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Festival do Clube 2024

Ainda precisamos quebrar os estereótipos dos corpos femininos

O painel 'Estereótipos dos corpos femininos – Por que ainda temos que falar (e muito) sobre isso?' demonstrou que o debate sobre o tema continua muito necessário, apesar dos avanços. Crédito das fotos - Ciete Silvério

23.10.24

A 12ª edição do Festival do Clube de Criação levou para o palco um tema já conhecido, porém que perdura, apesar de esforços feitos nos últimos anos por grupos de mulheres, ativistas e até por marcas. O painel "Estereótipos dos corpos femininos – Por que ainda temos que falar (e muito) sobre isso?" trouxe histórias compartilhadas, análises e muita emoção para o Memorial da América Latina.

A jornalista e historiadora Chris Flores mediou a conversa, que reuniu um time diverso e potente: Beta Boechat, creator e fundadora do Movimento Corpo Livre; Cynthia Paixão, fundadora da AfroDonas (organização que promove prêmio homônimo dedicado a mulheres negras empreendedoras); Danielle Winits, atriz; Marianna Ferraz, gerente de marketing da Dove, e Silvana Nascimento, professora de antropologia da USP, coordenadora do Coletivo Cóccix e pesquisadora do Núcleo Diversitas.

Chris abriu o painel com Silvana, que faz pesquisas sobre corpos, cidades e pessoas, entre outros assuntos. Qual o peso dos estereótipos no mundo atual? "Infelizmente, eles são importantes, têm um lugar central em uma sociedade tão preconceituosa. O nosso papel é quebrar esses estereótipos", disse. Para isso, defendeu, é fundamental que mulheres, fruto dos feminismos e do trans-feminismo, produzam mídias mais inclusivas e democráticas “para que a gente possa quebrar os estereótipos em torno dos corpos femininos, masculinos e não-binários. Precisamos pensar em uma mídia antirracista, que acolha as pessoas nas suas mais diversas identidades de gênero, produzindo imagens que não reproduzam estes estereótipos", afirmou Silvana.

A baiana Cynthia Paixão falou sobre a importância da colaboração e da conscientização sobre a criação de estereótipos. "Falar dessa diversidade e inclusão de corpos, para mim, é uma forma de conscientização e de quebrar barreiras. Como os corpos de mulheres pretas, principalmente, são vistos na sociedade?", questionou.

"Não tenho como falar de estereótipos sem falar de ancestralidade. A responsabilidade do AfroDonas é quebrar os preconceitos e padrões que tentam impor aos nossos corpos. As crianças hoje estão crescendo com essa consciência. Eu sinto muito que as minhas Marias, minha mãe, minha tia e minhas avós, não conseguiram ter esse espaço de comunicação para que elas também se reconhecessem nos corpos delas", completou Cynthia. E concluiu: "Ainda precisamos falar muito sobre isso porque falar é tocar e as mudanças acontecem com o toque".

Celebrando os 20 anos do conceito “Beleza Real”, desenvolvido com a Ogilvy, Dove mostrou uma de suas campanhas recentes, "Código Dove”, que aborda os padrões de beleza e a IA. O filme prega "a construção de um futuro livre de estereótipos". Chris Flores destacou a proposta de Dove em levar para a comunicação mulheres reais. E disse que mais campanhas precisam contemplar a diversidade dos corpos femininos.

Marianna declarou que “Código Dove”, criada pela Soko, é uma “celebração da jornada de quebra de estereótipos” e mostra como nós não devemos parar de falar sobre isso (leia mais aqui sobre essa campanha). Ela evocou o momento do lançamento do conceito "Beleza Real". “Vinte anos atrás, ter uma foto com mulheres que tinham um corpo diferente do que era visto nas revistas, nos jornais e na TV, foi super inovador, necessário e corajoso”, contou.

