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Entrevista: Fernando Machado (Burger King)

Como conquistar um Grand Prix. Ou cinco

22.06.17

O Burger King veio a Cannes já celebrando um título, como todos sabem. Mas o Anunciante do Ano, que receberá seu Leão especial neste sábado, não deixou por menos e já soma mais dois GPs em seu currículo. O Festival está em curso e é possível que a rede de fast food conquiste ainda mais prêmios até o último dia. Se virá mais um Grand Prix, é difícil prever. O que se pode dizer, no entanto, é que a empresa definitivamente marca seu nome na história do Cannes Lions. Ela tem, até o momento, cinco GPs, uma série que começa em 2007, quando levou para casa o prêmio máximo de Titanium, por “Xbox King Games, criação da Crispin Porter + Bogusky.

No ano passado, foram mais dois GPs, desta vez pela campanha “McWhopper”, que reuniu diversas agências que atendem a marca, mas que deu largada com a Y&R da Nova Zelândia. O case ganhou o Grand Prix de Print e o de Media. Agora, Burger King pode comemorar mais dois GPs: Direct, com o case “Google Home of The Whopper” (confira aqui), e, de novo, em Print, com a campanha “Flamed grilled since 1954” (clique para ver mais).

Até o Cannes Lions deste ano, o Burger King totalizava 76 Leões. Seu primeiro prêmio no Festival foi uma Prata em 1969, por “Skinny Burger”. Parte dessa história será lembrada pelo CMO Axel Schwan na cerimônia que entregará o Leão de Creative Marketer of The Year para a empresa.

Junto com ele, o brasileiro Fernando Machado, head of brand marketing de Burger King, tem um papel importante no desenvolvimento das estratégias que marcam a nova onda criativa que vem conferindo tantos prêmios à rede. Após 18 anos atuando na Unilever, Machado entrou para o time em 2014. E trouxe na bagagem a experiência de ter conduzido campanhas vitoriosas como “Retratos da Real Beleza”, pela qual Dove ganhou GP de Titanium, em 2013. O case tem a assinatura da Ogilvy Brasil, que, na época, tinha Anselmo Ramos como líder criativo. Hoje, Anselmo está na David Miami, mantendo a parceria com Machado.

Por sinal, Machado tem também em seu currículo cinco GPs. O primeiro com Dove. Os demais com Burger King – os dois do ano passado e os dois conquistados nesta edição. Como apontado antes, não é possível saber neste momento se irá ganhar mais desses nobres Leões para fechar o Cannes Lions 2017. Mas o brasileiro já poderia escrever um livro com “dicas” para conquistar um GP. Questionado a esse respeito pelo Clubeonline, a quem deu uma entrevista semanas antes de o Festival abrir suas portas, Machado apresenta algumas orientações. Uma delas é abraçar a incerteza. Segundo ele, no momento em que um GP surgir diante dos olhos, “você vai ver risco e um monte de problemas”.

Confira o que Fernando Machado, jurado de Creative Effectiveness neste ano, diz sobre criatividade, sobre trabalhar em equipe e também os bastidores de algumas das campanhas que ajudaram o Burger King a ser o Anunciante do Ano.

 

Lena Castellón

 

Clube de Criação – Como foi a descoberta do Burger King como Anunciante do Ano?

Fernando Machado – O Burger King é uma marca reconhecida pela indústria em termos de criatividade. Temos campanhas que, no passado, ganharam muitos prêmios. Tem um Grand Prix de Titanium. Tem o “Whopper Freakout, o Subservient Chicken. É uma marca que sempre teve reconhecimento criativo de Cannes e de outros festivais. E, desde que a 3G gerencia a marca [Nota da Redação: O fundo adquiriu o BK em 2010], a gente sempre teve o desafio de manter o padrão de criação construído no passado. Nos três últimos anos, a gente conseguiu fazer isso. Então, foi bem bacana ter o reconhecimento de Cannes como Creative Advertiser of The Year. Em 2016, já fomos o Cliente do Ano do D&AD. Em 2017, devido ao histórico que a marca tem e à força que impusemos nos últimos três anos, aí veio o reconhecimento de Cannes. A notícia chegou pela agência.

