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Festival do Clube 2016

“A propaganda brasileira é covarde”. Palavras da periferia

13.09.16

Para quem não mora em São Paulo, é importante começar dizendo que a expressão “o outro lado da ponte” se refere às periferias separadas da parte mais rica e central da cidade pelos rios Tietê e Pinheiros. Embora os dois lados sejam ligados por asfalto, há uma barreira de cunhos econômico, social e cultural que se reflete em quase todas as esferas da sociedade e, como não podia deixar de ser, na mídia e propaganda.

Alguns dos principais filósofos do lado desprivilegiado foram convidados pelo Festival do Clube de Criação para um debate intermediado, mas também protagonizado, pelo poeta e empreendedor Ferréz. Para um mercado que está tentando descobrir formas de se conectar com parcelas da população excluídas dos comerciais e da própria mídia, Rico Dalasam, Rashid, Crônica e Reinaldo da A286 mandaram um papo reto da periferia para o centro. “Vocês precisam pular o muro para entender e falar com a gente”, afirmou Ferréz, resumindo o sentimento na mesa.

Com shows lotados e grande reconhecimento nas periferias, esses artistas dizem não se reconhecer nem mesmo nas tentativas de se retratar ou glamourizar a periferia na mídia. Eles não aparecem em programas das principais emissoras e não estrelam comerciais. A desconexão, resumem, ainda é mais profunda que se imagina. “A propaganda destrói muitos lares e vidas. A propaganda brasileira é covarde, porque separa, higieniza e mostra um padrão de estética de caras louros andando nas ruas, enquanto há milhares de pretos sem entender. Há uma televisão que não fala com eles, que prefere falar de Beatles para uma quebrada que nem sabe do que se trata. Ninguém se identifica”, resumiu Ferréz. “A propaganda brasileira é responsável por cada homicídio quando traz mensagens como “ou você é ou não é”. Um comercial covarde de Nike faz pessoas irem além dos limites e se reconhecerem apenas quando entram no shopping com um tênis de R$ 1 mil”, continua.

Da massa para o nicho

Rico Dalasam tem contato com o mercado publicitário apenas como endossador de algumas marcas de moda. Mas é capaz de enxergar como poucos a mudança do consumo de mídia de massa para o consumo segmentado. “Há uma tentativa de se moldar as pessoas para fazerem parte do que você quer comunicar, mas a realidade é que não há comunicação. Não sei mais se é preciso falar com a massa, ou com nichos específicos”, analisou o rapper.

Mais que personagens brancos ou músicas de fora do país, existe uma questão de linguagem que impede a periferia de compreender o todo nas poucas campanhas que tentam se direcionar a ela. “A maioria da propaganda feita no Brasil não tem diálogo com as culturas periféricas. As linguagens não batem, sendo que a periferia é um imenso caldeirão cultural de referências”, afirmou o rapper Crônica. “Vocês estão tentando, mas a realidade é que nem eu, nem minha mãe ou minha família estamos sendo impactados”, disse Dalasam, dirigindo-se aos publicitários.

Mundo real x ilusão

Já que a propaganda e a mídia mainstream não conseguem interpretar esses movimentos, a própria periferia trata de criar um ecossistema paralelo de mídia, publicidade e consumo (confira alguns vídeos desses artistas mais abaixo). “Cada um aqui representa bem uma marca que eles próprios criaram. E vendem para quem não era bem tratado pela propaganda. A diferença é que o que vendemos é um mundo baseado em fatos reais, sem ilusão. O rap vende muito”, explicou Ferréz, que tem uma empresa de roupas com 20 funcionários que vende moda para quem vive do outro lado da ponte. 

A sorte da elite é que 99% da população brasileira da periferia é boa. Ela limpa a casa de vocês, frita o bife de vocês e cria seus filhos. E, quando volta para casa, mal consegue criar seus próprios filhos ou fritar seu bife. E o que a cidade faz é derrubar a autoestima. Mas não se esqueçam que a maior parte da população está do outro lado da ponte, fazendo de tudo para uma elite ingrata”, avisou Ferréz.

Felipe Turlão

Confira a programação completa do Festival, aqui.

Serviço:

Festival do Clube de Criação 2016

Quando: Setembro, 10, 11 e 12 - 2016
Local: Cinemateca Brasileira - São Paulo – Brasil
Largo Senador Raul Cardoso, 207, Vila Clementino

Hosted by: Clube de Criação
www.clubedecriacao.com.br
55 11 3030-9322

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#FestivaldoClube2016

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