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5X Comédia

Pedro Coutinho, um dos diretores, revela desafios da série da Amazon

29.03.21

A série “5X Comédia”, lançada na sexta-feira passada (26), é a primeira ficção nacional a estrear com o selo Originais Amazon, da plataforma de streaming Amazon Prime Vídeo, que está reforçando o conteúdo brasileiro em seu catálogo (leia aqui).

Baseada na peça teatral homônima, criada em 1995 por Sylvia Gardenberg, a versão da Amazon tem direção geral da cineasta Monique Gardenberg, irmã da autora. A série conta cinco histórias que têm a pandemia como tema comum.

Partindo de diferentes pontos de vista, a produção aborda questões como sexo, trabalho, relacionamentos, família, solidão, medo e desejo de viver em estado de isolamento. No elenco estão nomes como Gregório Duvivier, Victor Lamoglia, Thati Lopes, Martha Nowill,  Katiuscia Canoro, Yuri Marçal, Rafael Portugal e Samantha Schmütz.

O diretor Pedro Coutinho, da dupla Coutinho & Batti (Vetor Zero), escreveu e dirigiu o episódio "Sem Saída", que traz dois jovens (Victor Lamoglia e Thati Lopes) no início de um relacionamento. Eles são pegos pelo isolamento. Um mês depois da convivência forçada, o casal está prestes a se separar. Nada mais parece ser como antes, até na cama. O jeito é apelar para uma terapia de casal online.

O Clubeonline mostra nesta entrevista com Coutinho um pouco dos bastidores da série. O diretor narra a complexidade de trabalhar remotamente em um projeto desses. E conta como fez parte de "5X Comédia".

No ano passado, apresentamos uma visão por dentro de “Bom dia, Verônica” (Netflix) em entrevista com Rog Souza, um dos diretores da série. Ele abordou os desafios de trabalhar em um projeto de ficção após dez anos atuando na publicidade (reveja aqui).

Clubeonline - Como surgiu o convite para você participar da série?

Pedro Coutinho - A Monique Gardenberg, que criou a peça, junto com sua irmã, nos anos 90, assistiu ao meu longa (“Todas As Razões Para Esquecer”) e me chamou. Na verdade, ela me mandou uma mensagem, se não me engano, em abril do ano passado falando que estava indo vender o projeto para a Amazon. Na época, ela tinha apenas cinco sinopses de histórias. Uma dela era um casal fazendo terapia durante a pandemia. Eu lembro que, quando conversamos sobre o meu longa, ela falou que se divertiu bastante com a relação disfuncional que o protagonista tinha com a sua terapeuta. Então, a Monique foi muito direta perguntando se eu não tinha interesse em transformar aquela sinopse, do casal fazendo terapia, num roteiro de 25, 30 minutos e dirigi-lo. Obviamente, aceitei imediatamente, mesmo antes de o projeto ser vendido para a Amazon.

Clubeonline - Como foi sua trajetória da publicidade ao primeiro trabalho de ficção?

Coutinho - Comecei como estagiário de direção em publicidade na Conspiração no Rio (sou carioca) em 2003, 2004. Logo depois, fui estagiário também de direção num longa do Bruno Barreto (“O Casamento de Romeu e Julieta”). Ou seja, desde o começo da minha trajetória criei uma relação paralela entre publicidade e ficção. Em 2005, vim para São Paulo trabalhar no “Cheiro do Ralo”, do Heitor Dhalia, e depois resolvi ficar em São Paulo, onde construí uma carreira como assistente de direção na publicidade, trabalhando para diversos diretores, inclusive o próprio Heitor. Confesso que não era um grande assistente. Acho que ficava pensando mais nos planos e movimentos do que na organização da filmagem em si (rsrsrsrs). No entanto, adorava tocar os testes de elenco. Em 2008, dirigi meu primeiro curta-metragem, “O Nome do Gato”. O filme foi selecionado para diversos festivais, como o do Rio e de Shanghai. Logo depois dessa experiência na direção, senti necessidade de estudar cinema mesmo, já que eu sou formado em publicidade na PUC-Rio. Fui fazer um mestrado de cinema, com foco em roteiro e direção na Columbia University (NY). Foram três anos de muito aprendizado. Na minha volta, fui convidado para dirigir publicidade na Paranoid, por volta de 2013. Naquele momento, iniciei de fato minha carreira como diretor publicitário, mas também sempre fazendo ficção ao mesmo tempo. Realizei meu segundo curta, “O Jogo”, que foi selecionado para mais de 50 festivais, sendo premiado em países como EUA, Inglaterra, Croácia, Índia e Brasil. Além de ter dirigido a segunda temporada da série “Elmiro Miranda Show” (TBS). Fora isso, ao longo desses anos, construí um percurso como roteirista. Fui head writer da série “Eu, Ela e 1 Milhão de Seguidores” (Multishow). Desenvolvi projetos para Fox e Globoplay. Escrevi roteiros para cineastas como Bruno Barreto e José Henrique Fonseca. Entre 2016, 2017, decidi fazer meu primeiro longa. Escrevi um roteiro que coubesse num orçamento micro, pensando já nas locações que poderia usar de graça. Na época ainda estava dirigindo publicidade na Paranoid e fui super incentivado pelo Egisto Betti (sócio da produtora) para darmos um jeito de realizá-lo. Chamei um monte de amigos e rodamos tudo em três semanas. Daí surgiu o “Todas As Razões Para Esquecer”, que é um projeto do qual tenho muito orgulho. Ele foi também selecionado para diversos festivais importantes: Rio, São Paulo, Havana, São Francisco, entre outros, além de ter sido indicado como melhor longa de comédia no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Hoje está disponível na Netflix. O legal é que o longa também deu muita visibilidade para fazer publicidade e ainda dá, mesmo neste momento.