A executiva da Dove afirmou que todas as campanhas da marca são analisadas para que o propósito da empresa – tornar a beleza uma fonte de confiança e não de ansiedade – seja atingido. Vinte anos atrás, uma pesquisa global registrou que apenas 2% das mulheres se sentiam bonitas. “O time, na época, falou: a gente, como marca que quer começar a construir nosso propósito, precisa fazer alguma coisa sobre isso”, lembrou.

Assim, nasceu a campanha pela Beleza Real, junto com o compromisso da marca de nunca retratar mulheres com qualquer edição e de usar mulheres reais nas campanhas, que não sejam os estereótipos criados pela mídia.

Durante as duas décadas, Dove teve de adequar suas estratégias e contrapor inúmeros desafios. “A gente sempre busca atacar estruturas que reforcem estereótipos e que são problemas perenes à autoestima das mulheres. Essa campanha de IA nasceu de um teste no qual nossa agência criativa estava literalmente vendo como as imagens eram geradas na IA. Se a pesquisa era sobre uma mulher linda, vinha o estereótipo do cabelo loiro, olhos claros, corpo magríssimo. Quando adicionávamos a palavra Dove ou “beleza real”, os resultados mudavam”, contou Marianna.

A marca celebra que tenha conseguido “pautar a IA”. Isso é importante por que, a partir do próximo ano, segundo Marianna, "90% dos conteúdos que a gente vê na internet" vão ser gerados pela IA. “Para nós, que prezamos por retratar a realidade, essa campanha é também um convite a usar a IA de uma forma positiva. Afinal, a beleza precisa ser uma fonte de felicidade e não de ansiedade”, concluiu.

Publicitária e primeira embaixadora trans de Dove, Beta Boechat comentou que os estereótipos estão muito ligados à ideia de escassez. “Até pouco tempo atrás, o Photoshop não era para todo mundo. Era muito difícil conseguir mexer e alterar uma imagem. Então, o legal era ter uma imagem alterada, perfeita. A partir do momento que isso se torna um clique no telefone, a gente vai para o lugar do clean, da cara lavada. Precisamos entender que tudo é estereótipo. Tudo é modelo. Até a menina que não usa nada hoje em dia já é um modelo. O corpo trans é outro modelo”, afirmou.

A gente não é contra IA, não é contra procedimentos estéticos. Na verdade, é o contrário. O importante é a gente olhar para tudo isso e perguntar: isso faz sentido para mim, vai me deixar confiante? Se sim, tudo bem. Se estou fazendo isso para agradar o outro, para me encaixar num padrão e isso está me gerando ansiedade, aí o caminho está errado”, completou Beta.

Para Danielle Winits, Chris questionou como é ter de lidar com as demandas que a profissão exige em relação ao corpo e como isso se reflete na vida pessoal. Antes de responder à pergunta, a atriz comentou que a fala de Marianna revela que “a ansiedade pela perfeição se traduz em infelicidade”.

É complicado porque existem dois movimentos: a pessoa física e a atriz, que precisa do seu corpo para servir a qualquer corpo”, explicou. “Sou atriz porque quero me transformar, dentro do meu ofício e como pessoa”, emendou. “Já fui e continuo sendo muito julgada. Hoje, celebro minha caminhada. Procuro ser a atriz que eu quero ser e ter a oportunidade de poder ser outras mulheres que não estão nessa ditadura que colocaram para mim”.

No final do painel, após um comentário vindo de uma pessoa da plateia, que abordou o corpo da mulher gorda, as participantes do palco se ergueram em apoio a todas as mulheres e todos os corpos, em um momento carregado de emoção. Elas demonstraram que, apesar do tema já ter sido bem discutido em várias esferas, ainda há muita coisa a ser mudada.

O painel 'Estereótipos dos corpos femininos – Por que ainda temos que falar (e muito) sobre isso?' demonstrou que o debate sobre o tema continua muito necessário, apesar dos avanços. Crédito das fotos - Ciete Silvério

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