportunidades para a comunicação em TV conectada (CTV) e as principais tendências em retail media.