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Lucas Paraizo: 'um bom roteirista é uma pessoa muito atenta'
O painel “Estrutura e forma: os textos de Lucas Paraizo”, na 12ª edição do Festival do Clube de Criação, trouxe reflexões para além da criação, com discussões sobre responsabilidades e o desejo de transformar as realidades brasileiras.
Um dos roteiristas mais incensados do momento foi entrevistado pelo escritor baiano Alan de Sá (creative copywriter da Ogilvy), Andrea Siqueira (sócia e chief creative officer da Ampfy) e Romero Cavalcanti (diretor de criação da EnergyBBDO).
Lucas Paraizo é jornalista formado pela PUC RJ, cursou Roteiro na Escola de Cinema em Cuba e se especializou em Barcelona (Espanha). Ele abriu o painel agradecendo a presença de todos e afirmou que o “conhecimento é para ser dividido”.
Alan de Sá, apaixonado confesso por novelas, perguntou sobre a versão mais recente de “O Rebu” (a original é de 1974. Veja o remake, de 2014, aqui), que já mostra quem morre na festa no primeiro capítulo, fato que originalmente só entrou em pauta no 50º capítulo.
“A novela foi escrita por Braulio Pedroso e fiz parte da equipe de roteiristas da nova versão, chefiada por George Moura. Dois mestres. Quando se faz um remake existe uma responsabilidade muito grande de atualizar a temática e, uma das grandes mudanças, era transformar o personagem protagonista, que é homem, em uma mulher", contou Lucas. "Eu acho que isso realmente deu um outro tom para ‘O Rebu’”.
Alan perguntou também "qual a novela favorita" de Lucas. Ele citou "Que Rei Sou Eu?" (de 1989, aqui). “Tenho um grande carinho por uma novela chamada ‘Que Rei Sou Eu?”, de Cassiano Gabus Mendes, que fala do reino de fictício Avilan. Era uma novela da minha infância. Eu tinha uns seis, sete anos, e esses personagens nunca saíram da minha cabeça”, revelou o roteirista.
Saber observar
Andrea Siqueira questionou o que há de suas vivências pessoais em seus roteiros. No livro “Palavras de Roteiristas”, de Paraizo, consta que "o roteirista coloca um pouco de tudo que conhece nos roteiros". “É perigoso ser seu amigo?”, brincou Andrea. “Não é perigoso, mas eu acho que tem que tomar cuidado com o que vocês falam perto de mim, porque tudo pode virar uma um bom diálogo. Eu acho que um bom roteirista é uma pessoa muito atenta. A primeira qualidade de alguém que escreve é saber observar, saber ouvir e saber a hora de falar”, elencou.
Ele acrescentou que, quando se escreve, inevitavelmente, está se colocando um pouco do autor na história. “É uma combinação entre o que é meu e o que é coletivo. O que é comum e o que é universal. É esse equilíbrio. Todo mundo já passou por perdas, dores, alegrias, sucessos, fracassos”, argumentou.
Para a série “Sob Pressão” (assista aqui), por exemplo, Lucas fez uma imersão nas séries internacionais e viu que eram todas muito diferentes da realidade brasileira.
“Eu realmente entendi que a gente podia fazer uma série diferente daquelas que eram as nossas referências, quando a gente começou a fazer a pesquisa, frequentando hospitais ali na periferia do Rio de Janeiro e vendo uma realidade muito dura, muito particular", lembrou.
"E essa realidade foi uma tentativa nossa de transformar o hospital público brasileiro em um personagem. A saúde pública virar um personagem. Sou um profundo defensor do SUS, existem poucos países no mundo que tem uma saúde pública como nós temos. E quando a gente particulariza, encontra o coração da história. Acho que ‘Sob Pressão’ tem pouco disso, tem um pouco de mim, de todos os outros autores e dos diretores”, pontuou.
Tempo
Romero colocou em discussão o "tempo como recurso no roteiro", levando em conta a tradição do Brasil com novelas com mais de 200 capítulos, e questionou "qual o formato preferido de Lucas".
“Acho que, acima de tudo, são formatos muito diferentes: o longa-metragem, a série e a novela curta e a novela longa", avaliou. "Claro que a gente está usando os mesmos recursos, a estrutura, diálogo, ponto de virada. Porém, se a gente faz uma diferenciação entre uma série e uma novela, na série a gente precisa ser mais ágil. A gente não reitera tanto na série. Na novela a reiteração é importante, até porque você precisa contemplar o público que não assistiu ao capítulo anterior ou que não viu dois capítulos, ele precisa se localizar na história e, nesse sentido, o tempo é muito valioso para a novela", observou.
