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GPs, causas e marcas. Muito a se pensar sobre...
Proteção aos corais, passando por incentivo de crédito para mulheres, até solução para desperdício na produção de abacaxis, transformando dejetos em um tipo de tecido. Essas são algumas das ideias criativas relacionadas a causas sociais e ambientais que foram coroadas com Grand Prix no Festival de Cannes deste ano.
A impressão que se tem, ao mirar nos vencedores do prêmio máximo, é que trabalhos que são norteados por alguma causa dominaram o Cannes Lions 2022. Num exame mais atento à lista dos GPs deste ano, pode-se considerar que pelo menos 26 cases têm ligação com algum tipo de "bandeira" e somente cinco são mais voltados para marcas propriamente ditas (confira todos os GPs desta edição aqui).
Poderia ser considerada a hipótese de que o cenário pandêmico teria aumentado a associação das marcas às pautas socioambientais. De fato, também no Festival de 2020/2021, em meio à crise sanitária, econômica e social provocada pela covid-19, ideias relacionadas a causas reinaram quase absolutas entre aquelas que abocanharam Grand Prix: foram 37, contra seis mais especificamente voltadas às marcas.
No entanto, antes de a pandemia se instalar e colocar uma lente de aumento sobre os problemas estruturais da sociedade, escancarando as terríveis desigualdades e as graves ameaças climáticas pelas quais a humanidade passa, as ideias que tinham relação com causas já eram “queridinhas” do Cannes Lions. Em junho de 2019, o Festival premiou com GPs 21 ideias que tinham relação com causas e apenas oito mais voltadas a marcas. Ou seja, esse movimento já era uma tendência anterior à pandemia, segundo levantamento realizado pelo Clubeonline.
Mercadologicamente, pesquisas apontam que cada vez mais o consumidor está atento ao envolvimento das marcas em questões sociais. No Brasil, estudo realizado recentemente pelo Instituto Locomotiva e pela consultoria Cause para o movimento ModaComVerso, da Associação Brasileira do Varejo Têxtil, mostrou que cerca de 80% dos entrevistados deixariam de adquirir produtos de marcas envolvidas em denúncia ou acusação envolvendo causas sociais; 76% estariam dispostos a pagar um pouco a mais em itens de empresas comprometidas com causas socioambientais; e 48% dizem ter preferência por produtos de companhias da indústria têxtil que apoiem causas. Para atender ao seu público-alvo, mais preocupado com essas questões, as marcas foram obrigadas a adotar uma nova postura em relação ao tema.
Teoricamente, seria um avanço. Empresas preocupadas com um mundo melhor, um planeta saudável, uma sociedade mais justa. E isso estaria sendo refletido na comunicação destas companhias e nos GPs distribuídos em Cannes. Mas um questionamento bastante comum e pertinente entre os profissionais da indústria traz a seguinte reflexão: “é para valer?”, isto é, as marcas realmente querem ajudar a promover mudanças e colaborar para avanços nas pautas nas quais estão envolvidas ou trata-se apenas de maquiagem para aparecer “bem na foto” e agradar o consumidor? As ideias que ganharam GPs de fato ajudam a modificar vidas ou o prêmio só enfeita a mesa da agência que criou a campanha e faz a marca parecer cool?
O movimento do pêndulo
Na apresentação dos trabalhos premiados, diversos presidentes de júri apontaram que apoiar uma causa é importante, como também é importante vender. Como se viu, no entanto, ter um projeto ligado a uma bandeira vem pesando mais, nos últimos anos.
Jurado de Titanium, Luiz Sanchez, sócio e chairman da AlmapBBDO e CCO North America da BBDO, observa que a propaganda sempre foi reflexo da sociedade e que estamos vindo de anos muito duros, não apenas por conta da pandemia. “Temos um amadurecimento das redes sociais, porém, ao mesmo tempo, temos uma polarização muito grande. As pessoas têm usado as redes mais para se baterem e menos para praticarem a empatia”. Ele destaca também o agravamento da violência no cenário em que vivemos hoje.
Esses problemas têm gerado muitas conversas. Fora isso, nas palavras de Sanchez, as marcas e o próprio Festival vêm abordando já há algum tempo o tema do propósito. Por isso, ver tantos cases direcionados a causas responde a uma tendência da sociedade. “Acho que, nos próximos anos, vamos ver o pêndulo voltar um pouco para o meio. Nossa função é ser um pouco mais coloridos”.
