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Emergência Climática – final

Qual o papel do nosso mercado? Salvar o planeta é um desafio de comunicação?

10.05.24

"Se conseguirmos mudar a maneira como consumimos, mudaremos o mundo"

Estamos vivendo um cenário de extremos climáticos, com eventos que fogem a padrões de normalidade, segundo especialistas em clima. Eles ocorrem no ar (tempestades, tornados, chuvas fortes), no oceano (tempestades, ondas de calor marinhas) e na terra (incêndios florestais, ondas de calor, inundações, secas). Já existiam antes, mas o impacto da ação humana sobre a Terra está alterando a frequência, a extensão e a intensidade desses acontecimentos.

A tragédia que está atingindo duramente o Rio Grande do Sul, nos últimos dias, por exemplo, está associada à crise climática. Há pelo menos 20 anos, alertas sobre desastres ambientais estão sendo dados por especialistas, como o climatologista Francisco Aquino, professor da UFRGS, ao analisar mapas e situações como desmatamento e maior ocupação de zonas ribeirinhas. Para a Agência Pública, ele declarou: “Perdemos muito tempo. No mundo e no Brasil, temos tecnologia, ciência e pessoas capacitadas para contribuir com uma política nacional de enfrentamento à crise climática. Mas é imperativo que os tomadores de decisão entendam que isso deva ser uma total prioridade na agenda de desenvolvimento”. Segundo Aquino, o cenário não é passageiro. Em um ano, foram quatro desastres ambientais no estado. “Para que tenhamos uma população mais preparada, é preciso que o tema da mudança climática esteja presente desde o ensino fundamental até as decisões políticas. Esse é um conteúdo necessário para situações que todos teremos de lidar ao longo de nossas vidas”, afirmou à reportagem.

Precisamos lidar seriamente com o tema. Para evitar mais tragédias, para evitar as consequências do descaso com o meio ambiente. Um estudo do Banco Mundial sobre clima e desenvolvimento, apresentado no ano passado, mostrou que choques climáticos podem levar de 800 mil a 3 milhões de brasileiros para a pobreza extrema até 2030, “mesmo sem considerar possíveis pontos de inflexão”. O relatório diz: “Reduções do rendimento agrícola relacionadas ao clima, eventos climáticos extremos, alterações nos preços dos alimentos, impactos na saúde e redução da produtividade do trabalho, devido ao calor, podem exacerbar a pobreza”.

Outros dados do estudo ressaltam que enfrentar o desmatamento é uma questão fundamental para o país. Embora o Brasil seja um dos dez maiores emissores de GEE (gases do efeito estufa) do mundo, o perfil de emissões é diferente em comparação ao das demais nações. Entre 2000 e 2020, a origem de 76% das emissões do país era a mudança no uso do solo, incluindo desmatamento e agricultura. Globalmente, esse índice é de 18%. Por outro lado, quase metade do suprimento de energia do Brasil é proveniente de fontes renováveis - e o percentual sobe para mais de 80% quando se refere à eletricidade. As médias mundiais ficam em cerca de 15% e 27%, respectivamente.

Em nossa série “Emergência Climática, que chega a sua parte final, perguntamos às agências de publicidade que aceitaram participar desta iniciativa (12 de 42 procuradas, e mais duas especializadas - leia aqui): “Você acredita que as agências têm de fato papel importante no combate à emergência climática ou acha que este papel não cabe ao nosso mercado? Acredita que marcas precisam se envolver mais com a causa; acha que já há um nível satisfatório de conscientização e ação; ou crê que este não é papel das empresas anunciantes?

