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Respeito no esporte, 'Let Her Run' e questões de gênero
Os Jogos de Tóquio estão sendo celebrados como as Olimpíadas com a maior participação feminina da história da competição: 51% de homens e 49% de mulheres. O Comitê Organizador declarou que os esportes são importantes meios de superar diversos desafios da sociedade, entre eles o de respeito às diferenças e o de busca pela equidade.
Mas essa é uma postura recente. Na primeira vez que os Jogos foram disputados no Japão, em 1964, elas representaram 13,16% do total de competidores. Embora Tóquio 2020 destaque ter a marca da igualdade, o fato é que há atletas que queriam competir nesta edição olímpica, reuniam condições técnicas para tanto e não tiveram essa chance.
É o que mostra a campanha "Let Her Run", criada pela Africa para o SporTV e que tem produção da Santería e direção de Rafa Damy. Impulsionada por uma coalizão de ex-atletas e cientistas desportivos, a iniciativa surgiu da discriminação enfrentada por mulheres que foram impossibilitadas de disputar provas do calendário da World Athletics (federação internacional que rege o atletismo) por registrarem taxas naturais de testosterona acima da média.
Uma mudança de regras da federação, em maio de 2019, impede que essas mulheres participem de competições se não fizerem tratamentos para baixar o hormônio a um nível exigido pela entidade. A sul-africana Caster Semenya é uma das atletas prejudicadas pela medida. Ela é ganhadora de Ouro nas Olimpíadas de Londres (2012) e do Rio (2016) nos 800 metros. E se recusou a se submeter a essas terapias, argumentando que não precisa comprovar que é mulher. E, assim, Caster ficou fora dos Jogos.
"Let Her Run", que acumula dezenas de troféus (como o GP de Film e o prêmio especial SeeHerLens do New York Festivals – dado a trabalhos que exemplifiquem a igualdade de gênero –; e Ouro no Clio Sports), expõe a postura das entidades e pede o fim da discriminação sexual nos esportes. O filme ressalta que ainda hoje há mulheres obrigadas a provar que são mulheres, prática adotada desde os Jogos de Berlim, em1936 (leia aqui sobre o lançamento da campanha).
“A grande mensagem do ‘Let Her Run’ é o respeito. O respeito pela identidade de cada um”, diz Damy, que tem em sua carreira outros filmes que abordam questões de gênero.
Essas experiências têm levado o diretor a aprender mais sobre o assunto e a desenvolver trabalhos que considera educadores. Ele dirigiu campanhas com protagonistas trans (“Meu primeiro sutiã”, criação e produção da Madre Mia para Antra, Associação Nacional de Travestis e Transexuais; “True Colors”, da Propeg para o Grupo Gay da Bahia; e “I am Anne”, da então Y&R para Forcefield) e de temática LGBTQIA+ (“I Will Survive”, também da Propeg para o Grupo Gay da Bahia).
No caso de “Let Her Run”, o filme representa o que eram os “testes de feminilidade” na década de 1960. Os exames de comprovação de sexo biológico provocavam constrangimento. Eram uma violência contra a mulher. A campanha ressalta que os métodos mudaram, mas o problema não está resolvido.
Nesta entrevista, Damy conta bastidores do filme e o que buscou na produção para transmitir a mensagem com impacto. O diretor atuava antes na Madre Mia e na Vapt, produtoras do G8 Group, até que mudou para a Santería, também do grupo, que foi aberta em dezembro passado.
Veja os filmes mais abaixo e acompanhe o bate-papo, a seguir.
Clubeonline - Quantos prêmios “Let Her Run” conquistou? E quais são os principais pontos que levaram o filme a receber tanto reconhecimento?
Rafa Damy – Mais de duas dezenas em diversos festivais internacionais de filmes publicitários. Conquistou troféus no Cannes Lions, New York Festivals, D&AD, Ciclope Latino e, em 2020, no Clio Sports Awards e El Ojo. A grande questão de o filme ser um sucesso é a causa que ele representa. Esse é o primeiro ponto. O segundo é a forma como conseguimos imprimir isso, como retratamos. Fomos muito felizes na escolha do elenco e na forma como foi dirigido. Acredito realmente que foi um soco no estômago e que ninguém que assista ao filme fique imparcial. Ele gera um incômodo de alguma maneira e isso é bom. Tivemos um desafio muito grande porque nossa atriz precisava ficar nua. Quando se trabalha com nudez, principalmente para falar de um assunto sério, precisamos tomar um cuidado muito grande porque o filme não poderia ter nenhuma conotação sexual.
Clubeonline – Como surgiu o convite para participar deste projeto?