Clube – Pela David?

Machado – Sim. A forma como o anunciante é escolhido não é só porque ele foi bem no ano passado. A escolha se dá porque, ao longo da história, as marcas [com esse título] mostraram um comprometimento com a criatividade em todo o mundo. Geralmente, é algo de longo prazo. A marca tem de ter feito coisas muito bacanas ao longo do tempo. E tem de estar num momento bom. Foi engraçada a descoberta porque foi justo durante a convenção global do Burger King. Estávamos todos juntos. Quando soubemos, no fim do ano passado, pediram que a gente não tornasse a notícia pública até fevereiro ou março deste ano. A gente fez uma comemoração contida – se começássemos a comemorar muito, as pessoas iriam desconfiar. Entre o CMO, que é o meu chefe, o Axel Schwan, o presidente do Burger King, e o CEO da RBI [dona do BK e das redes de restaurante Tim Hortons e Popeyes], ficamos super felizes quando soubemos. Esta é uma marca que precisa disso. É uma marca de desafio porque não somos a número 1 do mercado. A gente precisa que a criatividade nos ajude a ser um multiplicador do dinheiro que a gente investe em publicidade.

Clube – Como foi depois?

Machado – Em março anunciamos durante uma convenção de marketing global, que tivemos em Miami. Todos ficaram muito felizes. Imagine os profissionais de marketing que trabalham com a marca. Havia gente de mais de 50 países. A gente fez o anúncio depois de termos mostrado campanhas de vários lugares. Daí, falamos “por causa disso, fomos reconhecidos como Anunciante do Ano em Cannes”. O pessoal ficou louco. Eles entendem a importância que isso tem. Foi duro segurar essa informação por tanto tempo.

Clube – Você sabe como se define o Anunciante do Ano?

Machado – Não tenho o manual. A gente tinha a ambição de estar no mesmo patamar das marcas que já ganharam. E perguntava: qual é o critério. Falavam sempre a mesma coisa: tem de ter consistência. Não é só o curto prazo. Porque você pode ter uma campanha que estoura e ganha um monte de prêmio. Mas é mais do que isso. É um comprometimento com a criatividade ao longo do tempo. O Burger King ganhou um Grand Prix em 2007, o Titanium. Ou seja, são dez anos. Fora isso, tem um monte de campanha super famosa.

Clube – O Festival tinha divulgado que são 76 prêmios [até a edição 2017 do Cannes Lions].

Machado – Sim, 76. É bacana. Mas, para dar uma ideia, nos últimos anos, ganhamos 42. “Proud Whopper”, em 2015, sozinho ganhou 13. “McWhopper” ganhou 18 no ano passado. Foram dois GPs. No ano passado, ganhamos 26 Leões. Em 2015, 16. Em dois anos foram 42. Não vamos esquecer que fomos Cliente do Ano no D&AD 2016. E tivemos a campanha mais premiada no Gunn Report do ano passado também. Isso, para mim, foi a cereja no bolo de uma marca que historicamente sempre ganhou prêmios. E, você sabe, no passado a gente ganhava menos Leões. Tinha menos categorias. Um Titanium como “King’s Game” teria levado muito mais prêmios hoje do que no passado. “Subservient Chicken” teria recebido muito mais Leões hoje do que no passado.

Clube – Você entrou no Burger King em 2014. Como foi a mudança no marketing a partir daí?