Abaixo, as respostas das agências (por ordem alfabética):

Africa Creative: “Com certeza! As agências têm um papel fundamental no combate à emergência climática porque a comunicação é uma ferramenta poderosa para despertar consciência e mobilizar ações. O envolvimento e engajamento de toda a sociedade é essencial, sendo possível somente por meio de uma comunicação eficiente, dando luz a problemas muitas vezes desconhecidos. Nós, como indústria da criatividade, também devemos cobrar aqueles com poder e influência, além de capacitar a população. Acredito que as marcas precisam se envolver mais nessa causa e que as agências têm um papel crucial em popularizar e simplificar esses assuntos tão complexos para o público em geral” - Marcio Santoro, sócio, copresidente e CEO

AKQA: “A capacidade da publicidade em ditar comportamentos e influenciar a cultura coletiva afeta diretamente a pauta climática e da sustentabilidade. Temos um grande poder em mãos, através da comunicação que fazemos com e para a sociedade e, portanto, existe uma camada super importante para as agências e os anunciantes na agenda climática e na conscientização de todos os agentes envolvidos – não só os indivíduos, mas também as instituições. Iniciativas internas de marcas, agências e produtoras que se preocupam com a sustentabilidade nos ciclos de produção e nas estruturas organizacionais são, sem dúvida, os primeiros passos para fazer publicidade de forma sustentável. As inovações de serviços e as iniciativas e produtos mais sustentáveis impulsionam as mudanças de comportamento e a cultura sustentável, gerando um impacto mais sistêmico” - Paula Santana, head de projetos especiais

AlmapBBDO: “Tenho uma posição muito clara de que as pautas ESG são urgentes e inegociáveis para o futuro da humanidade e para o presente dos negócios, em qualquer atividade. Evidentemente, existem diferentes estágios para cada tipo de indústria e empresa, mas trata-se de um caminho sem volta. A propaganda tem o poder de criar desejos, mas também carrega a responsabilidade de acelerar mudanças culturais na sociedade. Então, sem dúvida é nosso papel protagonizar essa agenda. A AlmapBBDO é signatária do Pacto Global da ONU e a agência de publicidade que faz sua comunicação. Pessoalmente, desde 2022 faço parte do programa Liderança com ImPacto, um grupo de líderes e CEOs que está mudando o jeito de pensar e fazer negócios em suas empresas, alinhando as práticas gerenciais e operacionais aos objetivos globais para acelerar a entrega dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, estabelecidos pela Organização das Nações Unidas, até 2030. Há apenas alguns anos, sustentabilidade e questões sociais eram preocupações de ativistas, pessoas e governos. Hoje, passaram a fazer parte das pautas das empresas que querem conquistar novos clientes, financiamentos, investimentos e IPOs. As companhias precisam incluir a pauta ESG como estratégia de gestão. Apenas com ações afirmativas e compromissos sérios seremos capazes de mobilizar a indústria” - Filipe Bartholomeu, sócio, presidente e CEO

Artplan: “Nós, como agência, temos um papel importante em fomentar esse assunto - como criar produtos e ações que possam contribuir positivamente com o atual cenário - para que o consumidor se informe e se conscientize. Temos, também, a consciência de que as ações que criarmos com esse propósito irão impactar o hoje e o futuro das nossas gerações” - Gláucia Montanha, CEO da Artplan SP

DM9 - “Sim! Propaganda cria cultura, cria mudanças de comportamento. As agências têm que atuar com essa intenção e carregar essa responsabilidade. E empresas precisam ter isso presente na maneira como produzem, não (apenas) como comunicam” - Icaro Doria, copresidente e CCO

FCB/SIX - “Temos um papel importante porque a publicidade contemporânea, na nossa visão, tem também a missão de transformar a sociedade. Neste sentido, acompanharmos o que está acontecendo no mundo, em todo o espectro ESG, é fundamental para que possamos seguir sendo parceiros estratégicos e de pensamento dos clientes. Para além disso, o papel mais específico que a comunicação pode ter, relacionado a esses temas, é chamar a atenção para o que falta e repercutir o que existe de positivo” - Juliana Vilhena Nascimento, managing director

