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32º Anuário

De Fabio Fernandes para Jáder Rossetto

25.04.07

Caro Jáder,


Antes de mais nada, quero que você receba em nome de toda a diretoria do Clube de Criação de São Paulo, meus sinceros agradecimentos pela demonstração de carinho e respeito que esta diretoria demonstra ao me convidar para tomar parte do Juri do Anuário do CCSP 2007.

Devo entretanto informá-lo de que não posso aceitar o convite.
E não posso aceitá-lo por várias razões.  Minha consciência,  minha noção de justiça e minha mania de coerência.
Entendo, que ao convidarem a mim e ao meu querido Marcello Serpa na condição de, digamos, notáveis, para nos juntarmos a este júri, vocês inadivertidamente cometem um ato que eu, humildemente, reputo como autoritário.  O júri, por decisão desta diretoria, é composto por profissionais de criação, através de sistema de votação direta dos associados do Clube.  Assim tem sido nos últimos anos e, independentemente da minha opinião quanto à correção ou incorreção desta fórmula, entendo que
ela deve ser respeitada.  Não acho simpático, portanto, ver-me imposto num grupo de jurados eleitos por esses votos dos meus colegas, através de um ato posterior e intempestivo, na minha visão, dessa diretoria. 

Por mais que, como já disse anteriormente, me sinta honrado pela distinção e por mais que eu tenha certeza das reais e sinceras motivações que os levaram a tomá-la, é assim que essa nova
decisão soa para mim.  E não acho que deveria soar diferente para os meus colegas, criadores e sócios do Clube.

A verdade é que não me sentiria nada bem se aceitasse esse convite.  Mais que isso, estaria aviltando uma série de valores, crenças e filosofias que me norteiam e com as quais quero permanecer, sem deles jamais abrir mão. Não. Não quero me sentir oportunista.  Não quero me aproveitar da confiança e do prestígio que eu pareço ter junto a essa diretoria sem ter a garantia de que centenas (milhares?) de associados não se sentirão traídos.  Muito pelo contrário. Não vou corromper a minha consciência por uma situação ou possibilidade fugaz.

Para ser muito sincero, ao saber dessa decisão de vocês, não pude deixar de me lembrar dos tempos da ditadura, já com pretensos ares de "abertura", no Brasil.  O povo, voltava a votar para um pequeno percentual de cadeiras parlamentares mas o governo militar, arbitrava para si o direito de preencher o restante das cadeiras do Congresso e do Senado, em número suficiente para lhes garantir maioria em todas as votações nas duas casas.
Eram os chamados Deputados e Senadores biônicos. Eu não quero ser um Jurado biônico. Eu e o Marcello não fomos votados em número suficiente para sermos jurados deste Anuário: este é o fato.

Se você quer saber, eu não acho justo.  Acho, modestamente, que eu e - sem modéstia - ele, deveríamos ser jurados em qualquer festival desta importância no Brasil. Tanto como o somos em qualquer lugar do mundo.  Mas as urnas disseram que não.

E as urnas foram incumbidas de deliberar sobre isso.  Por isso, não me parece justo, definitivamente, que a diretoria do Clube queira agora deliberar sobre algo que ela própria se eximiu de fazer à priori.

Acho que existem duas formas de se compor o júri de um festival.  Por decisão da diretoria, que chama para si a responsabilidade e assume as eventuais críticas inerentes às suas ecolhas, ou dessa forma, criativa digamos, que o Clube inaugurou já há algum tempo.
Ambas têm suas virtudes.  Ambas têm seus defeitos e contradições.

O que não pode existir é uma terceira forma.  Uma que reúna defeitos e contradições das duas anteriores.

Tivesse sido, o corpo de associados, informado antes da votação sobre essa decisão e eu, talvez, aceitasse o convite sem tanto constrangimento.

Mas feito isso depois, com o júri formado pelo resultado das urnas, sem que esses associados sequer possam avalizar essa mudança brusca no regulamento em alguma nova sondagem, num plebiscito via internet que fosse, eu, daqui de dentro da minha consciência e da minha mania de justiça, não posso aceitar.

Sei que já fui repetitivo o bastante e por isso já vou encerrando.
Mais uma vez agradeço o convite. Sei que ele foi feito na melhor das intenções.  Mas mais uma vez também reitero: biônicos, jurados ou deputados, acho que nós, brasileiros, não precisamos mais.


Receba um cordial abraço,


Fabio Fernandes


F/NAZCA SAATCHI & SAATCHI
Agency of The Year 1999, 2001, 2003, 2004, 2005, 2006.


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Comentários

Socio CCSP - Ainda bem que existem pessoas sensatas. Parabéns Fábio!!!


Che - Ah que vontade de ver esta postura em Brasilia. Uma postura tao rara que a gente tem que dar parabens, mesmo ela sendo tao obviamente correta: Parabens, Fabio!


Fã do Fábio - Parabéns. Fazer anúncio bom é muito mais fácil do que ser consciente. Você é um craque dos filmes e da consciência.


Fabrício - Palavras de Fabio Fernandes: "biônicos, jurados ou deputados, acho que nós, brasileiros, não precisamos mais". Por mais respeito e admiração que eu e todos os sócios tenham pelos outro convidado de honra (nosso querido Marcello Serpa) e pelo 22º jurado (o redator Wilson Mateos) que também acabou se tornando jurado por uma escolha da diretoria, espero que os dois tomem o mesmo caminho de Fábio. Parabéns para ele pelo autruísmo e respeito ao Clube.


Karina - Parabéns ao Fábio! Se todos os profissionais de propaganda fossem sempre coerentes e justos, talvez tivessemos menos lobby e mais criatividade.


precisofazerminhapasta@yahoo.com.br - Mais um motivo de admiração. Perfeito


Laura Nahat - Agora admiro mais ainda o Fábio! Parabéns pela transparência e valores. Essa é a essência dos verdadeiros homens. Abraço!


Emerson Souza - Coerente. Que isto nao ofusque o brilho do Anuário. Abs.


Jr - Valew Fábio. Dia desses o grande Jader num debate sobre a péssima performace do Brasil em Cannes 2006 frisou que falta "Gente de Culhão no Brasil". Digo abertamente que não acho. Tai, o Fábio, um criativo cabra macho.


 

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