Machado – Oficialmente comecei em março – demorou um pouquinho para sair meu visto. A mudança começou antes da minha chegada. Na visão da 3G que comprou a empresa, a marca Burger King é muito maior do que o negócio. Nos primeiros anos dessa aquisição, foi o famoso “vamos colocar a casa em ordem”. A mudança começou com a chegada de Axel Schwan, meu chefe, que veio da Europa para ser o novo CMO e passou a estruturar a marca de forma mais global. Cheguei alguns meses depois dele. Então, continuamos montando o time global, trabalhando em posicionamento de marca, ajudando os times a melhorarem os briefings, a ter mais critério criativo, fazendo campanhas que obtiveram reconhecimento da indústria.

Clube – O que te impactou de imediato ao chegar à nova casa, já que você vinha de uma empresa, a Unilever, onde passou 18 anos?

Machado – Acabei encontrando o que estava buscando. Adorei ter trabalhando na Unilever, onde tenho grandes amigos. Tenho uma ótima relação com todo mundo. Minha saída foi mais uma busca por fazer algo diferente, já que estava havia tanto tempo lá. Trabalhei com a marca que era meu dream job lá, que é Dove, mas queria algo diferente. Senti que trabalhando na indústria de fast food, em um ambiente com franqueados – que não tinha na Unilever – , e com uma cultura de 3G, que é diferente da Unilever, iria aprender bastante. E eu podia talvez ajudar a marca porque tenho background grande de marketing global. Trabalhei quase quatro anos com Dove, quase quatro anos com Vaseline. Fora marketing regional, na América Latina. O casamento acabou funcionando bem. Eu experimentei coisas diferentes, uma indústria diferente, uma cultura diferente. E pude oferecer background de marketing junto com o Axel. E, assim, elevamos a experiência de global marketing. Sempre gostei da marca. Até por isso que decidi trabalhar aqui. E me chamou muito a atenção a quantidade de oportunidades de fazer essa marca fazer parte da cultura popular, não só dos Estados Unidos, mas do mundo todo. O time inteiro daqui está sempre remando na mesma direção. A gente quer que a marca seja parte das conversas das pessoas na rua, com campanhas bacanas, com ideias legais. Queremos deixar a marca mais relevante.

Clube – A marca já passava impressão de fazer parte da cultura popular, mas mais no mercado americano. É um pouco isso?

Machado – A marca é americana. Foi criada na Flórida, em 1954. Desde o começo tem um diferencial funcional muito grande – sempre fizemos o hambúrguer grelhado como churrasco. Era diferente. É uma marca que oferece preços acessíveis. Tem um apelo para todo mundo. Naturalmente pelo nome, Burger King, por ser uma categoria de sanduíche, de fast food, e da marca ter nascido nos EUA, ela tem viés americano. Mas acho que, quando conseguimos fazer a marca ter a voltagem correta, ela acaba tendo apelo internacional. Quando olhamos no mundo o número de impressões das campanhas, de quanto a gente ganha de cobertura, hoje temos mais cobertura orgânica fora dos EUA do que dentro dos EUA. Pensando no Brasil, temos a sorte de ter um time de marketing espetacular, liderado pelo Ariel [Grunkraut, diretor de marketing], um cara bacana, que entende a marca como poucos e que consegue traduzir o posicionamento de forma super relevante para o consumidor brasileiro. Ele trabalha muito em parceria com o time global, fazendo as campanhas globais no Brasil, que é um dos principais mercados para a gente. É um dos mercados de maior crescimento, não só neste ano, mas no ano passado e no anterior.

Clube – Está no top 5?

Machado – Ainda não, em termos de mercado. Mas em termos de crescimento, com certeza está entre os primeiros. A gente ainda tem muitos mercados com um maior número de lojas porque são locais onde a marca está presente há muito mais tempo. Hoje, ainda, o nosso mercado é muito concentrado nos EUA. Temos em torno de 15 mil lojas no mundo todo. Acho que metade é nos EUA. A gente tem outros mercados na Europa e na Ásia que tem um histórico mais longo do que o Brasil. Mas em termos de crescimento de curto prazo, e mesmo em crescimento por loja, o Brasil está entre os primeiros.

