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Festival do Clube 2017

Criar para mobile: a tecnologia pode se sobrepor à ideia?

06.10.17

Os números do mobile são grandiosos no Brasil. A Anatel indica que fechamos o mês de agosto com 242,2 milhões de celulares e uma densidade de 116,53 unidades a cada 100 habitantes. A tendência é que o aparelho seja cada vez mais relevante até para atividades para as quais não o julgávamos tão apto. Alguns anos atrás, dizia-se que as pessoas não se costumariam à tela pequena para ver conteúdo planejado inicialmente para TV ou mesmo cinema. Dados do YouTube, por exemplo, revelam que 84% dos brasileiros usam smartphones para assistir a vídeos online (leia mais aqui). Como o celular, então, está redefinindo o comportamento do consumidor? Essa foi uma das questões levantadas no painel “Os desafios de criar para mobile: a tecnologia pode se sobrepor à ideia?”, durante o Festival do Clube, que teve moderação de Leo Xavier, CEO da Pontomobi.

Dona de carreira que inclui passagens pela Id/TBWA, Wunderman, DM9DDB e, mais recentemente, Today, a diretora de criação Elisa Gorgatti apontou três palavras que fazem a diferença quando se pensa em estratégia para o mobile: informação, emoção e identificação.Quando tenho de montar raciocínio criativo para o Facebook, a palavra que tem mais peso é identificação. Se for para o Twitter, o foco é informação”, exemplificou. Com isso, ela ressaltou que mesmo o celular sendo um único aparelho, temos comportamentos diferentes conforme o que buscamos.

Nesse sentido, Rodrigo Senra, o Digão, diretor executivo de criação da F.Biz, reforçou que cada plataforma tem de ser pensada na forma proprietária. E Rafael Pitanguy, vice-presidente de criação da Young & Rubicam, observou que há um ponto importante nessa discussão: o mobile é um universo muito pessoal.

Diante disso, Fabiano Coura, vice-presidente e diretor-geral da R/GA, fez um comentário provocativo: “odeio 95% das coisas que vejo no celular como propaganda. Ele é tão pessoal que, para eu ser interrompido, tem de ser algo realmente importante. E na maior parte das vezes, quando olho, sinto que perdi tempo”. Em seguida, afirmou que a indústria da comunicação costuma seguir uma linha quando surge um novo formato. Ou seja, ela pega o que aprendeu com os formatos anteriores e despeja “um caminhão de dinheiro” na novidade, acreditando que isso será o suficiente. “Há uma inabilidade em conhecer novos devices”, concluiu Fabiano. Uma demonstração de que falta maior entendimento das possibilidades do mobile é o fato de não se utilizar adequadamente o volume de dados gerados a partir da navegação pelo celular. “Esse device sabe mais de mim do que eu”, emendou.

E não se trata simplesmente de utilizar informações coletadas pelo consumo de conteúdo. É preciso inteligência para compreender o dia a dia do usuário. Quem veria um filme de dois minutos no celular bem na hora do deslocamento para o trabalho, em meio ao trânsito?

Atuando do “outro lado do balcão” desde que saiu da DM9DDB para o Santander, no final de 2016 (mais detalhes aqui), Igor Puga, diretor de marketing do banco, disse que trabalha em uma indústria em que é fundamental ter um aplicativo. E apps do segmento financeiro necessitam de muitas informações. “Na comunicação, há uma baixa demanda por dados. É lá que está a verdade do consumidor”.

Leo Xavier lembrou que as estruturas nas agências ainda são 'fordianas', em que há um processo de trabalho serial. Desse modo, podem se criar certos vícios. “Pensar no mobile não necessariamente significa pensar na plataforma, mas pensar no consumidor. O contexto é rei no mobile. A gente sabe onde a pessoa circula, quando compra. Mas o formato deve se sobrepor ao pensamento criativo?”, questionou. Para Digão, não importa o meio; tudo parte de uma ideia. A forma como falar com o consumidor faz parte do conceito da campanha.

