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Causas e conflitos aumentam diálogo entre marcas, público e Globo
Quando se entra no BBB, uma das grandes certezas é não ter certeza sobre o que vai acontecer. Não se trata de mera frase de efeito, tanto para os participantes quanto para os anunciantes presentes no reality. Por mais preparadas que as marcas possam estar sobre o programa, o fato é que elas devem estar prontas também para a adaptação de estratégias já que acontecimentos inesperados podem mudar planos de uma hora para outra.
Essa é uma das conclusões de encontro promovido pela Wunderman Thompson sobre o BBB21, uma edição recordista de anunciantes (oito) e com o recorde mundial de rejeição de um participante (99,17%), a rapper Karol Conká, o que dá o tom de quanto o programa tem movimentado o público.
Se antes bastava para a marca bancar uma prova ou uma festa, hoje ela tem de estar conectada aos humores e às reações da audiência e, claro, também dos participantes. Essa medida é decisiva para definir se é necessário entrar em alguma conversa estabelecida pelos fãs do BBB ou até ter uma conversa com a própria Globo, que determina as regras do jogo. O que se aplica, sobretudo, quando há polêmicas. E não faltaram polêmicas nesta edição.
“Por mais que estejamos preparados, com 30 pessoas trabalhando, e mesmo com todos os cenários possíveis, na hora pode rolar uma dúvida. O momento de decisão é muito crítico e precisamos de agilidade para mudar o curso. O programa é uma constante interação”, contou Poliana Sousa, líder de Coca-Cola Latam.
A marca tem um caso que ilustra a necessidade de agir rapidamente, mesmo diante de algo que, em tese, já estava previsto. A Coca-Cola patrocinava uma prova de líder em um momento em que o Brasil estava contra Karol (principalmente em virtude do tratamento que ela havia dado a outro participante, o ator Lucas Penteado). No centro do jogo estavam as latas com letras do alfabeto, uma novidade. Ganhava a liderança da semana quem ficasse com a palavra “otimismo” numa disputa que teve diversas trocas. Ao final, a liderança coube à rapper, causando uma avalanche de comentários negativos no Twitter, plataforma que o público transformou em extensão de realities. E, em meio a esse clima, sobrou para a marca. O que fazer? A Coca-Cola se adaptou à situação. Foi para o Twitter e postou uma resposta, formando com as latinhas a sigla S.O.S. e dando seu recado: “Pelo jeito o círculo de oração não deu certo”. Poliana revelou que a resposta teve 1,6 milhão de interações. Mais do que obteria um post com apoio de mídia.
Cenários desenhados
O BBB se tornou palco para debate de temas importantes da sociedade, de diversidade a racismo, de machismo a gordofobia, de cancelamento a bifobia. Em virtude disso, é importante estabelecer cenários que envolvam esses assuntos. “A gente estuda muito seis meses antes do programa. Vê cases do BBB e de outros realities. Isso faz diferença”, afirmou Keka Morelle, CCO da WT Brasil.
As informações ajudam a guiar manobras estratégicas. “Não conseguimos prever, mas nosso papel é construir cenários. Somos condutores de conversas e, às vezes, produtores”, disse Stella Pirani, chief strategy officer da agência, que tem 97 profissionais envolvidos com o BBB.
No caso do post com o S.O.S., tinham sido estabelecidos 15 cenários. Ao analisarem a temperatura das redes, os times envolvidos – da WT e da Coca-Cola – trocaram mensagens (muitas pelo WhatsApp) e decidiram mudar a estratégia. “Marcas não precisam tomar partido, mas devem se posicionar”, completou Stella.
As causas que entram nas conversas dos participantes mobilizam os anunciantes a tal ponto que não é raro que eles comentem entre si os rumos do que se passa na casa do BBB. “A gente vê as marcas se apoiando. Elas encontram pontos de conexão”, declarou Keka. Diante disso, poderia haver mais interação e mesmo cocriação? Na opinião de Poliana, sim. A troca de posts nas redes sociais acontece entre marcas, mas poderia ocorrer mais, em razão da defesa de valores comuns. “Há espaço para fazer mais”, reforçou a executiva.
Com tantos temas no radar dos anunciantes, acabou por se destacar nesta edição um assunto que não tinha recebido esse foco, apesar de o mundo ainda atravessar uma pandemia: o bem-estar mental. A audiência do programa acompanhou com atenção o que se passou com Lucas Penteado na casa, com muita gente temendo pela saúde psicológica do participante – que decidiu sair por não suportar a pressão dos demais sobre ele. “Houve uma surpresa, sim. O tópico da saúde mental”, declarou Danielle Bibas, vice-presidente de marketing da Avon Brasil.
Sala de escuta
Coube aos patrocinadores fazer o debate em torno do tema com a Globo. Como Danielle explicou, a emissora é quem estabelece as regras. Mas as marcas têm abertura para discutir esses assuntos com ela. Existe até mesmo uma “sala de escuta”, como se chama o espaço em que os anunciantes dialogam com a Globo.