Clube – Em termos de criatividade, dá para estabelecer diferenças entre Unilever e Burger King? Quais são os pilares da comunicação do Burger King?

Machado – A Unilever já foi Creative Marketer of The Year [em 2010]. Ou seja, é uma empresa que tem comprometimento com criatividade desde sempre. Tenho muito orgulho de ter trabalhado com o time de Dove, que fez coisas espetaculares, que ganhou todos os prêmios que se pode imaginar. No Burger King, vejo que a questão de criatividade está muito mais enraizada numa necessidade que temos de ousar, já que minha marca não é líder de mercado. Preciso que a criatividade me ajude como um amplificador da mensagem. Quando trabalhei na Unilever, atuei com muitas marcas que eram líderes de mercado. Criação vinha como um fator diferencial. Mas você era líder. No Burger King, ou você é criativo ou vai ter um problema de negócio. Porque meu competidor vai investir muito mais do que eu posso, pelo tamanho que ele tem. Então, só consigo competir se for criativo. Mas são duas empresas [Unilever e BK] que valorizam muito a criatividade.

Clube – O Burger King, por essas características, de não ser líder de mercado, por ter de ser criativo, é uma companhia com uma vocação maior para a tomada de riscos? Ter um componente de risco já virou item obrigatório?

Machado – A gente vê como maior risco campanhas que não são faladas pelas pessoas. O maior risco é colocar dinheiro em mídia e produção para fazer uma coisa que será irrelevante, que será barulho. Que não será relevante para o seu target. Talvez por isso, no comparativo com grandes marcas que estão aí, a gente veja o risco de uma forma diferente. Não é que a gente não tenha medo de fazer as coisas. É que a gente sabe que, se não fizermos, será pior ainda. Talvez por isso as campanhas tenham um pouco mais de edge. Pelo estilo da marca! Tem marcas que criam voltagem e fazem as pessoas falarem sobre elas, mas não necessariamente têm edge. Isso depende do valor e da personalidade da marca. Burger King é uma marca que desafia. Não se trata de aceitar mais ou menos risco. É como é a marca. Ela se dá bem com esse tipo de campanha. É isso que as pessoas esperam da marca. Quando a gente faz uma coisa sem-graça, chatinha, genérica, as pessoas não gostam. “Isso não é o Burger King”. O Ariel sempre fala... “essa campanha tem ‘a zoeira never ends’? Se não tem, não é”. Isso se reflete nas campanhas.

Clube – Retomando seu início no Burger King, quando você disse que começaram a estabelecer um trabalho global, quais foram suas primeiras medidas como head?

Machado – A primeira coisa que fizemos foi olhar posicionamento de marca e tentar fazer o mais afiado possível. A gente também olhou muito para a identidade visual. Diferentemente de marca de bens de consumo, a gente tem restaurante. Aqui conta imagem do restaurante, o menu... Por isso, começamos com o posicionamento e a identidade visual e tentamos aterrissar o posicionamento nos diferentes pontos de contato com o consumidor, sejam esses embalagem, publicidade, uniforme. Fomos de ponto de contato em ponto de contato. Posicionamento só é bom quando você consegue transformá-lo em coisas tangíveis. Posicionamento só de power point não vai te ajudar a chegar a lugar nenhum.

Clube – Você é um profundo conhecedor da marca. É um tipo de pessoa que gosta de estudar a história da empresa onde atua. Então, que aspectos da campanha de 2007 que conquistou o GP de Titanium você gostaria de destacar?