Clubeonline - Como foi o processo de desenvolvimento do roteiro de "5X Comédia"?

Coutinho - A Monique foi muito aberta desde o começo, mostrando-se sempre entusiasmada com as ideias e possibilidades de caminhos que fui construindo, junto com o Lucas Calmon, que escreveu comigo o episódio. Se olharmos a peça “5X Comédia”, desde sua criação, ela é uma mistura de comédia dramática com o absurdo. O humor acaba aparecendo muito mais nas situações e conflitos vividos pelos personagens do que na piada plantada no texto. Partindo dessa perspectiva e acrescentando o tema da pandemia com um casal em crise, fazendo terapia, criamos uma situação absurda do cotidiano, na qual um casal vai para lados completamente opostos na forma como lidam com o primeiro mês de confinamento. Lucas (Victor Lamoglia) fica obcecado por informações catastróficas, principalmente ditas por um futurólogo youtuber que ele passa a escutar diariamente. E a Gabi (Thati Lopes) passa a querer se desligar totalmente do mundo exterior, vivendo uma vida desregrada de festas virtuais no Zoom. Além da Monique, a troca com a Amazon foi muito bacana e essencial, durante todas as etapas de desenvolvimento do roteiro. Eles estiveram muito presentes sempre trazendo questionamentos e sugestões que só fizeram crescer a história. Fora isso, a escolha do elenco foi também uma proposta minha que foi super bem acolhida por todos, pois como iríamos ter de filmar tudo remotamente, eu precisava ter um casal real. Já era admirador do trabalho tanto da Thati quanto do Victor, inclusive já tinha cogitado eles para um longa que quase fiz em 2019. Foi natural a indicação deles como protagonistas do episódio.

Clubeonline - Quais foram os maiores desafios de dirigir no meio da pandemia?

Coutinho - Talvez tenha sido o projeto mais penoso que dirigi até agora. Olha que já fiz muito projetos complicados, principalmente por limites orçamentários, como o meu longa que tinha um orçamento micro. Nesse caso era mais complexo que isso, pois tive que dirigir todo o episódio remotamente. E dirigir qualquer coisa de forma remota é muito limitador, ainda mais quando se para pra pensar que essa é uma série original da Amazon, que vai estar disponível no mundo inteiro. Ou seja, gera uma tensão gigante, do tipo: “e se esse negócio ficar uma merda?!”. Ao mesmo tempo é muito desafiador pois como diretor você tem de saber contar a história e também saber solucionar obstáculos que aparecem o tempo inteiro durante o processo. O fato de ter de fazer tudo remoto já veio no combo desde que topei. Portanto, quebrei muito a cabeça tentando trazer uma linguagem moderna e interessante para o espectador, mesmo com todas essas barreiras. Além disso, por causa dessas condições, o processo anterior a filmagem foi muito importante. Ensaiei bastante com os atores, principalmente com o Victor e a Thati, pois sabia que quando a gente estivesse no set não ia ter tempo para bater o texto, já que eles iam estar ocupados em várias outras funções. Não foram ensaios só de leitura. Foram trocas que tivemos de experiências pessoais e sobre a pandemia. Isso foi muito importante para criarmos uma intimidade para que na filmagem, mesmo distantes, pudéssemos nos sentir próximos. Além disso, precisei pensar muito na decupagem, me colocando um limite de quadros que eu poderia fazer por dia. Sempre me questionava se eu realmente precisava fazer esse ou aquele enquadramento para contar a história do episódio porque o cumprimento dos horários e a própria energia dos atores seriam determinantes para o funcionamento das diárias. Foi necessário um mergulho de cabeça na estrutura do texto. O próprio roteiro tinha uma abertura visual que me ajudava a ter um tipo de decupagem que eu poderia variar o ponto-de-vista da história: a espinha dorsal do episódio é uma sessão de terapia, em que cada um dos personagens tem uma ótica diferente sobre o outro. Então, a construção das cenas passou muito por questionamentos básicos como: “quem é o protagonista da cena? Como faço para deixar claro seu sentimento naquele momento?”. A partir daí, naturalmente fui concebendo cada momento, sem esquecer do arco dos personagens e que sensação visual era importante transparecer em cada instante do episódio.