Paraizo ressaltou que não acha que uma coisa seja melhor do que a outra, mas considera que são recursos e habilidades diferentes. "Tenho muito respeito por quem escreve novela, porque é um negócio que passa por cima de você, ela é uma obra aberta. Você consegue fazer bem os 30 primeiros capítulos, depois é um pouco ' seja o que Deus quiser'. Na série, não, é fechado. Não tem como mexer na história depois que a gente entregou os episódios”, contou.
Lucas acrescentou outra informação importante: quanto mais capítulos, melhor para amortizar os custos.
Estrutura semáforo
O longa-metragem "Aos Teus Olhos" (2017) é baseado numa peça de teatro chamada "Princípio de Arquimedes", de Josep Maria Miró, um autor catalão. No roteiro, um professor de natação é acusado de ter beijado um dos alunos, sem provas. No filme, não se sabe se ele teve essa atitude ou não. "Tem aquela frase do Oscar Wilde: 'toda a crítica é uma espécie de autobiografia'. Assim a opinião de cada um, revela um pouco de cada um, o que cada um acha", observou.
Nem o protagonista, o ator Daniel de Oliveira, sabia se a acusação que sofria seu personagem era verdadeira. "Não contamos para ele. Mas criamos uma estrutura de 'semáforo' para ele poder se guiar: cenas verdes, amarelas e vermelhas. Verde, onde claramente o professor de natação não tinha feito nada; nas amarelas, ele poderia ter feito algo; e, nas vermelhas, determinadamente ele fez alguma coisa. E funcionou super bem", contou.
Romero citou também outro painel do Festival do Clube, "Da tela em branco ao texto na tela", no qual o roteirista Thiago Dottori lembrou George Martin ("Game Of Thrones"), que defende que há dois tipos de escritores: arquiteto e jardineiro. E perguntou: "qual desses dois você seria?". Acrescentou também se não seria um antagonismo ter se formado em Cinema em Cuba e depois se especializado na Espanha, que traz uma visão mais "Hollywood" do cinema.
“Minha formação inicial é jornalismo, na PUC no Rio de Janeiro, em seguida em Roteiro, na Escola de Cinema de Cuba. E depois, Barcelona. Fiz uma pós-graduação em Cinema e um mestrado em Teatro. É uma salada de fruta, uma colcha de retalhos, mas eu acho que isso é exatamente o que me interessa, não ser conclusivo ou determinista", declarou.
"Lembro que, na escola em Cuba, a gente tinha professores do mundo inteiro e um formato acadêmico diferente. Não tem aquela aula das 7h às 9h ou das 9h às 11h. Os professores vêm e ficam duas semanas dando um assunto específico. No primeiro ano, às vezes, eles falavam coisas diferentes do mesmo tema. Um dia eu cheguei no meu coordenador e disse: ‘Cara, não dá para chegar em um acordo porque, para um professor, personagem é isso, para o outro é aquilo.’ Ele respondeu: ‘Não dá para todo mundo concordar porque a conclusão tem que ser sua’", lembrou.
"Eu acredito muito nisso, que todas as nossas referências fazem um pouquinho parte da nossa história. Essa combinação é que faz da gente algo, talvez, original. Tenho muita suspeita de quem acredita nas coisas de maneira muito fechada. Para mim, os personagens que me interessam são os complexos”, esclareceu.
Responsabilidade
Andrea também questionou sobre a responsabilidade na hora de se escrever um projeto audiovisual. “A responsabilidade é imensa, o projeto tem que funcionar como uma ponte no arco da transformação e precisa ser responsável”, afirmou.
Ele explicou que “Sob Pressão” era pautado pelo jornalismo e em um dos episódios abordou o drama de uma mãe quando soube que os médicos disseram que seu filho teve morte cerebral. “Aproveitamos para falar da importância da doação de órgãos. Depois da exibição do episódio, recebi um e-mail de agradecimento do presidente da entidade que cuida dos doadores de órgãos, dizendo que por causa da série o número de doadores tinha aumentado de 300 para 8 mil! Isso é responsabilidade”, destacou.
Respondendo a outra pergunta, dessa vez vinda da plateia, Paraizo retomou o tema da responsabilidade. "Quando eu passo pela rua e eu vejo uma família, aqui em São Paulo, ou no Leblon, morando numa barraca, sei que tem uma coisa muito errada com a gente. Eu acho que tenho responsabilidade nisso e, com o meu trabalho, por sorte, posso invocar temas importantes, como fizemos em ‘Sob Pressão’, trazer assuntos e ações que vieram pautados da realidade", observou. "Sou um autor brasileiro comprometido com meu país”, finalizou o roteirista.
Silvia Herrera
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