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Algo muda, tudo move (Nanda Carneiro)
Existe o refrão porque só as estrofes não chegam. Como uma cidade só não dá conta de uma vida inteira. Se um personagem não muda do começo ao fim do filme, parece que falta algo. Se um meme não ganha uma nova camada no fluxo de compartilhamento, ele some na avalanche online.
A gente é feito de mudança — e mudar, pra quem cria, é um verbo sagrado. A gente troca o ritmo pra resolver o silêncio, busca a textura nova pra revelar uma imagem. Reinventa a fala de uma marca pra ver se ela soa, quem sabe, um pouco mais perto da realidade de quem está ouvindo.
É que pra nós, criativos, ganhar o pão é operar com esse efêmero. Nosso trabalho é comunicar, sim. Encantar, sim. Vender, sim. Mas, antes, observar o que se transforma, registrar as marcas desse movimento e, em tempos de sorte, articular uma revolução ou outra.
Pra falar sobre isso, te convido a uma mesa. Você, eu, Barthes, Brian Eno, Matuê e, claro, a Inteligência Artificial, entramos num bar.
Roland Barthes, importante sociólogo e estudioso da semiótica no século XX, fala do punctum — esse detalhe que escapa a fotografia e perfura o coração. Para ele, o elemento mais inesperado em uma foto é também o mais importante e surge da ruptura de uma linearidade no que vemos. Algo que muda, que salta e desperta uma emoção, criando uma conexão instantânea e visceral.
Quem viu a campanha Tagwords da Budweiser sabe como uma garrafa de cerveja repetida em vários registros muda o cenário de encontros musicais icônicos. Uma narrativa dentro da outra no campo da imagem.
Na música, um tradutor da mudança foi e ainda é Brian Eno. Quando propõe uma música generativa, levando o som pro patamar de ambiente, ele é capaz de modificar algo do espírito da cultura que já funciona bem. Música antes se escutava, agora podemos caber nela, entrar nela, morar, existir. Ele altera não só o que ouvimos, mas como nos relacionamos com o que ouvimos.
Ou Matuê, pra trazer a conversa pro Brasil de 2024. Quando lança um novo trabalho alargando a margem do seu próprio estilo, trazendo pra letra e pro beat a busca pelo que pode ser esse novo som, ele expande também o que entendemos do gênero do qual é expoente. O rap de antes mudou. Agora é o trap. Agora, não mais o trap. O aftertrap.
O mundo é outro, agora vivemos o pós-mundo (pós-verdade, pós-imagem, tudo se resolve na pós). E gosto de imaginar que estamos todos inspirados pelo que podemos movimentar no nosso campo. Em tempos de assimilação da Inteligência Artificial, é da sagacidade humana que nasce o inesperado em uma peça. O novo, o ruído, o imprevisível, o acidental, o irreptível, o improgramável.
Fica aqui, então, o meu convite à inspiração pelo exercício de movimentar, de alongar também a visão, a fala e a escuta. Que a gente possa entregar sempre algo além do algoritmo. Ideias tão boas que, no fim, tornam-se outra coisa. Muitas coisas mais. Se algo muda, tudo move. Podemos criar o que queremos que exista.
Um sonho que vira uma ideia que vira uma frase que vira um texto que vira uma música que vira um filme. Algo muda tudo.mov
Nanda Carneiro, diretora criativa da Noize, 'embaixadora' Women’s Music Event
Leia o texto anterior da seção "O Espaço é Seu", aqui.