Felicidade Collective - “O marketing, de modo geral, desempenha um papel central nessa transição. Ele tem acesso a toda a cadeia, sendo uma ponte entre os negócios e a sociedade, com poder de influenciar os padrões de oferta e demanda. Vivemos em uma sociedade de consumo. Se conseguirmos mudar a maneira como consumimos, mudaremos o mundo. Apesar de as pessoas estarem exigindo isso, ainda existem algumas barreiras. Por vezes, as soluções sustentáveis que gostaríamos de apoiar não são acessíveis para todos nós, como consumidores. Preço e disponibilidade foram apontados no último estudo da Kantar, "Who Cares Who Does", como os principais obstáculos para isso. Isso faz com que a criatividade e os canais digitais tenham um papel fundamental na hora de criar valor percebido e acessibilidade, neste momento. Como espécie, somos movidos por boas histórias. Profissionais de marketing e a indústria criativa têm a capacidade de unir a ciência e o poder da criatividade para mover as pessoas. Precisamos normalizar a sustentabilidade e torná-la ainda mais desejável. Nesse sentido, estamos no começo da caminhada” - Tomás Correa, fundador e CCO

GiveBack - “Sir David Attenborough (naturalista britânico, com diversos trabalhos feitos para a BBC) tem uma frase que é nosso mantra: ‘ Salvar o planeta é agora um desafio de comunicação’. Essa é nossa crença. Não há saída sem mais pessoas envolvidas. Governos e organismos mundiais não são suficientes e os fatos deixam isso claro. Marcas são grandes atalhos para atingir milhões de pessoas e trazê-las para a realidade. Ao mesmo tempo, viram cúmplices de uma mudança que toda a sociedade busca, aumentam sua reputação, passam a ser mais admiradas e conquistam preferência. Vida longa às marcas que agirem assim. Aquelas que não se enquadrarem passarão por um processo de seleção natural corporativo.A comunicação é vital para aumentar a consciência ambiental, incentivando ações práticas para que as mudanças necessárias ocorram. Temos um papel na geração do problema e não podemos nos eximir de fazer parte da solução - Rui Branquinho, cofundador e CCO

Monkey-land - “Cada um tem que dar sua contribuição, de alguma maneira. O que não pode ser feito é usar a causa apenas para ganhar prêmios ou se comunicar somente com o mundo publicitário. Temos de usar a criatividade para ajudar, efetivamente” - Ricardo Forli, sócio

Paim United Creators - “O planeta é um sistema fechado com recursos finitos. Essa verdade já traz consigo um senso de responsabilidade coletiva, já que todos moramos nele. Todo ser humano e as organizações criadas por ele têm papel importante no combate à crise climática. Algumas atividades de mercado impactam em maior grau a sustentabilidade ecológica e as ações que reduzem os malefícios causados devem ser proporcionais a esse impacto. A sustentabilidade, inclusive, pode ser utilizada como vantagem competitiva nas empresas. Um exemplo é o ISEB3, índice da Bolsa de Valores que ranqueia as empresas mais comprometidas com a sustentabilidade, o que gera mais valor para seus negócios” - Mateus Pagot Gobbi - head de cultura e pessoas

R/GA - “Acho que a propaganda vive um paradoxo eterno. Nosso trabalho também estimula o consumo. O consumo aumenta a produção e por aí vai. Então, cabe a clientes, agências, plataformas e veículos de mídia estimular o consumo sim, mas consciente. Evitar o desperdício. Veja que loucura: um estudo da ONU estima que 1,3 bilhão de toneladas dos alimentos produzidos para consumo humano é perdido ou desperdiçado. Isso acabaria com a fome no mundo e isso acaba com o meio ambiente. Tem alguém fazendo alguma campanha de conscientização de consumo e produção? Alguma marca liderando esse tema? Alguma organização? Não. Ou seja, nosso mercado pode e deve ter um papel crucial nisso. E será o mínimo a fazer” - Márcio Oliveira, managing director

Troup/Cyranos - “Acho que todos nós, em qualquer segmento profissional, temos a obrigação de abraçar uma causa relacionada a assuntos ambientais. É a nossa sobrevivência em jogo, não existe outra opção para ninguém, sejam governos, marcas, agências ou colaboradores e suas famílias. Quando criamos o #Movimento Volta Pinheiros, 100% apartado de agências, gerido e financiado por um grupo de amigos, sabíamos que seria difícil engajar os cidadãos e as marcas para um assunto tão basal quanto ‘água’, pois seria de responsabilidade só do Estado. Hoje, depois de sete anos, o Volta vê as marcas abraçando a margem revitalizada com uma intensidade única e o governo estadual privatizando as águas que não conseguiu limpar direito e continuam tão imundas quanto em 2019, no início do projeto (o site até já saiu do ar). A promessa era para 2022, a DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio) continua péssima, mas as pessoas estão quase satisfeitas com a borda decorada. Ou seja, água, rio, meio ambiente, aquecimento global são lutas políticas, muito maiores do que a publicidade é capaz de enfrentar e vencer. Mas não podemos desistir. Só a cobrança dos cidadãos é capaz de mudar esse cenário desastroso” - Marcelo Reis, sócio

