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Elas Perguntam, Elas Respondem

Jessyca Silva (Monkey_land) e Nate Rabelo (We Are Magnolias)

08.03.22

Neste Dia Internacional da Mulher, o Clubeonline abre um espaço para a troca de experiências, ideias, dúvidas e reflexões sobre a mulher no mercado de comunicação.

No ano passado, montamos duplas formadas por profissionais que nunca trabalharam juntas antes. A experiência visa discutir o que evoluímos e analisar para onde vamos.

Retomamos o projeto neste ano. A série, que se estende ao longo desta semana, conta com a participação de quatro integrantes da diretoria do Clube de Criação: Joana Mendes (presidente), Jessyca Silva, Thamara Pinheiro e Mariana Mendes. Elas são parte da Chapa Preta, que venceu a eleição no ano passado.

O mais importante nesta proposta é a troca entre as profissionais convidadas. Para isso, elas tiveram liberdade de estabelecer duas perguntas para sua “dupla”. E responderam às duas encaminhadas por ela.

Abrimos a série com Jessyca Silva, que é redatora na Monkey_land e professora na Miami Ad School, e Nate Rabelo, sócia e diretora de cena da Santeria que faz parte da dupla We are Magnolias.

Jessyca Silva

Formada na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Jessyca Silva é redatora na Monkey_land, diretora do Clube de Criação e professora na Miami Ad School, onde foi aluna também. Na época em que estava na instituição como estudante, teve a oportunidade de trabalhar em diversas agências, no Brasil e no exterior. Tem passagens por Publicis Brasil, Mullen Lowe Brasil, Razorfish Berlin e Ogilvy New York.

Jessyca trabalhou ainda nas agências AlmapBBDO, CP+B Brasil, DPZ&T e Circus. Depois disso, decidiu atuar como freelancer. Nessa fase, passou por Tribal DDB, Energy BBDO, 99 app e Mesa Flagcx.

As questões enviadas por Nate Rabelo e respondidas por Jessyca Silva são as seguintes:

Nate - Na era onde nada se cria, muitas vezes se copia e pouco se transforma, qual seria o segredo para criar uma peça contemporânea, uma campanha, um filme ou meme autêntico na sua percepção? E como o olhar feminino pode abraçar essa lacuna no mercado na sua visão?

Jessyca - Tudo depende do briefing. Acredito que uma boa ideia não parte só da criação. Ela nasce no briefing, na necessidade e na vontade dos clientes em se arriscarem a tentar o novo e não seguir todas as tendências possíveis. A partir disso, tudo é referência, tudo é bem-vindo, desde que saibamos separar o que é válido para aquele momento. O que ainda vejo que falta na criação é a diversidade como voz, não só como foto de release, o olhar feminino, o olhar preto, o periférico, o fora do eixo Sudeste. Esses olhares são cruciais para ideias novas e diferentes. A diversidade é criatividade.

Nate – Como podemos caminhar para um comunicação mais inventiva, diversa e representativa abordando esses temas essenciais de uma maneira fresh, sem parecer ser um protocolo e sim uma normalidade? Como os líderes criativos e CEOs de grandes marcas podem ajudar nessa evolução societária?

Jessyca - A diversidade e representatividade precisam ser vistas como algo enriquecedor, não apenas como mais um protocolo, um check-list de boa índole. As minorias precisam de oportunidade, de espaço. Os melhores briefings, as maiores verbas, as inscrições em prêmios precisam estar na mão dessas pessoas. Temos muitos talentos desperdiçados pela manutenção de um sistema branco, hetero e masculino. Como ainda faltam lideranças mais diversas, aqueles que estão em uma posição de maior poder devem puxar e apoiar quem está começando, quem não tem as mesmas oportunidades sociais que eles tiveram.

Nate Rabelo

Sócia da Santeria, Nate Rabelo faz parte do selo We are Magnolias, dupla de diretoras de cena que, por meio de olhares femininos, busca inspirações cinematográficas e sensoriais na construção de cada narrativa. A dupla já assinou produções para Mitsubishi, Johnnie Walker, Budweiser, NFL, Spotify, Boticário, Coca-Cola e Natura, entre outros clientes. As Magnólias carregam também uma veia autoral em seu estilo. Elas desenvolveram, ao longo da carreira, curtas como The Grenade, Les Femmes, Blooming of Voidness e Desamores – seu projeto de estreia com o qual a dupla entrou no Staff Pick da curadoria do Vimeo. Elas assinam o clipe “Vogue do Gueto”, da rapper Karol Conká, que foi premiado com Ouro no festival El Ojo. As diretoras ganharam prata em direção de cena feminina no Anuário do Clube de Criação 2021 com projeto para Amil Saúde Mental.

