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Carta Aberta

APRO aponta 'impactos negativos' de produtoras in-house nas agências

09.11.23

O crescente número de agências de publicidade com estruturas de produtoras audiovisuais in-house é motivo de "preocupação e desconforto" para a indústria audiovisual independente, na avaliação da APRO (Associação Brasileira de Produção de Obras Audiovisuais), que divulgou uma carta aberta ao mercado, com o intuito de promover um debate sobre o assunto.

A APRO questiona a "transparência, ética e concorrência leal" dessas práticas, que, na avaliação da associação, podem "comprometer a livre concorrência, representando um desafio para os princípios constitucionais pilares da ordem econômica, bem como para aqueles estabelecidos na Lei 12.529/2011, que trata sobre a defesa da concorrência".

De acordo com o texto da APRO, quando competem com as produtoras independentes, as agências de publicidade teriam uma "vantagem injusta", por possuírem "informações privilegiadas". "Com o acesso completo às propostas financeiras e soluções criativas apresentadas por empresas produtoras concorrentes em seus orçamentos e tratamentos, cria-se margem para manipulações, apropriação e ajustes destinados ao favorecimento de suas próprias propostas internas".

A APRO também denuncia que as agências, em alguns casos, poderiam "priorizar a sua rentabilidade em detrimento dos melhores interesses dos seus clientes e dos projetos publicitários, recomendando serviços que podem não ser os mais adequados para aquela determinada campanha".

Além disso, segundo a entidade, há relatos de produtoras independentes "que participaram e perderam concorrências para unidades produtoras internas das agências e descobriram ao fim o aproveitamento parasitário de suas ideias criativas e metodologias produtivas apresentadas no processo concorrencial", apesar de os tratamentos apresentados pelos diretores e produtoras serem "objeto de proteção autoral". "O uso não autorizado destes materiais, assim, pode levar a um caso de violação de direitos autorais. Com a ausência de transparência nas informações, instaura-se uma legítima crise de confiança sobre a lisura e idoneidade destes processos concorrenciais, num questionamento sobre a eticidade de tais práticas".

Em pesquisa realizada pela APRO com produtoras associadas, sobre concorrência no mercado de produção publicitária61% dos entrevistados disseram que, nos últimos dois anos, observaram trabalhos assinados por outras empresas com parte das cenas
produzidas a partir dos seus tratamentos, utilizando parte da sua ideia criativa, sem que tenham autorizado o uso do trabalho.

Ainda de acordo com o levantamento, 73% consideram que, nos últimos dois anos, houve um aumento significativo na disputa por projetos publicitários, sendo que 45% avaliam que esse crescimento ocorreu devido à "internalização de times de produção audiovisual por parte das agências e aumento de grupos de produtora".

Na carta aberta, a APRO também sugere alguns pontos para serem adotados como "melhores práticas pelo mercado" (veja abaixo).

Confira abaixo o texto, na íntegra.

"A falta de transparência e os impactos negativos da prática de produção audiovisual interna nas agências de publicidade (in-house agency production)

A intensificação da presença de produtoras audiovisuais internas ou coligadas à organização e ambiente criativo administrados pelas agências de publicidade tem se evidenciado como uma área de crescente preocupação e desconforto para a comunidade de empresas produtoras audiovisuais independentes. Ainda que o tema não seja de todo inédito, as práticas comerciais que envolvem sua implementação nos moldes atuais levantam questões sobre a transparência, ética e concorrência leal que devem não apenas serem sinalizadas, mas igualmente discutidas por todo o mercado.

Embora se possa argumentar que a adoção de tais práticas comerciais pode trazer uma alegada eficiência econômica e uma rapidez nos processos, é inegável assentir que elas impactam diretamente interesses e direitos de várias partes envolvidas no mercado de produção publicitária. De início, tal prática pode comprometer a livre concorrência, representando um desafio para os princípios constitucionais pilares da ordem econômica, bem como para aqueles estabelecidos na Lei 12.529/2011, que trata sobre a defesa da concorrência.

Ao competirem diretamente com fornecedores externos e independentes, as agências de publicidade desfrutam de uma vantagem injusta, uma vez que possuem informações privilegiadas. Com o acesso completo às propostas financeiras e soluções criativas apresentadas por empresas produtoras concorrentes em seus orçamentos e tratamentos, cria-se margem para manipulações, apropriação e ajustes destinados ao favorecimento de suas próprias propostas internas.

Paralelamente, em alguns casos, as agências de publicidade podem priorizar a sua rentabilidade em detrimento dos melhores interesses dos seus clientes e dos projetos publicitários, recomendando serviços que podem não ser os mais adequados para aquela determinada campanha, afetando não apenas o investimento feito pelos clientes, mas ignorando também os esforços e custos que as demais
produtoras dispuseram para aquela concorrência.