VML - “Eu acredito em corresponsabilidade. Todos nós somos responsáveis pela evolução da nossa indústria e das comunidades em que estamos inseridos. O mercado de comunicação tem o poder de criar conexões, mudar comportamentos e se inserir na cultura popular. A criatividade é uma ferramenta muito poderosa de transformação socioambiental e precisa ser usada com esse propósito. Ela nos ajuda a romper com vieses e estereótipos e a contribuir para a evolução da sociedade como um todo. Nenhum de nós, em nenhuma parte da cadeia, pode se abster de desempenhar o seu papel nesse processo de transformação pelo qual estamos passando” - Karina Ribeiro, CEO

WMcCann - “Agências e clientes são empresas e, como tais, têm funções sociais. Não podem se abster das questões que afetam a sociedade. Mas, antes de comunicar, é preciso aprender com quem está mais maduro sobre o tema. E fazer. Considerando todas as características e desafios regionais, ainda temos de avançar muito para que o compromisso se converta em práticas eficazes e transformadoras. Em geral, estamos ainda dando passos tímidos” - Luiza Portella, diretora de estratégia, responsável pela implementação das ações de sustentabilidade

Experiência de outros países

Para a Felicidade Collective e a GiveBack, agências especializadas abertas por criativos que decidiram focar na comunicação voltada para a agenda ESG, fizemos mais uma pergunta: “Como analisam o cenário brasileiro diante do que tem sido desenvolvido por agências, marcas e governos em outros países? É preciso estabelecer frentes (como criação de leis) para que enfrentemos melhor a emergência climática?”

Felicidade Collective - “Vejo a Europa como um mercado muito mais maduro, se organizando de uma maneira mais sólida. Agências com o perfil da Felicidade acabam por ser mais frequentes, profissionais do mercado unindo esforços em torno de instituições para promover a transição, investimento em pesquisa e leis rigorosas, como a lei que proíbe a importação de carne bovina, café, soja, cacau e outros produtos, se estiverem ligados ao desmatamento. E a recente lei, proibindo a utilização de termos ambientais genéricos nos rótulos. Menções como ‘eco’, ‘natural’, ‘amigo da natureza’ serão banidos para garantir melhor transparência na relação com o consumidor. No lugar, só serão aceitos ‘rótulos sustentáveis’ com base em sistemas de certificação oficial (leia mais aqui ). O Brasil ainda precisa avançar nesses aspectos e todos os atores precisam trabalhar juntos para garantir a transformação” - Tomás Correa, fundador e CCO

GiveBack - “Todos nós, agências, empresas e governos, precisamos agir. No Reino Unido, existem muitas iniciativas nesse sentido, tanto de agências quanto do governo. Exemplos incluem o portal Green Claims do governo e os cursos sobre greenwashing oferecidos gratuitamente pelo Creatives for Climate. A fundadora da Futerra , Solitaire Townsend, liderou um movimento em direção à responsabilidade das agências em relação aos seus clientes e suas comunicações. Adicionalmente, a Futerra possui uma fundação que utiliza a cultura e campanhas educacionais públicas para acelerar a transição para um futuro de baixo carbono e justiça social. Sem a menor dúvida, obrigações legais aceleram determinadas ações, mas a conscientização também é fundamental, embora mais lenta” - Rui Branquinho, cofundador e CCO

Leia também na série "Emergência Climática": "Clubeonline ouviu as agências sobre o tema", "Pelo amor ou pela dor, o mercado precisa mudar e enfrentar essa crise", “Medir emissões geradas pela atividade publicitária é uma prática?” e "Campanhas e compromissos de agências e marcas".

Emergência Climática – final

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