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Campanhas e compromissos de agências e marcas
O Ad Net Zero - programa lançado em 2020 pela Associação de Publicidade do Reino Unido, com o objetivo de ajudar o mercado a reduzir o impacto do carbono gerado pela atividade publicitária - tem como objetivo, dentre outras ações básicas, aproveitar o poder da comunicação para apoiar mudanças de comportamento.
“Acreditamos firmemente que a brilhante criatividade da indústria deve ser usada para impulsionar transformações positivas, em todos os setores da economia”, diz um de seus enunciados.
A atuação das agências junto aos anunciantes, para a definição de estratégias e campanhas que demonstrem o compromisso das marcas com o meio ambiente, é o foco da quarta parte da série "Emergência Climática", criada pelo Clubeonline.
Procuramos 42 agências para discutir o tema e apenas 12 aceitaram responder às questões que formulamos. Também foram acionadas 2 agências abertas por criativos brasileiros, que atuam com a comunicação voltada para a agenda ESG. Elas atenderam ao chamado prontamente (veja na primeira parte desta reportagem especial aqui).
Como pontua o Ad Net Zero, a ambição é que agências e seus clientes trabalhem em conjunto, utilizando a criatividade para lidar com a emergência climática e incentivar escolhas mais sustentáveis por parte das empresas - mesmo concorrentes -, apoiar inovações que proporcionem soluções mais ecológicas para os desejos e necessidades dos consumidores, e persuadir as pessoas a adotarem comportamentos que reduzam as emissões de carbono.
Pensando na importância da relação entre agências e anunciantes para avançarmos nesse sentido, perguntamos: há demandas dos clientes referentes ao tema? A agência se propõe a debater o assunto? Ou nenhuma das anteriores? Além disso, questionamos: que campanhas ou ações relevantes com foco na crise climática foram desenvolvidas junto com as marcas?
Sócio e copresidente da Africa Creative, Marcio Santoro afirmou que a questão da emergência climática está sempre em pauta. “Nós desafiamos os clientes, assim como eles nos desafiam. É essa parceria e colaboração que realmente fazem a diferença. Unimos esforços na execução de projetos e acreditamos que, juntos, buscamos não apenas conscientizar, mas também pressionar por ações concretas”.
Entre várias campanhas que a Africa desenvolveu sobre esse tema, Santoro destacou “Salla 2032”, que foi, em suas palavras, “o principal projeto de denúncia de emergência climática do mundo”. O case foi premiado em diversos festivais de criatividade, conquistando o Grand Prix da categoria Entertainment Lions for Sport no Festival de Cannes, em 2021. “Simulamos o processo seletivo da cidade-sede olímpica e apresentamos a candidatura fictícia da Lapônia finlandesa, uma das cidades mais geladas do mundo, para as Olimpíadas de 2032, expondo um processo irreversível do aumento da temperatura global”, explicou. Para Santoro, a campanha aborda os impactos do aquecimento no mundo “de forma inovadora, chamando a atenção para mudanças urgentes no estilo de vida”. Segundo ele, “Salla 2032” é reconhecido pela Unesco como um dos grandes esforços globais de comunicação na contribuição para reverter as mudanças climáticas (leia sobre o case aqui).
Na AKQA, são constantes os pedidos dos anunciantes em relação à questão climática, contou Paula Santana, head de projetos especiais da agência. “Também criamos iniciativas e ações proativas sobre sustentabilidade e D&I durante nosso processo criativo”. De acordo com Paula, a intenção é cada vez mais trabalhar com a missão de endereçar a agenda climática dentro dos projetos. Com isso, a expectativa é consolidar a AKQA como um estúdio com expertise para realizar trabalhos criativos acerca do tema. Quanto aos projetos realizados, Paula indicou quatro. O case “Traje Terrestre” é um deles. Trata-se, à primeira vista, de uma camiseta simples, de algodão 100% orgânico brasileiro com fabricação sustentável open source. Todo o lucro das vendas, porém, é doado para a Associação das Labirinteiras de Chã dos Pereiras, cidade no interior da Paraíba. A iniciativa tem como objetivo fomentar a produção do algodão orgânico brasileiro, ainda pouco valorizada, facilitando o acesso a todas as marcas interessadas. “O algodão é cultivado por agricultores familiares, com sementes orgânicas, não transgênicas e sem o uso de fertilizantes químicos e pesticidas tóxicos. Para a preservar a terra e a plantação, bem como garantir a qualidade da fibra, a colheita é feita