Se ficarmos monocromáticos, se ficarmos falando apenas de propósito, a diferenciação será quase nula, disse. Daqui a dois, três anos, “a gente deve voltar a falar um pouco mais sobre produto, marca e serviços, criando desejos”. De acordo com ele, isso não quer dizer que as marcas devam parar de falar de causas e propósito. Não. É fundamental provocar transformações no mundo. No entanto, não devemos "restringir" a criatividade apenas para causas.
Um GP como “Real Tone”, para o Google, em Mobile, é um projeto que envolveu tanto a causa quanto o objetivo de venda (leia aqui sobre esse GP). “É uma forma de fazer essa transição acontecer”, avalia Sanchez.
O que premiar
Para Beto Fernandez, sócio da Activista Los Angeles, é fato que as novas gerações estão cada vez mais balizando suas decisões por empresas que tenham propósito. “E isso não é apenas no consumo. Vale também para a escolha de lugares para trabalhar”. Ou seja, as pessoas querem que as marcas se comprometam mais. Isso vem influenciando todo o marketing global. “Não é à toa que propósito tem aparecido mais nos briefings do dia a dia de todo nosso mercado”, completa.
Portanto, é natural que isso apareça em Cannes com força. “O que me incomoda nessa presença massiva de ideias é outra questão. Causas sociais e de sustentabilidade são tópicos muito sérios e importantes. E muitos têm necessidade de ação e soluções urgentes”. O que chama a atenção de Beto é que diversas ideias premiadas têm impacto real muito pequeno no que se propõem a fazer, seja ajudar o planeta, quebrar algum estigma ou mudar uma percepção.
Em seu entender, no caso de campanhas com propósito, deveria se premiar menos as ideias e mais o impacto que elas provocaram. De acordo com Beto, a indústria da comunicação precisa mudar nesse sentido. Em vários momentos, segundo ele, foram laureadas ideias mais teóricas do que práticas ou ideias que resolvem (muito bem) uma parte pequena de um problema muito grande.
Qual o real valor de um filme com uma bela mensagem e produção e uma nobre intenção se isso não promoveu uma transformação significativa diante da situação em questão? A preocupação não pode ser mostrar a “brilhante ideia que se teve” e sim conferir o alcance da proposta e se ela gerou frutos importantes.
O case “Ice Bucket Challenge”, da entidade ALS, conquistou 11 Leões em Cannes em 2015 e faturou o Grand Prix for Good. Beto lembra que, na época, houve quem criticasse a atribuição do prêmio porque a ideia não era original. No entanto, o projeto arrecadou US$ 115 milhões, sendo US$ 77 milhões para pesquisas científicas sobre a doença, ELA. Isso demonstra que a ação fez mesmo a diferença.
O assunto é complexo, ele reconhece. “Não se trata de não valorizar coisas que ganharam. Mas de focar em coisas que possam causar grande mudança e impacto”, reforça.
Protestos no Palais
Um dos protagonistas deste Cannes Lions, o Greenpeace soube aproveitar o momento para chamar atenção dos profissionais do mercado e da mídia que cobre o Festival. Com direito à devolução de um Leão conquistado em campanha de carro no passado (veja aqui), a entidade criou ações - no Palais e nos arredores - para mostrar ao mundo que a publicidade pode ser um obstáculo para o planeta enquanto estiver desenvolvendo estratégias de marketing e comunicação para a indústria que produz ou que utiliza diretamente combustíveis fósseis.
O Greenpeace francês distribuiu panfletos com o título “No awards on a dead planet”. Também convocou os delegados do evento a se juntarem à iniciativa europeia para banir a publicidade e ações de patrocínio bancadas por companhias dependentes de combustíveis fósseis, pelo site banfossilfuelads.org (mais detalhes aqui).
Por sua vez, o Greenpeace brasileiro saiu laureado de Cannes. A campanha “Los Santos +3°C”, criada pela VMLY&R para a instituição, conquistou 2 Ouros (em Entertainment e Entertainment Lions for Sport), 2 Pratas (mais uma vez em Entertainment e em Direct) e 2 Bronzes (em Direct e Radio & Audio). O case mostra as consequências das mudanças climáticas sobre uma cidade virtual do game GTA, Los Santos. Os jogadores recebem missões como resgatar refugiados climáticos (leia mais aqui). O objetivo da ação era conscientizar gamers sobre o que já está acontecendo no mundo físico.
A cobertura do Cannes Lions 2022 pelo Clubeonline tem o patrocínio de Asteroide, Canja Audio Culture, Côrtes e Companhia, Fantástica, Google Brasil, MugShot Produtora de Som, Publicis Brasil, Wunderman Thompson e Smiles.
Leia todas sobre Cannes aqui.