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Yuval N. Harari : 'A verdade dói e é + fácil acreditar em teorias da conspiração'

21.06.21

Para quem leu os best-sellersSapiens”, “Homo Deus” e “21 Lições para o Século 21”, o pensamento de Yuval Noah Harari deixa bem clara a importância do storytelling para o desenvolvimento da raça humana. Em um seminário conduzido por Neil Lindsay, vice-presidente de marketing da Amazon, o historiador e filósofo tratou da relação da arte de contar histórias para a evolução da sociedade e o papel das marcas nesse contexto.

"Depois de ler o livro 'Sapiens', eu refleti sobre a importância do storytelling para a sobrevivência de civilizações, e também fiz um paralelo entre o sucesso dessas sociedades e a evolução das marcas", afirmou Lindsay, questionando Harari sobre seu conforto em ver da mesma forma um paralelo entre a sociedade e as marcas. "Completamente. As nações são marcas, as religiões são marcas, deuses são marcas, o dinheiro é uma marca. Todas as grandes estruturas das sociedades humanas ao longo da história são marcas", iniciou Harari.

Em suas obras, ele defende que o sucesso da raça humana em relação a outros tem a ver com a capacidade de contar histórias, trabalhar em grupo, organizar-se em línguas e com o storytelling. "Quando olhamos para indivíduos sapiens como nós, não somos mais fortes que neandertais ou chimpanzés, ou mesmo um elefante. Perderíamos uma luta contra porcos ou lobos. O que nos torna realmente especiais é a capacidade de cooperar em meio a um grande número de pessoas. Os chimpanzés não conseguem cooperar em mais de centenas de indivíduos, por exemplo. Os neandertais só conseguiam cooperar com os outros que eles conheciam diretamente. Nós cooperamos em bilhões de estranhos", diz Harari. Pessoas que nunca se conheceram e produzem uma camiseta, ou fazer uma conferência de internet, como ele brinca. "O storytelling é a base de qualquer cooperação humana em grande escala, sempre há uma história ficcional, seja sobre deuses, economias, nações", diz.

Harari questionou Lindsay sobre o storytelling por trás da força da Amazon, o que inclui a ideia de buscar o crescimento em meio a um ecossistema que inclui experiências de consumidor, vendedores, preços, seletividade e custos baixos, entre outros itens. "Uma das bases da Amazon é que o crescimento está a serviço de um custo baixo, que está a serviço de preços baixos. Se as pessoas tiverem uma boa experiência, vão falar para os outros. É a melhor forma de publicidade, e grátis. Ser uma grande marca tem tudo a ver com experiência do consumidor", afirma.

Outro tema da conversa: o que faz uma história ser envolvente? Harari diz que por milhares de anos os imperadores tentaram descobrir isso. "Diria que na competição entre histórias, não é a mais verdadeira que vence. A verdade às vezes dói e as pessoas não querem ouvir a verdade sobre elas, a tribo ou a nação. A verdade tende a ser complicada e vimos isso no ano passado com a crise da Covid. Para realmente entender como uma pandemia funciona. É mais fácil acreditar em uma teoria da conspiração. Uma das coisas tristes sobre a história humana é essa desvantagem da verdade. E você precisa fazer um esforço pessoal para estar fiel à verdade e realidade, conforme você cria sua história e sua marca", analisa.

Além disso, questiona Harari, como é inesperada a verdade. "Se olharmos a religião e a economia, quando elas são bem-sucedidas parece óbvio. E também, vemos as histórias e marcas que conquistaram o mundo, e parece simples. Mas se você fala com as pessoas antes disso, elas não previram aquilo", reflete o historiador, que questionou o executivo sobre como as marcas lidam com a distinção entre promover suas histórias e ser leais ao fundamento de falar a verdade.

Lindsay concorda que a verdade nem sempre é interessante. Mas você precisa escolher as melhores histórias para construir sua marca.

Covid

Embora ainda seja cedo para dizer, Harari acredita em impactos de como a pandemia mudará a forma como contamos histórias uns aos outros. "Não sabemos a forma final da Covid e, em muitos lugares, ela inclusive está piorando. Em termos de storytelling, ela certamente impacta a forma como pensamos sobre nós mesmos. As pessoas perceberam o quão vital é a conexão humana. Depende de nós o que será. A pandemia, por um lado, aumentou as tensões, ódios e ilusões pelo mundo. Se culparmos a pandemia por estrangeiros, minorias e falarmos sobre teorias da conspiração, o resultado será mais ódio e ignorância. Mas podemos escolher espalhar outras histórias e focar na necessidade de cooperação global, generosidade. E de como, durante a crise, todos ajudaram uns aos outros. E mirar também no valor da ciência e verdade. Essa decisão de cooperação precisa ser feita pelas pessoas, governos, estações de TVs, e todos", analisa.

Para Harari, a história mais bem sucedida de todas é a do dinheiro. Algo que quase todos acreditam. “O dólar é apenas uma história, não pode beber ou comer. Essa é a história mais bem contada e cria confiança entre esses atores diferentes. Pode ir à loja, se a pessoa não quiser o dólar, acaba a história. Tudo que acumula no banco não é nada. Mas entender como você cria confiança em torno disso, é uma grande história", resume. No caso da Amazon, diz Lindsay, a confiança é algo que se conquista todos os dias.

O executivo perguntou a Harari sobre a equidade de gênero e o historiador afirmou que essa é uma das histórias que lhe dá mais esperança sobre o futuro. A revolução feminista e a mudança na relação entre os gêneros não foi apenas uma das maiores evoluções sociais da história da humanidade, mas é única porque foi pacífica. As pessoas acham que para mudar coisas fundamentais da sociedade precisamos de guilhotinas e gulags e violência. Essa revolução não apenas mudou uma das relações mais fundamentais, mas fez isso em paz. Sem guerra, sem prender ou matar ninguém. Isso me dá esperança que podemos melhorar a sociedade humana, e fazer isso em paz", diz.

Como pensamento final, Harari disse a Lindsay que, no final das contas, devemos lembrar que as marcas são pensamentos que existem em nossa imaginação. "Nós as criamos para ajudar as pessoas. As marcas não podem sofrer ou ser felizes, porque elas não têm mentes ou sentem. Já os humanos, eles sofrem e podem ser felizes. Então, você precisa garantir que as pessoas estejam felizes, e não as marcas", ensina.

Por Felipe Turlão, especial para o Clubeonline

A cobertura do Cannes Lions 2020/2021 pelo Clubeonline tem o patrocínio de Santeria, Surreal Hotel e VMLY&R.

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