a mão”. O processo de manufatura da peça é realizado em cadeia certificada e com produção vertical transparente e auditável pelas empresas Cataguases (fiação), Dalila (tecelagem) e Sea Protection (confecção). O passo a passo (blue print) está disponível no site do projeto. Outro trabalho é a campanha “Buy Better. Wear Longer”, para Levi’s. A comunicação alerta o público a respeito dos efeitos sobre a natureza da produção fast fashion, convidando as pessoas a estender a vida útil de uma peça. Com isso, a marca também posiciona seu produto, salientando que o jeans Levi’s é feito para ser usado por gerações, não por temporadas. E há dois projetos institucionais que a AKQA mencionou: “As [incertas] Quatro Estações” e “Código da Consciência”. O primeiro é um case global feito em conjunto com a Jung von Matt, em 2021. Ele retrata um futuro em que o mundo falhou ao não agir decisivamente contra o aquecimento global. Orquestras, ativistas e cientistas recompõem “As Quatro Estações”, de Vivaldi, utilizando IA e dados ambientais, pós mudanças climáticas. Escrita há três séculos, a obra é uma representação musical de cada estação, influenciada pelos ritmos naturalmente produzidos ao longo do ano solar. Assinam também o projeto - que teve início com uma apresentação musical no Sydney Festival - o compositor Hugh Crosthwaite, a Sydney Symphony Orchestra e o Climate Change Communications Research Hub, da Monash University, na Austrália. O objetivo da ação, que envolveu 14 orquestras dos seis continentes (as apresentações podem ser vistas aqui), foi pressionar líderes mundiais a assinarem o Leaders Pledge for Nature e se comprometerem a reverter a redução de biodiversidade até 2030. Para ver o trailer do projeto acesse aqui. “Código da Consciência” foi criado em São Paulo e desenvolvido em parceria com o time de tecnologia da AKQA, em Melbourne, em 2019. A ação consiste em uma ferramenta que combina geolocalização com um banco de dados oficial de reservas florestais e oceânicas protegidas. A meta é interromper o funcionamento de qualquer máquina que estiver em uma das terras e águas preservadas, valendo tanto para barcos, tratores, caminhões e escavadeiras hidráulicas quanto para motosserras e motobombas. O software gratuito e de código aberto está disponível para adaptação de fabricantes em qualquer lugar do planeta. A campanha teve a participação do cacique Raoni Metuktire, líder Kayapó e parceiro do projeto (confira mais detalhes aqui).
Comunicação como reflexo
O envolvimento das marcas nas causas climáticas vem sendo mais cobrado pelos consumidores. Apresentada recentemente, a pesquisa Estado da Ciência 2024, encomendada pela 3M, mostrou que para 92% dos brasileiros as empresas precisam se comprometer mais a usar materiais sustentáveis. O estudo é global, mas tem recortes feitos por países. Outro dado desse trabalho demonstra que, embora a população esteja, em sua maioria, preocupada com a questão climática, ainda falta muito conhecimento sobre tema. A expressão “pegada de carbono”, por exemplo, é desconhecida para 30% das pessoas. E 36% dos brasileiros ouviram falar, porém não estão familiarizados com o assunto (veja mais a respeito dessa pesquisa aqui). Ou seja, há muito a ser desenvolvido por meio da comunicação. Porém, é importante que as mensagens transmitidas estejam em consonância com as práticas das marcas.
“Como parceiros de negócio, nosso papel é sermos transparentes quanto aos nossos compromissos e às nossas iniciativas institucionais sobre o tema e sugerir abordagens na comunicação das marcas se, de fato, estiver entre os pilares prioritários dos clientes”, ressaltou Luiza Portella, diretora de estratégia, responsável pela implementação das ações de sustentabilidade na WMcCann. “Defendemos que comunicação precisa ser reflexo de ações institucionais consistentes”, completou.
O assunto está em voga, sem dúvida. Juliana Nascimento, managing director da FCB/SIX, comentou que, ao longo do último ano, o tema ESG cresceu muito na agenda de CMOs e CEOs. A agência é chamada para contribuir com a visão geral das companhias nessa área. Por vezes, ela cria projetos específicos, caso do que fizeram para a Tegra Incorporadora, com o projeto “Noise Neutral”, plataforma colaborativa para promover a discussão e o desenvolvimento de soluções para reduzir a poluição sonora nas cidades.
Na Artplan São Paulo, Gláucia Montanha, CEO da agência, relatou que crescem as conversas com anunciantes sobre o papel das marcas, mas as iniciativas ainda precisam ser amadurecidas.