A situação se agrava quando a presença de produtoras coligadas às agências de publicidade raramente é abertamente comunicada aos clientes anunciantes e às demais empresas produtoras concorrentes.

Igualmente discutível, são os relatos de produtoras independentes que participaram e perderam concorrências para unidades produtoras internas das agências e descobriram ao fim o aproveitamento parasitário de suas ideias criativas e metodologias produtivas apresentadas no processo concorrencial.

Vale lembrar, os tratamentos, storyboard e qualquer material que apresente soluções criativas apresentados pelos diretores e produtoras são objeto de proteção autoral. O uso não autorizado destes materiais, assim, pode levar a um caso de violação de direitos autorais.

Com a ausência de transparência nas informações, instaura-se uma legítima crise de confiança sobre a lisura e idoneidade destes processos concorrenciais, num questionamento sobre a eticidade de tais práticas.

A respeito, as 'Diretrizes de Compliance', guia de boas práticas publicado pela ABAP em 2019, recomendam que a indicação de fornecedores 'deve sempre ser baseada em critérios técnicos e objetivos, considerando-se a especialização e o notório conhecimento, e não em função de relacionamentos próximos, favorecimentos (...) ou qualquer ação que evidencie conflito de interesses, práticas e condutas antiéticas e non compliance'. Assim, orientam as agências a (i) realizarem contratações de terceiros por cotações fechadas com ao menos três fornecedores reconhecidamente aptos ao projeto, (ii) garantirem a gestão das informações recebidas e evitarem conluios ou fraudes em função do acesso de informações privilegiadas e (iii) que ajam sempre com clareza sobre a destinação dos recursos aportados pelo cliente.

Importa também notar que, as Normas de Habilitação e Certificação de Agências do CENP, em sua disposição 7.7.1.1., considera como 'incompatíveis' com as atividades das agências de publicidade o exercício destas, entre outras, com a produção audiovisual, deixando inequívoco o conflito de interesses encontrado nestas operações.

A APRO está determinada a trazer o tema à discussão pública, buscando desenvolver uma melhor conscientização de todos os agentes do mercado publicitário sobre os conflitos inerentes e os impactos desta prática comercial, com a finalidade de propiciar um ambiente negocial saudável, transparente e ético.

Nesse sentido, indicamos os seguintes pontos de reflexão a serem debatidos e eventualmente adotados como melhores práticas pelo mercado:

(i) Os participantes de uma concorrência devem, obrigatoriamente, ser informados abertamente aos demais concorrentes/licitantes, que deverão sempre ser limitados a no máximo 4 (quatro) diretores. A produtora licitante/concorrente deverá ser notificada quando uma empresa/diretor desistir e/ou outros concorrentes forem adicionados ao processo concorrencial. O resultado da concorrência deverá ser comunicado expressamente a todos os participantes. Nos casos em que o projeto de uma agência de publicidade não tenha sido 'vendido' ao anunciante, a agência deverá divulgar esta informação à produtora antes de solicitar quaisquer propostas, garantindo, assim, a total transparência do processo concorrencial;

(ii) As operações de produção internas ou coligadas devem ser identificadas claramente como tal quando as propostas são apresentadas, para ajudar a garantir que o processo de licitação seja realizado de maneira justa e direta;

(iii) As propostas financeiras e criativas (orçamentos e tratamentos) apresentadas pelas empresas produtoras devem ser encaminhadas aos clientes de forma inalteradas e simultânea;

(iv) O aproveitamento, ainda que a título de mera referência criativa, de conceitos e soluções criativas apresentados em tratamentos e demais materiais pelas produtoras não selecionadas deverá ser precedido de autorização e remuneração específica para o uso, sob pena de violação dos direitos autorais.

(v) Desenvolvimento de regras específicas para concorrências com a presença de unidades produtoras internas das agências de publicidade;

(vi) Desenvolvimento de regras e cláusulas específicas para reger os contratos entre anunciantes e agências de publicidade em relação à presença de empresas produtoras coligadas, direta ou indiretamente, das agências;

Por oportuno e até que o assunto seja suficientemente discutido por todo o mercado, a APRO manifesta publicamente a sua orientação a todas as suas produtoras associadas a se abdicar de apresentar tratamentos e/ou propostas criativas nos processos concorrenciais em que participem unidades de produção internas coligadas, direta ou indiretamente, às agências de publicidade.

A APRO segue sua missão na consolidação de um mercado publicitário pautado na construção de relações responsáveis e equilibradas, confiando na compreensão e colaboração de outras entidades, agentes e setores para compartilhar este objetivo em comum."

Carta Aberta

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