Damy – De uma maneira muito interessante. Fiz uma visita a Africa. Estávamos assistindo a alguns filmes que tinha produzido como o “Meu Primeiro Sutiã”, uma releitura do filme do Washington Olivetto que trata de uma causa (leia e veja aqui). Também tinha feito outros filmes premiados internacionalmente. A Rê Sayão, na época RTV da Africa, falou que tinha um roteiro do (diretor de criação) Nicholas Bergantin. “Quer dar uma olhada?”. Na hora, li, adorei e percebi que tinha algo de diferente.
Clubeonline - Como foi a construção do filme? De que forma a Santería se envolveu criativamente no projeto?
Damy – Nosso envolvimento criativo foi muito grande. Tivemos liberdade para trabalhar conjuntamente com o Nicholas Bergantin, de propor e trazer ideias. O que mais precisávamos ali era trazer uma atmosfera, o clima necessário. Uma das sugestões que apresentamos foi a de gravarmos no ginásio, que é esteticamente muito incrível e deixava a personagem pequena. Na amplitude toda do ginásio, ela fica nua, criando uma situação mais constrangedora, num ambiente de prática de esportes. Casou com a narrativa que dizia sobre essa violência que se pratica justamente no ambiente de esportes.
Clubeonline – O que vocês buscaram para o filme? Como foi a escolha do elenco?
Damy - Tivemos uma preocupação muito grande primeiro em escolher os planos de filmagem. Precisava que fosse forte, intenso, mas, ao mesmo tempo, não colocasse à mostra uma nudez. O segundo trabalho foi a escolha do elenco. A ideia foi trazer um elenco internacional. No Brasil, temos elenco muito bom, mas considerei importante ter um elenco de altíssimo nível e com rostos desconhecidos. A direção dos atores foi feita de uma maneira especial. Foi da forma como gosto de trabalhar. Existe um trabalho de preparação de elenco com técnicas avançadas de interpretação. Usamos técnicas como Stanislavski, que é muito difícil de usar numa publicidade tradicional, mas, mesmo assim, coloco em alguns filmes. Então, teve preparação, criação de personagem. Foram três dias só de ensaio para que pudéssemos chegar no set e alcançar aquele nível de interpretação altíssimo que tivemos.
Clubeonline - Os Jogos de Tóquio estão acontecendo em circunstâncias bem diferentes em comparação a edições passadas. Como avalia a transformação dos Jogos, de seus ideais e quanto da mensagem de “Let Her Run” pode ecoar num momento como este?
Damy – A grande mensagem do “Let Her Run” é o respeito. Essa é a mensagem que, no final das contas, queremos passar. O respeito a essas mulheres que até hoje sofrem a violência de ter de provar que são mulheres. O respeito pela identidade de cada um. O respeito extrapola o esporte e nos Jogos de Tóquio estamos sentindo isso na pele, em muitos casos. A exemplo do próprio caso de impedimento da Caster Semenya de competir. Colocamos muito em xeque isso: o respeito pelo outro. Acho que o esporte é só uma das etapas de todo um sistema em que vivemos em que o respeito tem de ser para tudo.
Clubeonline – No filme “Meu primeiro sutiã” a protagonista é uma garota trans. Quanto as questões de gênero têm despertado sua atenção e de que forma o tema encontra respaldo no mercado?
Damy – É sempre um privilégio muito grande trabalhar com questões de gênero. Estou aprendendo muito e vejo que são filmes educativos. Percebo que venho me especializando, nos últimos anos, nesse tipo de filmes como “Meu primeiro sutiã”, o próprio “True Colors”, que foi o primeiro Dia dos Pais de um homem trans. E agora o “Let Her Run”. Eles podem educar a comunidade de uma maneira geral e fazer a diferença. Por isso, me envolvo muito com filmes com essa temática. Acredito que minha responsabilidade, como diretor, é contribuir com o meu trabalho para jogar luz sobre essas questões e promover reflexão.
Clubeonline - Com a pandemia ainda impactando nossas vidas, como vê a evolução do mercado neste período, que desafios enfrenta agora e quais as perspectivas para quando, enfim, a população esteja majoritariamente imunizada?
Damy – Nosso mercado mudou, nos adaptamos e encontramos uma nova maneira de trabalhar de forma mais segura. Mesmo depois da imunização contra covid, muitas lições e muito do que já estamos fazendo vai continuar. Então, vejo o mercado muito forte e reagindo cada vez mais, voltando a sua velocidade normal de produção, mas com algumas mudanças e com características que, acredito, ficarão.
Clubeonline – Que características você destaca do seu trabalho? Que marcas têm imprimido em sua carreira como diretor de cena?
Damy – A minha principal característica como diretor é o storytelling. É contar histórias de uma maneira muito cinematográfica. Trago isso para os meus últimos filmes: essa característica de imagem de câmera ou mesmo de fotografia referenciada no cinema, que passa por uma direção de atores muito cuidadosa para trazer a verdade. E o conteúdo educativo, de poder mostrar não somente uma história, mas em cada uma agregar ainda mais para nossa sociedade.