E Márcio Oliveira, managing director da R/GA, afirmou que há clientes ativos e preocupados genuinamente com o assunto. “O Google leva esse tema extremamente a sério. Até na escolha de seus parceiros”, exemplificou. Não são todas as marcas, porém, que estão mergulhadas nas questões ambientais. Segundo Márcio, a agência trabalha com as empresas em cima de causas que estas possam defender e nas quais tenham condições de atuar. “Nossas últimas ações estavam mais focadas no S do ESG. Fizemos uma série de trabalhos em cima do tema de diversidade e inclusão”.
Como disse Tomás Correa, fundador e CCO da agência especializada Felicidade Collective, muitas pessoas entendem que as corporações têm um papel vital na construção de uma sociedade melhor. “Se por um lado temos pessoas interessadas em como as empresas se relacionam com o mundo, por outro, existe uma preocupação enorme por parte dos CMOs em cometer greenwashing, resultando em greenhushing”, declarou. Greenwashing é, na prática, uma “maquiagem” sobre as atitudes e os posicionamentos de uma marca que deseja parecer mais ambientalmente correta do que verdadeiramente é. Greenhushing é a decisão de uma companhia não divulgar qualquer esforço tomado em relação à sustentabilidade de produtos e serviços por receio de ser criticada. Também ficou conhecida como “silêncio verde”. O desafio está em desatar o nó entre as campanhas e os projetos realmente focados nas questões ambientais e o receio de fazer algo que poderá soar como propaganda vazia. “Só assim as marcas poderão ir além de ações pontuais, construir caminhos sólidos e se afastar cada vez mais do greenwashing”, emendou Correa.
Marcas em ação
Ganhadora de diversos prêmios recentes com o projeto “Terr4”, ação feita em 2023 para o Pacto Global da ONU e para a B3 - inclusive um GP em Cannes (na categoria Creative B2B) - que trata das consequências do aquecimento global, a AlmapBBDO ressaltou que tem várias iniciativas desenvolvidas sobre o tema para os clientes. Para esta reportagem, Filipe Bartholomeu, sócio-presidente e CEO da agência, destacou um projeto apresentado neste ano e feito exatamente por um dos grandes anunciantes do país: O Boticário. “Sustentabilidade é um tema transversal no Grupo Boticário e acompanha a empresa em suas diferentes etapas: desde o processo de pesquisa, fornecimento e fabricação, até distribuição e pós-consumo”, observou. A marca fez um alerta por meio do lançamento de uma fragrância, Extinto. A proposta foi reproduzir aromas de áreas naturais e ameaçadas e, deste modo, gerar conscientização, reforçando a urgência de medidas voltadas para a conservação ambiental. As áreas naturais que formaram a base do projeto são Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro; Ilha de Madagascar, na África; Calábria, na Itália; Nova Delhi, na Índia; e Camberra, na Austrália.
Parte do Grupo Boticário, a Australian Gold também foi citada por uma ação, mas por outra agência. Ricardo Forli, sócio da Monkey-land, comentou que a causa climática está muito avançada com alguns clientes. Caso da marca de bronzeado protegido que é, segundo ele, pioneira em fórmula “reef safe” no Brasil. Isso quer dizer, composição segura para os corais. Além disso, as embalagens do produto são feitas a partir de lixo recolhido em praias. “No meio de 2023, criamos uma campanha muito importante para Australian Gold, baseada no insight do produto ter fórmula pioneira”, afirmou. De acordo com Forli, com essa composição, ao contrário de outros produtos da categoria, a marca não causa branqueamento e a consequente morte dos corais marinhos, que enfrentam uma ameaça real de extinção. “Lançamos o movimento #SemCorSemVida e, durante uma semana, grandes painéis com grafites no Minhocão, em São Paulo, amanheceram cobertos com uma tela branca e a mensagem: ‘Esta obra de arte perdeu a cor por alguns dias. Os corais marinhos estão perdendo a cor todos os dias’. A ação virou matéria do jornal ‘SPTV’, da Globo”.
Varejista de moda, a Renner acionou a Paim United Creators para criar campanhas e conteúdos relacionados às ações de sustentabilidade da empresa. “Também idealizamos ativações e projetos de PDV, com menor impacto ambiental”, disse Mateus Pagot Gobbi, head de cultura e pessoas da agência. A Renner tem uma linha que faz uso de materiais e processos mais sustentáveis, identificadas com o Selo Re, que remete a algumas palavras associadas ao tema como “reduzir”, “renovar” e “reciclar” (veja aqui). A proposta é aliar sustentabilidade, responsabilidade e estilo. De acordo com Gobbi, na agência há demanda por esse tipo de projetos por parte dos anunciantes e eles também estimulam o debate sobre o assunto com os clientes.