Machado – “King’s Game” foi um case que mostrou que não existem barreiras para a propaganda. Foram três jogos para Xbox vendidos em lojas. Naquele ano, foi o número 1 em vendas de jogos de videogame nos EUA. Dá para imaginar isso? De verdade, para mim, ele significa que publicidade pode ser entretenimento, que ela não precisa ser intrusiva, que existem outras formas de gerar engajamento. Por isso, o case foi tão reconhecido. Todas as campanhas do Burger King que são muito conhecidas têm essas características. A do “Subservient Chicken” é a mesma coisa. Lembro até hoje quando me mandaram o link para brincar com “Subservient Chicken”. Eu ainda trabalhava na Unilever e estragou o meu dia (risos). Fiquei o dia inteiro pedindo para a galinha fazer coisas, como dançar como o Michael Jackson. “Whopper Freakout” é um vídeo de mais de sete minutos. E ele passa para mim como se fossem 30 segundos. É um conteúdo tão bom que você assiste de novo. Todas as campanhas boas têm essa pegada. Têm um valor de entretenimento super alto. Elas transcendem a propaganda como você conhece. Não é só um filme de TV, não é só um anúncio de revista. É uma ideia muito maior do que tudo isso. É legal que um desses trabalhos tenha sido reconhecido com um Titanium, que se ganha quando uma campanha muda a forma como as pessoas veem a indústria. Isso foi em 2007. Tem dez anos. Pense nisso: uma marca fazer um jogo? Para a época, foi revolucionário. Hoje já não é tanto. Houve uma mudança na indústria. E já era conteúdo.

Clube – Esse foi um projeto inovador para a época. Como o Burger King lida atualmente com inovação?

Machado – Tudo nosso, como parte da cultura RBI, é trabalhado muito em time. E é engraçado que, a partir do momento que você começa a trabalhar com fast food, todos seus amigos começam a sugerir coisas. Todos têm brilhantes ideias de sanduíches e produtos (risos). Porque é uma indústria que as pessoas acham divertida, que tem um nível de engajamento alto. É natural ter ideias que venham de todos os lados. Da agência, do time de marketing, de cliente, de franqueado. Em inovação de produtos, temos um time para isso. Até porque a inovação vai muito além da ideia de produto. Isso envolve ingredientes e qualidade de ingredientes. E tem uma área responsável por pesquisa de mercado junto com inovação, tanto global quanto nos países ou nas regiões. A gente sempre faz coisas muito de mãos dadas. Temos uma área toda focada em tecnologia que, na verdade, trabalha com a RBI. Tem muito foco em mobile app, em sistemas de pontos de venda e em outras coisas com vistas ao futuro. Uma ideia como “King’s Game” vem muito da agência. A campanha que fizemos do “Google Home of the Whooper”, que foi recente, em março, é uma ideia que veio da agência.

Clube – Já com você no Burger King, qual foi o primeiro case de alcance global? “Proud Whopper”?

Machado – Em termos de campanha, tem muita coisa que a gente faz que é o arroz com feijão, que é para gerar venda de curto prazo. A primeira campanha reconhecida que a gente fez, que gerou views orgânicos e impacto, com as pessoas falando, foi “Proud Whopper”. Era toda a equipe que está no Burger King hoje e a David.

Clube – Como surgiu a ideia do “McWhopper”?

Machado – Esse é um exemplo claro de como a gente trabalha em parceria, não só com as agências, mas também com os países. A Y&R Nova Zelândia é a agência de mídia do Burger King e apresentou a ideia para o cliente local, que achou, corretamente, que tinha um potencial maior. Eles entraram em contato com o global, em Miami. A gente adorou a ideia e passou um ano desenvolvendo o projeto. Essa ideia tem uma data específica, que é o dia 21 de setembro, o Dia Mundial da Paz. Como a ideia foi apresentada no meio do ano, teríamos de correr para fazer. E, desse modo, a execução da ideia não ficaria no nível que deveria ser. A carta teria de ser publicada um mês antes da data. Então, restaria um mês e meio para fazer tudo. Não era tão simples assim. Não porque demore um ano para a gente fazer um projeto. Na verdade, somos muito mais rápidos do que você pode imaginar. Deixamos para o outro ano para desenvolvermos a ideia com calma.

Clube – Imagino como foi segurar a ansiedade.