A “sala” se abre toda semana para receber o feedback das empresas, em especial nos momentos polêmicos ou de conflito. Danielle conta que a emissora ouve o que os anunciantes pretendem fazer e destaca que a emissora tem também de fazer a gestão de sua própria marca.
Assédio psicológico
Essa troca pode ajudar a moldar as regras da próxima edição. “No episódio do Lucas, tivemos conversas profundas. Algumas coisas podem ser aplicadas para o ano que vem. Já existem muitas regras. Quando o assédio psicológico pesou, discutimos isso. Se existe agressão física, pode ter expulsão. E se houver agressão psicológica? E se houver assédio moral? E se houver verbalização de racismo? Temos de discutir como trazer isso à tona”, disse Danielle.
Vale acrescentar que Lucas foi escolhido pela Avon para ser embaixador da marca. Antes de ser anunciado como garoto-propaganda, o ator participou de uma live (#ConversaTáOn) com Astrid Fontenelle, que debateu temas como racismo, sexualidade, amor e acolhimento (leia aqui). Recentemente, Lucas estreou a nova campanha da marca, que segue o conceito #AvonTáOn. Criada pela Wunderman Thompson, ela promove a linha de maquiagens Power Stay e o novo gel de sobrancelhas de longa duração. O filme mostra o ex-BBB e outros três personagens em suas "provas diárias de resistência" (veja aqui).
História
Como se aprende no BBB, não se tem controle sobre a sucessão de fatos. “Só se arrisca a ganhar quem joga”, observou Samantha Almeida, head do Twitter Next. E isso não se limita a realities. De acordo com ela, é importante acompanhar o que se expressa coletivamente no cotidiano. Para Samantha, “alerta war room”, um sinal associado a momentos críticos do BBB, é um novo estado de normalidade. “Você pode ser convocado para o jogo a qualquer momento. Somos chamados para um lugar de responsabilidade que não tem volta”, afirmou.
Um momento crítico surgiu nesta semana no BBB21, quando outro participante, o professor João Luiz, foi atingido por um comentário racista do cantor Rodolffo, que fez piada sobre seu cabelo. João expôs o caso ao vivo, em uma situação que entrou para a história do programa.
O episódio, que já ganhava fervura nas redes, teve sua temperatura amplificada a partir da revelação de João. A tal ponto que um novo momento se construiu na edição. O apresentador Tiago Leifert, após encerrado o processo de votação – Rodolffo estava entre os indicados ao paredão -, tomou a palavra para fazer um trabalho de educação sobre o tema, o que emocionou os participantes, entre eles a influenciadora Camilla de Lucas, parceira de João no jogo. É de se imaginar que, mais uma vez, a “sala de escuta” esteve ativa para debate entre as marcas e a emissora a respeito desse caso.
"O BBB é um programa de alta visibilidade", ressaltou Poliana, poucas horas antes do programa desta terça-feira, 06. “Ele é palco para esse tipo de discussão. O BBB gera reflexões importantes”.
Rodolffo foi a escolha do público para a eliminação.
Aprendizados
Danielle, da Avon, comentou que, quando fecharam o patrocínio do BBB21, a empresa adotou “duas réguas”. Uma se refere ao planejamento. Outra é orgânica. “É impossível planejar tudo. Montamos um sistema de governança, de alinhamento, para saber em quais conversas entraríamos. Um dos primeiros temas era o racismo, até pelo elenco. Nossos times precisavam de velocidade e é necessário um grande trabalho de bastidores”, contou.
Como o BBB vive de polêmica, Danielle considerou que o programa é para “gente grande”. Quem quiser entrar nos assuntos polêmicos tem de ter coragem (a marca se manifestou no Twitter a respeito da conversa de Tiago com os participantes sobre o episódio de racismo, ressaltando a importância de entender a dor do outro). Segundo ela, o aprendizado é enorme sobre gerenciamento de comunicação. Porque é fundamental alinhar todo mundo.
Samantha destacou que “pensar junto” não se limita às estratégias de comunicação. Isso vale para a realidade do mundo. “Perspectivas diferentes precisam coexistir”, disse. É essencial entender mais do comportamento do público. “Não somos só gestores. Precisamos ser filtro. A gente precisa ter capacidade de ouvir e filtrar. O que acontece num BBB são conflitos da realidade, são conflitos da vida, que estão na TV”.
Em relação à saúde mental, a head do Twitter Next salientou que é preciso cuidar desse lado também com os times que acompanham as conversas associadas aos temas dos realities e dos profissionais que fazem os filtros. Afinal, quando há casos de machismo ou racismo, por exemplo, isso pode tocar em pontos pessoais. “Procuramos a melhor faculdade, verificamos se tem inglês, mas agora a gente tem de colocar a humanidade em foco. É importante escolher os times de forma cuidadosa porque lidar com esses assuntos demanda maturidade. E nós devemos pensar nos suportes que oferecemos aos times”, acrescentou.
Lena Castellón