Clubeonline – Foi preciso ter uma equipe mínima in loco? Como se cuidava de maquiagem, luz, captação do áudio?

Coutinho - Cada episódio foi um caso à parte. Especificamente no que fiz, nós alugamos uma casa para o casal. Antes da entrada deles, foi feita uma pequena intervenção de arte e de iluminação, com acompanhamento meu, do fotógrafo e do diretor de arte. Após isso, a casa foi totalmente higienizada e a Thati e o Victor entraram. A partir daí, eles se viraram fazendo diversas funções. Tem um vídeo que a Thati postou no Instagram dela que mostra um pouco como foi. Por causa de todas essas dificuldades, tivemos de dublar algumas cenas na pós, pois a captação de áudio não foi tão efetiva em vários momentos.

Clubeonline - Quais são as principais diferenças entre dirigir publicidade e ficção?

Coutinho - A maior diferença está nos processos de cada um. Na publicidade existe uma relação direta com a agência e com o cliente, além de saber que você está contando uma história para vender um produto para um tipo específico de público. Por isso, a troca constante entre os três é sempre muito saudável para o processo, já que, normalmente, a velocidade para a realização do filme comercial é muito intensa. Inclusive, desde o ano passado, na direção da publicidade, eu acabei me juntando com o Eduardo Battiston, formando uma dupla (Coutinho&Batti), por ambos acreditarmos, de fato, que quanto mais ideias agregadas no processo, melhor a entrega. Somos amigos há bastante tempo e temos formações complementares, ele como criativo e eu vindo mais da área de cinema. Portanto, isso só acrescenta camadas ao nosso trabalho. Já em séries também existe um cliente, mas o processo é mais longo. Você tem um trabalho de maturação de texto, na relação com os atores, apesar do ritmo das filmagens ser muito intenso – é necessário rodar diversas páginas por dia. Por último, temos os longas em que, pelos menos na maior parte dos casos, no Brasil, existe uma maior liberdade criativa, mas também limites financeiros maiores. Recentemente, tive um roteiro meu (“Caranguejo Rei”) selecionado para laboratório de Cine Qua Non no México. Estamos agora tentando viabilizar, mesmo com todas as dificuldades vividas pelo setor neste momento. No final das contas, independente do meio, seja publicidade ou ficção, você tem de pensar qual a melhor maneira de contar uma história e é isso que me move 100%: me dá ânimo, me dá insônia, me dá fome, me tira fome, faz eu me questionar, ao mesmo tempo me traz respostas, enfim é isso que amo de fazer!

Clubeonline - A experiência com “5X Comédia” trouxe que lições importantes para você na área de publicidade e na de conteúdo?

Coutinho - Acho que a principal lição que tive nesse projeto foi compreender ainda mais a importância da pré-produção, que é uma etapa do processo que eu sempre dei muito valor, mas nesse projeto ela foi essencial para poder dar certo. Às vezes na publicidade alguns processos são extremamente corridos. Por isso, passei a acreditar, muito depois desse projeto, que qualquer tempo que existe ainda da filmagem é preciso aproveitar, especialmente agora neste momento de pandemia. Eu e o Battiston já temos um processo nosso de ensaiar com os atores antes da filmagem nos nossos comerciais, além de testar o máximo de situações possíveis antes da filmagem mesmo. Falando mais especificamente do “5X Comédia”, fiz plantas baixas de todas as cenas com as posições dos atores para eles entenderam onde se colocarem, fora desenhar todos os quadros, coisa que nunca tinha feito antes em conteúdo. Inúmeras reuniões com figurino, arte, etc. Essa preparação ajudou muito para poder realizar o roteiro inteiro.

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