Machado – Foi dureza. Imagine para a agência. A gente dizia “Calma. Nós vamos fazer”. E eles pensando que a gente estava enrolando (risos). Tínhamos de negociar também com a ONG Peace One Day – e isso levou alguns meses. Eles queriam entender se nosso propósito era correto. E era. Realmente queríamos realizar a parceria proposta. Acabou não acontecendo, mas foi bom para todo mundo. Foi muito feliz a gente ter tomado esse tempo. Se olhar a qualidade do que desenvolvemos, ela é riquíssima porque foi feita com calma e com carinho. Foi super bacana trabalhar com eles. Foi uma ideia pró-ativa vinda de uma equipe que entende a marca e com uma agência de um país distante. Depois, todas as agências se uniram: David, Cobe & Theory – nossa agência de digital nos EUA –, Horizon, AB, a agência de PR. Foi um trabalho em conjunto para maximizar o impacto da ideia. Na Europa, cada agência fez adaptações locais.

Clube – Você comentou que os acontecimentos seguiram de forma diferente. Como foi nessa hora? Vocês tiveram um planejamento de longo prazo. Como lideram com a situação?

Machado – A gente fez planejamento de cenários diferentes para estarmos preparados. Tomamos decisões de forma muito rápida. Quando nosso concorrente, a quem a gente propôs a parceria, disse não e outros concorrentes disseram que queriam fazer a parceria, rapidamente decidimos aceitar. Fizemos um sanduíche que virou o Peace Day Burger, uma parceria com outras quatro marcas. E o demos às pessoas num pop-up restaurant que fizemos em Atlanta. Distribuímos quase dois mil sanduíches com ingredientes das cinco marcas.

Clube – “Retratos da Real Beleza”, de Dove, também entrou para a história. É possível estabelecer algum paralelo entre esses dois cases?

Machado – O principal ponto em comum é o fato de que ambas as empresas aceitaram a falta de certeza do resultado do que estávamos fazendo. Com Dove, a gente não sabia se iria dar certo. O resultado foi o que você viu [GP de Titanium em 2013]. E ficamos excitados com isso, de não saber se iria funcionar. A gente estava procurando fazer coisas únicas. Para mim, estes são os paralelos: abraçar a incerteza e ter a ambição de fazer algo único. Com “McWhopper” foi a mesma coisa. Havia muitas incertezas.

Clube – Quais as apostas de vocês em Cannes?

Machado – Falar de expectativa de prêmio é sempre complicado. Toda vez que fui com expectativa alta, saí decepcionado. E quando fui com expectativa baixa, saí feliz da vida. Tivemos um ano espetacular em 2016. Tivemos 42 Leões em dois anos. Temos ideias bem fortes. Mas tem muitas ideias bem fortes neste ano. Se olharmos quem ganhou Lápis Preto e Lápis Amarelo no D&AD, tem muita campanha lá que não tinha ido para Cannes. Caso do “Fearless Girl”. A gente já está no lucro por ser Creative Marketer Of The Year. Só com isso, já estaria feliz (risos). O que vier acima disso, com Google Home e Burning Stores, que pode ir bem também, com Burger Clan, que é da Espanha, está bom [os dois cases citados primeiramente de fato conquistaram GPs].

Clube – Você pode contar os bastidores da criação do case do Google Home?