Pitanguy salientou que dados devem ser usados para abastecer a criatividade. “Sua mensagem não vai ter relevância em termos emocionais se tudo for feito para preencher caixinhas”. Mas não basta recorrer a dados. É preciso transformar essas informações em conteúdo adequado para o target. Pitanguy destacou ainda que o aprendizado é essencial, porém chamou atenção para o fato de estarmos em mutação. “As respostas estão mudando também”.

Fabiano disse que é necessário integrar mais a agência e fazer ajustes na maneira como a empresa opera. Uma das pontas normalmente deixada para trás é a mídia. Um profissional dessa área pode trazer mais inputs para a criação, que já atua com a tecnologia. Por exemplo, pode apresentar novas maneiras de utilizar dados do Waze.

Mania de apps

Quando surge a oportunidade de se criar um produto digital, é comum que se pense em aplicativo. No entanto, isso faz mais sentido se o app materializar um serviço. Elisa contou que ouviu de diversos clientes o pedido para se desenvolver uma aplicação. Um caso emblemático foi de uma empresa que queria inventar algo que conectasse um ponto a outro. “Começou-se a criar algo que já existia. Em situações como essas, é mais inteligente olhar para o que já está disponível.

Xavier chamou isso de “inovação que vira invencionice”. E comentou uma estimativa que aponta que os brasileiros se utilizam de oito aplicativos por dia, como WhatsApp, Facebook e Instagram. Entre essas aplicações mais cotidianas, sempre há um banco. Igor Puga lembrou que o app de uma instituição financeira acaba competindo com outros. É muito comum que as pessoas o desinstalem do celular para liberar espaço para outra aplicação. Na hora da necessidade, voltam a baixá-lo.

No caso do Santander, de 20% a 30% tiram e reinstalam o app todo mês. O Itaú, por sua vez, desenvolveu um aplicativo mais leve, o Lite, o que evitaria que o cliente o apagasse.

É muito complicado desenvolver aplicativos para bancos. São públicos muito diferentes: tem o cara do cartão de crédito, tem o investidor. Por questões de regulamentação, temos dificuldades de incluir dados em cloud. Lidamos com uma legislação bancária de 40 anos”, comentou Puga. A saída? Isolar projetos para ter serviços melhores. O fato é que essa indústria passa por uma série de barreiras. E, por isso, o executivo do Santander disparou: “Este é o melhor momento do mundo para se ter uma fintech”.

A R/GA passou por uma experiência única nesse segmento. Por pouco mais de dois anos, dedicou-se ao Next, o banco digital do Bradesco. Segundo Fabiano, o projeto foi bem sucedido porque o banco reconheceu a dificuldade de concorrer com uma fintech e deu liberdade criativa para a agência. “Nós íamos fazer um banco novo, e não digitalizar um”, afirmou.

Tecnologia em prol da ideia

Jurado de Mobile no Festival de Cannes deste ano, Pitanguy apresentou ao público dois cases que ilustram bem a união entre criatividade e tecnologia. Um deles é a campanha "Floresta sem fim", que a David fez para a Faber-Castell com realidade aumentada - o trabalho conquistou um Leão de Ouro. O outro é o GP: "The Family Way", da Dentsu Y&R, de Tóquio, para Recruit Lifestyle. O grande vencedor da categoria em Cannes é um aplicativo que avalia a concentração de espermatozóides.  A solução ajudou a combater um tabu japonês: muitos homens têm dificuldades para ter filhos. Com mais informações, o público masculino pode iniciar um tratamento mais eficaz. “O mobile permite novas formas de resolver problemas. Usa-se a tecnologia a partir de uma ideia”, disse.

Fabiano comentou que uma terceira disciplina vem conquistando espaço na área criativa: o especialista em UX, para trabalhar junto com o redator e o diretor de arte. “Ele ganha relevância”, reforçou.

Para o executivo da R/GA, nunca houve tantas oportunidades de criar. “O iPhoneX  vai ser o device mais poderoso da inteligência artificial”, vaticinou. Digão concordou. Sim, as possibilidades são infinitas, porém é preciso ficar claro que acima de tudo está a ideia. “A tecnologia está a serviço de um pensamento”.

 

 

Lena Castellón

Festival do Clube 2017

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