A demanda por ações relacionadas à agenda ESG é crescente na VML, pontuou a CEO Karina Ribeiro. “Os clientes querem saber quem somos para entender se estamos alinhados com os valores em que eles acreditam e também para que possamos ajudá-los a evoluir no tema”, esclareceu. Ela enumerou trabalhos relevantes na porção social para clientes como Vivo, Avon e Visa, com foco em equidade racial e de gênero. Quanto à questão ambiental, ela lembrou que há anos a agência é parceira voluntária do Greenpeace. “Lançamos com a organização cases de enorme impacto no Brasil e no mundo”, afirmou. Um dos mais recentes é “Los Santos +3º”, que simulou os impactos do aquecimento global em um game e conquistou diversos prêmios, entre eles Leões do Festival de Cannes em 2022 e 2023. “O resultado foi um aumento de 340% nas assinaturas de petições do Greenpeace”, celebrou Karina.
Outro projeto que teve reconhecimento no Festival de Cannes é “The Cost of Gold”, case criado pela DM9 para a Urihi Associação Yanomami, que ganhou Ouro em Design no ano passado. Segundo Icaro Doria, copresidente e CCO da agência, a emergência climática é um aglutinador de vários temas, entre eles a causa indígena. Isso se reflete no trabalho que a DM9 desenvolve com a Urihi, entidade que luta pelos direitos e proteção do povo Yanomami. Em janeiro de 2023, o governo federal declarou que o território estava em quadro de emergência de saúde pública, com um alto número de mortes devido à desnutrição e à malária. Naquele ano, até dezembro, 363 indígenas morreram, um aumento de 6% em relação a 2022. A Urihi atua contra o garimpo ilegal que destrói a Amazônia e que, por sua vez, influencia nas alterações climáticas. “Nós trabalhamos diariamente com eles em diversas iniciativas”, contou Icaro. O projeto “The Cost of Gold”, que ganhou atenção entre os indicados ao Oscar 2023, revelou que 54% do ouro comercializado no Brasil em 2021 tinham indícios de ilegalidade em sua origem.
Outra organização dedicada ao ativismo ambiental também foi para o mundo dos jogos para chamar atenção para a causa, a SOS Amazônia. “Umas das minhas últimas campanhas como CEO e CCO foi em parceria com a SOS Amazônia e a HeroBase. No ‘Mapa Originário’, o primeiro mapa de terras indígenas no Fortnite, os jogadores entravam em ação para proteger a floresta e atuar em defesa dos povos originários”, lembrou Marcelo Reis, sócio da Troup/ Cyranos, e que estava na Leo Burnett Tailor Made quando esse case foi lançado, em julho do ano passado (reveja aqui). “É um projeto incrível, feito por um time realmente preocupado com nossa sobrevivência nesse planeta. Trouxe esse compromisso com o meio ambiente comigo para a Troup, e espero que muitas outras campanhas como essa aconteçam, pois essa causa requer muito engajamento”, acrescentou.
Questões centralizadas, resultados fragmentados
Embora a preocupação com o meio ambiente e a questão climática esteja cada vez mais evidente entre os anunciantes, a maioria das empresas centraliza as discussões e ações no conselho administrativo ou nos departamentos de sustentabilidade, sem distribuir adequadamente os recursos necessários e a autonomia para uma comunicação eficaz. Essa crítica é de Rui Branquinho, cofundador e CCO da agência especializada GiveBack. “Muitas vezes, falta um orçamento significativo e um entendimento mais profundo de como a comunicação pode ser estrategicamente utilizada para ampliar o alcance de iniciativas sociais e ambientais. Essa lacuna resulta em esforços fragmentados, que comprometem tanto o potencial de retorno para a marca quanto a magnitude do impacto positivo que as empresas poderiam exercer sobre os desafios climáticos globais”, explicou Branquinho. Em seu entender, é fundamental que as corporações coloquem KPIs relacionados ao tema, criem condições para que eles sejam alcançados e, obviamente, cobrem resultados. Outro ponto importante é não embalar a comunicação dessa temática como algo chato, complexo e sem atratividade. O assunto é extremamente sério, todos sabemos. Mas criatividade é essencial, salientou Branquinho. Ele ressaltou que há décadas muitos dos desafios ambientais já são falados e repetidos à exaustão. No entanto, se não houver um poderoso elemento criativo, é provável que a campanha cause baixo impacto na sociedade e seja ineficaz. Para enfrentar a emergência climática que atravessamos, portanto, toda força à criatividade.
Leia também na série "Emergência Climática": "Clubeonline ouviu as agências sobre o tema", "Pelo amor ou pela dor, o mercado precisa mudar e enfrentar essa crise", “Medir emissões geradas pela atividade publicitária é uma prática?”.