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'Em vez de tentar ter ideia, tente resolver problemas' (Gabriel Schmitt)
Gabriel Schmitt, group creative diretor da FCB Nova York, compartilhou sua experiência profissional fora do país e dividiu com o público que lotou a Sala Globosat, durante o Festival do Clube de Criação, alguns caminhos que percorreu “from Dilma to Donald”, ou da Dentsu Brasil à FCB nos EUA.
Como redator, o criativo sabe contar bons "causos" e abriu o bate-papo com a narrativa sobre como sua jornada no exterior teve início. No fim de 2011, ele estava na agência em que trabalhava no Brasil (a Dentsu), às seis da tarde, quando seu dupla na época, Estefanio Holtz (atualmente na Pereira O’Dell São Francisco), viu um anúncio em um jornal: a FCB Chicago estava com vagas abertas para criativos brasileiros. Como a idade exigida para se candidatar era de até 28 anos e Holtz tinha um pouco mais, ele sugeriu ao colega que participasse do processo seletivo.
“Eu disse que estava bem aqui, que estávamos no nosso caminho, que não queria ficar longe da família e dos amigos, fora o frio que fazia por lá”, relatou o criativo. “Três meses depois eu cheguei a Chicago. No inverno”, brincou, mostrando uma foto de um grande lago congelado na cidade norte-americana.
Assim, em 2012, Schmitt passou a ser um dos 800 profissionais - 225 só na criação – da FCB Chicago. A agência já atendia grandes contas, como Miller Lite, KFC e Sharpie, entre outras. Ele e Gustavo Dorietto, seu dupla na casa nova e que conheceu uma hora antes da entrevista no processo seletivo, decidiram se dedicar com “sangue nos olhos”, como disse, e passaram a olhar para todos os clientes da agência e criar trabalhos e projetos para todo mundo, mesmo sem serem chamados.
“A primeira lição que aprendi foi: entenda quem é seu target - me refiro à pessoa ou ao grupo de pessoas que podem realmente ajudá-lo a crescer mais rápido”, defendeu. Quando chegou à FCB Chicago, a agência tinha como liderança dois profissionais que, nas palavras de Schmitt, “queriam fazer acontecer e sofriam pressão para que isso ocorresse”: o presidente, que estava no cargo há cerca de um ano, e o CCO, na casa há quatro meses.
“Tomamos então a arriscada decisão de ‘romper o sistema’ da agência. Eles colocavam ideias nas paredes da FCB, divididas por cliente. Sem sermos convidados, passamos a incluir ideias para todos. Com isso, rapidamente ficamos super próximos ao CCO. O presidente era um profissional alemão bastante estratégico e conquistar o cara foi um pouco mais complicado, mas dando nossos pitacos na estratégia, começamos a subir. É importante entender como você pode se mover mais rápido, sem sacanear ninguém, claro, e geralmente não respeitando o status quo”, contou.
Quando foi promovido a diretor de criação e teve que começar a “vender” os projetos aos clientes, ficou mais claro para Schmitt que “a propaganda é um negócio”. “Quanto antes você se conformar com isso, mais rápido você vai crescer na sua carreira”, aconselhou.
Para ilustrar o quanto a estratégia é importante no negócio, o criativo citou o case criado para a companhia de trens norte-americana Amtrak. “Eles tinham um problema sério porque ninguém anda de trem nos EUA. Somente 3% das pessoas viajam usando esse meio de transporte por lá: tem gente que anda mais de barco que de trem”, revelou. Diante desse cenário, a FCB começou a trabalhar, durante meses, numa estratégia – “break the travel quo”, uma call to action para repensar o jeito como as pessoas estão viajando.
"Ideia aceita pelo cliente, agora, como lançar esse negócio? Pensamos assim: avião e carro são os maiores competidores do trem, mas o avião é o competidor mais fácil de bater, o que o torna um alvo fácil para chamar a atenção dos viajantes", disse. A equipe criativa começou a levantar então os features do trem e as vantagens em relação a uma aeronave: o trem não tem o assento do meio, não cobra taxa de mala, tem wi-fi de graça etc. “A partir disso, chegamos a uma realização meio óbvia: o trem é o que o avião sempre quis ser. Vamos então lançar uma 'companhia aérea'”.
