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Carioca que virou londrino
Nas últimas três colunas, escrevi sobre um paulistano que virou carioca: eu.
Hoje escrevo sobre um carioca que virou londrino: me.
Tudo começou no fim de 2016, quando minha mulher, meus filhos e eu mudamos para a Inglaterra, e comecei a perceber que, apesar de a maioria dos brasileiros achar Londres muito diferente do Rio de Janeiro, na verdade, as duas cidades têm muitas coisas parecidas. E muitos contrastes que, vistos por outro ângulo, viram semelhanças.
Dizem que em Londres chove muito, e realmente chove, praticamente todos os dias. Na verdade, umas gotas que surgem e desaparecem diariamente, a cada duas ou três horas.
No Rio de Janeiro cai um tremendo pé-d’água, três ou quatro vezes por ano, que provoca inundações e joga mais água na cidade que os chuviscos londrinos do ano inteiro. Às vezes, com direito a tragédias, fotos na capa dos principais periódicos e chamadas na abertura do Jornal Nacional.
A verdade é que, chova ou faça sol, cariocas e londrinos são parecidos da cabeça aos pés; cariocas não andam sem havaianas; londrinos não calçam sapatos antes de colocarem suas meias do Paul Smith. Cariocas têm sempre uma ideia na cabeça que, com uma câmera na mão, poderia virar um novo filme do Cinema Novo. Londrinos têm sempre um pensamento no cérebro que poderia estar numa coletânea de frases do Oscar Wilde.
Cariocas e londrinos são Cazuzas: exagerados. Acham que as melhores praias do mundo ficam no Rio; e que os shows da Broadway londrina são melhores que os da Broadway nova-iorquina.
Cariocas e londrinos, quando elogiam, não negam e, quando criticam, metem o pau mesmo.
Tratam suas cidades como um filho. Só eles podem falar mal.
Cariocas não marcam encontros; se encontram. Confirmar um convite não significa nada. Um vamos é apenas um vamos, não significa que vamos. Londrinos fazem exatamente igual, só que diferente: marcam meetings, appointments, encounters, dates. E comparecem.
Hora marcada no Rio é por volta ou perto do meio-dia. Hora marcada em Londres é pontualmente às 12h. Isso talvez explique a fama do Big Ben, que, apesar de estar a poucos metros do solo, tem uma popularidade parecida com a do Cristo Redentor, que mora lá no céu.
Para os cariocas, a vida não tem de ser profissional; tem de ser gostosa. Para os londrinos, a vida profissional também tem de ser gostosa: happy hour com a turma do escritório é sagrado.
O Rio tem fama de possuir as mulheres mais bem despidas do mundo; Londres tem fama de possuir as mais bem vestidas. Na verdade, são duas cidades com lindas mulheres.
A informalidade dos cariocas se aproxima do amadorismo. A formalidade dos londrinos supera o profissionalismo.
Cariocas gostam tanto do sol a ponto de repetirem a expressão “palmas para o sol, que ele merece” a maioria dos fins de tarde, no Posto 9, em Ipanema.
Londrinos gostam tanto do sol que, todas as vezes em que ele ameaça aparecer, correm imediatamente de bermudas e biquínis para o Hyde Park, o St. James’s Park ou o Regent’s Park.
Londres e Rio de Janeiro jamais dão aquilo que você já tem. Se você for de Paris, não procure a Rive Gauche em Londres porque não encontrará. Se você for de Buenos Aires, não procure a Recoleta no Rio de Janeiro porque ela não existe. Londres te dá Londres; Rio te dá Rio.
Tanto no Rio quanto em Londres, quando alguém não gosta de algum lugar, diz que é longe e, quando gosta, diz que é perto. O maior exemplo disso são os inúmeros cariocas que dizem que a Barra da Tijuca é longe, e que Búzios é logo ali.
Cariocas e londrinos bebem bastante, tanto em botequins quanto em pubs, chamam os garçons pelo nome e acompanham toda e qualquer partida de futebol.
Tanto londrinos quanto cariocas fazem questão de defender o maior rival do seu time, só para poder dizer que o futebol da sua cidade vai muitíssimo bem. Reconheçamos que, com o nível das equipes da Premier League, nesse quesito — palavra popularizada pelos desfiles das escolas de samba —, os londrinos têm vida mansa perto dos cariocas. Ou easy life, como diriam eles.
Washington Olivetto
Publicitário
washington@washingtonolivetto.com.br
Texto publicado no jornal O Globo
Leia texto anterior da Coluna do W.O., aqui.