Machado – Google Home veio da David de Miami. Durante o Super Bowl, teve um comercial do device e acidentalmente ele foi acionado na casa de algumas pessoas. Eles viram isso e vieram com a ideia de tentar com que um filme lesse a descrição do Whopper na Wikipedia. A gente amou a ideia. Eles apresentaram em um dia e a gente lançou menos de quatro semanas depois. Foi super rápido. Tínhamos medo de que alguém fosse fazer antes. A gente correu e fez. Lançamos no meio de março. Primeiro só para os jornalistas, falando que ia ter um comercial do Burger King à noite que ia acionar esse device. A gente colocou os filmes nos nossos canais de social media. As pessoas começaram a falar mais do que imaginávamos. Saiu em todos os lugares: New York Times, Mashable, Today Show. Aí, o Google bloqueou. Eles fizeram um update do Google Home para bloquear a fala do ator. Isso foi antes de o comercial estrear. A gente fez o anúncio pela manhã, os veículos começaram a dar por volta das 15h que nós fomos bloqueados. E a gente não tinha nem estreado. Vimos a forma como o Google tinha bloqueado o filme. Nós modificamos. A gente criou três versões diferentes. Isso foi num espaço de meia hora. Quando lançamos, foi com filme novo. Criamos três ou quatro momentos de PR. Esse é um exemplo de como o Burger King é rápido. Tivemos um plano e o modificamos e aproveitamos a oportunidade. É a primeira campanha que faz uma coisa assim. Há um número informal da quantidade de Google Home que tem nos EUA: em torno de 700 mil, na época. Mas os views no YouTube atingiram 15 milhões, tudo orgânico. É uma campanha que realmente mexeu com a curiosidade das pessoas. E todo mundo falando do bom e velho Whopper.

Clube – E teve isso também: houve uma grande quantidade de pessoas mexendo na definição do sanduíche na Wikipedia.

Machado – A gente sabia que ia acontecer. Achamos divertidos. Tínhamos um time monitorando. Chegou um momento que, de tanto as pessoas mudarem, a Wikipedia bloqueou. E ficou a definição que a gente queria. Mas foi divertido. É isso: uma campanha que mexe com a imaginação das pessoas e sobre a qual a gente quase perde o controle. As pessoas é que tomam controle. Foi igual ao que aconteceu com “McWhopper”. O concorrente não aceitou fazer o sanduíche, mas a quantidade de pessoas que fez foi incrível. As pessoas se apoderaram da campanha. Foi o mesmo com o Google Home. As pessoas quiseram se divertir com a campanha. No mundo de hoje, a marca é das pessoas. A gente tem de ser um facilitador.

Clube – Pode falar sobre budget? Quer dizer, eu pergunto. Não sei se você pode falar.

Machado – Posso dizer que a gente deve ser a marca com menor budget a ganhar o título de Creative Marketer Of The Year (risos). O que nos deu isso não foi nosso budget. Foi o poderio criativo que a marca tem. Marqueteiro sempre reclama do budget. Você sempre vai achar menor do que poderia ser. Ele é menor do que a concorrência, mas com certeza é maior do que o de muitas marcas por aí. Budget não é um fator preponderante no sentido de fazer uma boa criação. Quanto menor o seu budget, melhor vai ter de ser o calibre criativo do que você vai fazer.

Clube – Se para você fosse recomendado escrever um livro chamado “Como conquistar um Grand Prix”, quais seriam as linhas que você defenderia?

Machado – Já participei de três GPs [a entrevista foi dada semanas antes do Festival]. “Retratos da Real Beleza” deveria ter conquistado mais prêmios. Acho que seria assim: ter clareza no posicionamento da marca – isso é que vai te dar o contexto para a criação –, ter uma ambição alinhada com a agência e seus parceiros e abraçar a incerteza. Provavelmente, quando o Grand Prix for apresentado pela primeira vez para você, ele virá cercado de incertezas. Porque vai ser uma ideia que nunca foi feita antes. Eu iria por aí. De verdade, quando surge um GP pra você, é fácil de perceber. Você vai ver risco e um monte de problemas. Você vai ter de pular de cabeça e fazer a coisa acontecer. E aí, se você der sorte para caramba, e tudo sair como você pensou que fosse sair, e os jurados entenderem o que você estava tentando fazer e valorizar isso – tem tanta coisa que tem de acontecer no meio! –, aí, quem sabe, talvez, de repente, você tenha a sorte de ganhar o Grand Prix. A gente teve essas experiências nos cases de Burger King. Tem de ter muito alinhamento estelar pra coisa acontecer.

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Entrevista: Fernando Machado (Burger King)

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