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Centenária, animação brasileira vive recomeço
A despeito de seu marco histórico centenário, a animação brasileira até recentemente não conseguia se perceber como indústria. Muito em função da inconstância que inviabilizou a construção de bases mais sólidas, como um mercado produtor e escolas de formação. Como reflexo, os participantes do painel sobre os 101 anos da animação no Brasil, no Festival do Clube, destacaram o espírito quase quixotesco dos que resolveram empreender no ramo.
“Todos entramos nessa aventura de uma maneira diferente, mas com algo em comum: somos muito apaixonados pelo que fazemos. Você parte com a paixão muito grande e se depara com um mercado que está se consolidando, que não oferecia tantos nortes a seguir”, disse Daniel Soro, sócio-diretor de animação da Piloto, fundada em 2004. O fato de tudo ser muito novo oferece um desafio adicional na manutenção contínua de uma produtora. “Além disso, estamos num meio onde não há quantitativamente tantos profissionais, o que exige muita organização na gestão da equipe”, ponderou.
Mediado por Ana Paula Catarino, head of animation da Dogs Can Fly, o debate destacou paralelos entre a realidade brasileira e a internacional, e os desafios de quem atua na área, sobretudo no quesito gestão de talentos. O consagrado roteirista de cinema e diretor da Buriti Filmes, Luiz Bolognesi, cuja estreia em animação, o longa “Uma História de Amor e Fúria”, de 2012, fez história ao ser a primeira produção nacional vencedora do Festival de Annecy, considerado o Cannes da Animação, resumiu em uma palavra o fundamental para quem quer atuar na área: paciência.
“Trata-se de um processo que não combina com ansiedade. É muito diferente do live action, pois parte de uma tela em branco, e as ideias são construídas a partir do nada, com possibilidade de ir para qualquer direção”, ensinou. Seu longa de estreia, cuja produção era estimada em três anos, levou o dobro de tempo para ficar pronta. Para Bolognesi, uma segunda palavra de ordem para dirigir é “escutar”. Como observou, ninguém trabalha sozinho. “São muitos talentos que têm um domínio específico. Quanto mais isolados em seus domínios, mais a perder tem a obra. É preciso criar um pipeline de escuta no processo de produção para poder se enxergar o todo”.
Outro ponto destacado foi o tempo como grande diferencial entre a realidade nacional e internacional de produção de animação. E, paradoxalmente, é também o maior atrativo e o desestimulante no que tange à administração dos talentos. Mateus de Paula Santos, cofundador e Chief Creative da Lobo, produtora com ampla experiência em projetos internacionais, resumiu os dois lados da moeda. “Lá fora, um filme de Natal começa a ser produzido em março, não em outubro. Mas, ao mesmo tempo, para o talento, ficar de março a outubro trabalhando num só filme se torna maçante ou frustrante porque eles acabam por colocar poucos trabalhos na rua – um por ano”. De acordo com ele, no Brasil, o pessoal apresenta uma média de três a quatro trabalhos anuais. Isso permite a construção de um portfólio que chamará atenção do mercado internacional. “Ao mesmo tempo, é muito desgastante para o artista trabalhar sob tanta pressão de tempo, como impõe o mercado brasileiro”, completou.
Segundo Santos, a maior dificuldade enfrentada atualmente pelo setor no Brasil é a retenção de talentos, uma vez que a competição se dá na arena internacional. “Por isso, mais do que produzir filmes incríveis, minha preocupação é ter um lugar incrível onde as pessoas queiram trabalhar”, resumiu.
A gestão de talentos também é uma das prioridades para Paulo Garcia, cofundador eChief Creative do Zombie Studio, que busca disciplinar a relação entre a produtora e as agências, num processo, a seu ver, quase sempre exaustivo, que submete a equipe a muito stress. “Odeio a palavra ‘fornecedor’. Somos artistas, não empacotadores de salsicha. É bem mais fácil atrair talento para a área de entretenimento, que oferece a possibilidade da autoria atrelada à obra, ou mesmo para a área de games. É preciso cuidar do time e fazê-lo sentir-se parte de um todo”, afirmou. Bolognesi acrescentou que “dá muito prazer ao animador ver as pessoas escolherem gastar seu tempo pra ser feliz consumindo algo que você produziu”.
Na disputa global pelas melhores cabeças, com o câmbio e a pouca qualidade de vida jogando contra, que vantagem o Brasil ofereceria a quem têm nível para atuar no exterior? A resposta é a liberdade criativa. “Há quem tope voltar para ganhar até 30% menos por entender que aqui se têm uma liberdade criativa que ajuda com que eles ressignifiquem seu trabalho perante o mercado internacional”, avaliou Bolognesi.
Vindo de uma longa temporada na Argentina, justamente para abrir a operação brasileira da produtora Le Cube – com representações na América do Norte e Europa – Ralph Karam argumentou que trabalhar no exterior é bem mais engessado. “Aqui há um tempero, as pessoas têm mais gana para fazer as coisas, tem mais paixão”, avaliou. Ele acredita que o mercado nacional está num momento bom. “Temos de aproveitar esta fase para capacitar e reter mais talentos. Estamos, de fato, nos primeiros anos destes 101 anos de animação no Brasil. Estamos no começo do futuro”.
Mônica Charoux
Fotos - Airton Adas