Num primeiro momento, a agência apresentou teasers que convidavam o público a visitar o site “Break the Travel Quo” e alguns dias depois foram lançados filmes (assista aqui) que revelavam que a Amtrak estava por trás da comunicação.
“Deu certo, os filmes tiveram 11 milhões de views nos dois primeiros dias, as pessoas ficaram mais tempo no site que a média e uma marca que estava adormecida conseguiu chamar a atenção. Se compararmos com todas as outras campanhas já feitas para Amtrak, dá para ver que esse trabalho é totalmente diferente – e só conseguimos fazer isso por conta de um trabalho estratégico muito profundo e redondo”, defendeu.
Outra “lição” de Schmitt durante o painel foi: “ao invés de tentar ter ideia, é mais fácil tentar resolver problemas”. Para ilustrar seu ponto, o criativo apresentou um case para as tintas Valspar, em Chicago. “A marca era super famosa, mas sua comunicação só dizia que a parede ia ficar mais bonita ao usar a tinta, o que todo mundo diz, então não era nada. Propusemos expandir o posicionamento: não é só sobre parede, mas sobre cor. Não só sobre cor, mas sobre apreciação da cor”, detalhou.
Mas se Valspar é a marca de tinta que celebra apreciação de cor, como ilustrar isso? A solução proposta pela criação: fazendo quem não pode apreciar cor, apreciá-la pela primeira vez. Com a ajuda do laboratório Enchroma, foi desenvolvida uma tecnologia que tornou possível que os daltônicos enxergassem diferentes tons por meio de um óculos especial (saiba mais sobre o case aqui).
“Nessa história entra a brasilidade também: queríamos que os daltônicos enxergassem cor pela primeira vez, mas o pessoal da agência disse: ‘isso não dá para ser feito’ e a gente questionou. Procuramos, pesquisamos e encontramos um pequeno laboratório na Califórnia, que estava fazendo um experimento nesse sentido e parecia que poderia dar certo. Eles estavam indo à falência, então nós os procuramos, contamos nossa história e oferecemos parceria: ‘a gente acha que esse negócio vai ser famoso e vocês poderão ganhar dinheiro com isso’. Eles toparam e deu super certo”, narrou.
Entre outras dicas que Schmitt deu e que, segundo ele, funcionaram bem em sua carreira estão: “arrume um mentor”, ressaltando que todo mundo tem um nos EUA e que ele achava que era coisa de “americano nerd”, mas depois percebeu a importância da orientação de um profissional mais experiente; “instead of reacting, act”, isto é, em vez de reagir rápido, parar e tentar prever as coisas que podem dar errado, assim os problemas podem ser evitados; além de sugerir “vai estudar, menino!” e “saia de casa, menino!”, aconselhando os profissionais a buscarem conhecimento acadêmico e também a morarem fora e não ficarem apenas na agência, mas realizar atividades que possam inspirá-los fora do ambiente de trabalho.
"Numas férias, eu estava no metrô e vi um casal entrar com o filho no carrinho de bebê. Lá, longe da rotina da agência, veio o briefing e a solução na minha cabeça: o test drive de carrinho de bebês Contours (leia sobre a campanha e assista ao videocase aqui)", exemplificou.
Schmitt concluiu lembrando que, num contexto em que os criativos têm a responsabilidade de manipular grandes verbas de clientes, os profissionais têm o dever de fazer as coisas do "jeito certo". "Não somente os criativos, mas os líderes da indústria, os clientes... Temos todos que fazer direito. Quando está tudo errado, eu sempre levo comigo: aconteça o que acontecer, não seja um filho da p**a, que de filho da p**a o mundo já está cheio", declarou. Neste momento, ao fundo, a foto do presidente norte-americano Donald Trump foi exibida no telão.
Valéria Campos