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A não-monogamia e as novas formas de se relacionar
"Na biologia, a monogamia é apenas por uma estação. E nem sempre todos os filhotes são do mesmo pai". Com essa afirmação, o biólogo doutor pela USP Marco Antonio Corrêa Varella, especialista em psicologia evolucionista dos relacionamentos amorosos, abriu o painel “A crise da monogamia, a ascensão da agamia e os relacionamentos contemporâneos”, no Festival do Clube de Criação 2024. Sua fala provocou o público a refletir sobre a flexibilidade da monogamia no reino animal e como essa dinâmica também se manifesta entre os seres humanos.
O sociólogo Rhuann Fernandes, coautor do livro “Não-monogamia – Trânsitos entre raça, gênero & sexualidade”, continuou o debate, oferecendo uma análise sobre a não-monogamia. Para ele, o amor romântico é uma construção social que tenta conciliar o erótico e a sexualidade, direcionando-os para dentro do casal como se fossem indissociáveis.
Ele ressaltou que essa dinâmica reproduz opressões e desigualdades. “A fidelidade é uma construção social, e muitos estudos mostram que a traição faz parte da própria monogamia”, afirmou, questionando os alicerces tradicionais sobre os quais os relacionamentos são moldados.
Danilo Janjacomo, diretor executivo de criação da Talent, trouxe uma provocação sobre o papel da propaganda. "A monogamia é um sistema opressor, e nós, publicitários, alimentamos esse sistema", disse. Ele destacou a importância de trazer outras formas de representatividade para as campanhas. "A publicidade mostra os cenários possíveis", completou.
Varella, que é doutor em psicologia experimental, voltou a explorar o tema a partir da biologia, esclarecendo que, em algumas espécies, a monogamia é uma estratégia de sobrevivência em contextos de escassez. “Quando há muitos predadores, dificuldade em encontrar parceiros ou o risco de infanticídio, a monogamia evoluiu para proteger a prole. O ciúme, por exemplo, surge para proteger a relação”, explicou. No entanto, ele argumentou que essa lógica não se aplica mais aos humanos. “Hoje, vivemos em um contexto de abundância, com mais recursos e conexões. As condições que justificavam a monogamia estão desaparecendo.”
Gabrielle Dal Molin, professora, escritora e criadora do perfil @CasaNãoMono no Instagram, trouxe sua perspectiva pessoal e política. Ela compartilhou como a gravidez desafiou sua identidade enquanto mulher bissexual e não-monogâmica. "Foi uma bomba para a minha identidade", contou. Gabrielle apontou que o maior desafio para pais e mães não-monogâmicos não é o ciúme, mas sim a criação de uma rede de apoio para os filhos. "A rede de afeto vai além de quem a gente transa; é sobre quem está disposto a estar presente".
O conceito de agamia também foi um ponto de discussão. Para Rhuann, a ideia vai além de simplesmente estar solteiro. Trata-se de uma escolha consciente de não se casar ou ter filhos, desvinculando-se dos compromissos tradicionais de relacionamento. No entanto, o sociólogo levantou a dúvida: "Será que esse conceito realmente reflete um fenômeno cultural ou é uma categoria criada por acadêmicos e teóricos?"
Ao encerrar o painel, o mediador Rafael Battaglia, jornalista da Superinteressante, destacou a diversidade de ideias debatidas. "O mais interessante foi ver como esses conceitos — monogamia, agamia e não-monogamia — foram discutidos e moldados ao vivo, refletindo as diferentes perspectivas que trouxemos para o palco", comentou.
O painel não trouxe respostas definitivas, mas deixou uma certeza: a maneira como nos relacionamos está, mais do que nunca, em constante transformação.
Maíra Carvalho
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