As questões enviadas por Jessyca Silva e respondidas por Nate Rabelo são as seguintes:

Jessyca - Ainda bebemos muito da cultura americana. Como não deixar isso influenciar o trabalho e como criar narrativas visuais verdadeiramente brasileiras?

Nate O sonho americano já faz parte do nosso imaginário, e, como sociedade, fomos moldados para alcançar o conceito de felicidade americano através do cinema hollywoodiano, o que consequentemente criou referenciais ideológicos e padrões em escala global à nossa visão de mundo, muitas vezes bem distantes e distorcidas da nossa realidade. Certamente é importante olhar para fora e se inspirar, mas muitas vezes esquecemos de olhar para dentro e mergulhar nas nossas próprias origens e antepassados, enaltecê-los e encontrar a beleza ou a felicidade mesmo lidando com infelicidades, criando novos padrões e empatia com a nossa cultura e principalmente nos dando a coragem de assumirmos a nossa identidade.

Ressignificar esse olhar é um exercício diário de todo brasileiro. Vai além de ser um comunicador ou uma marca em uma era de likes e redes sociais, quando sabemos que o indivíduo se tornou um produto cultural influenciável. Nós temos o poder de escolha e podemos reverenciar as figuras, marcas e os produtos que resgatam a nossa cultura e o retrato do nosso povo para que a nossa fonte de inspiração esteja ao nosso redor.

Como indivíduo e como diretora de cena, acredito que é preciso matar a sede e beber da fonte exuberante brasileira nas pequenas inspirações que nos cerca para criarmos narrativas visuais autênticas. Seja através dos verdadeiros heróis e heroínas brasileiras ou até mesmo dando vida a novos heróis - dos clássicos, aos esquecidos ou invisibilizados - enaltecer a nossa diversidade e traços, nossos próprios movimentos artísticos, do modernismo de Tarsila do Amaral à literatura de Itamar Vieira Junior, do som psicodélico de Mutantes as palavras de Emicida, da lei Maria da Penha à força da jogadora Marta. Aos rituais de fé à espiritualidade, a dança e toda forma de expressão de um povo.

Essa mistura que é o Brasil, essa difusão de valores que nos define é o que reverbera socialmente no sentido de representar o povo, de você ser reconhecido, de ser um modelo de inspiração para o outro e, assim, construirmos o sonho contemporânea do que é ser brasileiro através de histórias emocionantes de superação, crenças e quebras de padrões, mas sobretudo explorar verdadeiras histórias com o plot twist da vida real que pulsa e principalmente impacta. Os novos personagens dessa trama, do meu Brasil, são inspirados na vida real, um país com mais trans na assembleia, com mais mulheres presidentas, e mais homens e mulheres pretas em cargos de liderança, e, nesse caminho de evolução, seguimos.

No audiovisual, acredito que são através desses recortes que iremos gerar uma nova percepção e transpor uma nova mise-en-scène brasileira para as telas do cinema, da propaganda e, principalmente, ressignificar o sonho de ser brasileiro, aquele que cada um carrega dentro de si.

Jessyca – Como você lida com os obstáculos provocados pelo machismo dentro da sua área?

Nate Nós, mulheres, precisamos provar sempre em dobro para conquistar nosso lugar de fala, as disputas por oportunidades são mais longas, e mesmo em condição privilegiada, a nossa conquista tem outro tempo. O machismo é estrutural e bate à nossa porta a todo instante. A quantidade de cargos de liderança masculina é esmagadora em relação às mulheres. É notável que os grandes roteiros e filmes são direcionados a diretores homens. Esse fato é algo que fere, mas que também nos encoraja. Nos faz querer desbravar o que parece ser intocável. Esse dado é chocante e certamente passa uma mensagem equivocada à sociedade, a de que nós, mulheres, não somos capazes de ocupar esses lugares.

Simplesmente, uma inverdade. Por isso, a minha luta é a busca da conscientização, do diálogo e da representatividade de mulheres desde a esfera política a grandes empresas e marcas, como um dever de responsabilidade social.

Hoje. como sócia da Santeria, temos um número equilibrado de gêneros no time de diretores de cena e estamos à frente da empresa, construindo essa liderança, criando um novo caminhar dentro da cultura da companhia, ocupando esse novo espaço para honrar a nossa trajetória e para ser exemplo para as futuras gerações de mulheres de que, sim, é possível sonhar e tornar esse caminho uma realidade.

Elas Perguntam, Elas Respondem

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