Acesso exclusivo para sócios corporativos

Ainda não é Sócio do Clube de Criação? Associe-se agora!
Acesso exclusivo para sócios corporativos
Ainda não é Sócio do Clube de Criação? Associe-se agora!
Pagamento em 180 dias: assédio moral?
Problema da indústria brasileira de publicidade que tem afetado diretamente e gravemente as empresas de audiovisual, o tema “Pagamento em 180 dias” entrou na pauta do Festival do Clube pelo segundo ano consecutivo. Em 2017, algumas medidas foram sugeridas (leia mais aqui), mas, segundo Mário Peixoto, sócio da Papaki e mediador do debate este ano, a prática não só continua, como mudou para pior.
Foi consenso entre os debatedores, entre eles representantes das associações brasileiras da Produção de Obras Audiovisuais (APRO) e das Produtoras de Fonogramas Publicitários (Aprosom), que o pagamento em 180 dias ameaça o mercado de fornecedores que, em curto prazo, verá players fechando as portas. O que não se leva em conta é que, mesmo que a longo prazo, isso ameaça também o mercado como um todo, em efeito cascata.
Por isso foi tão criticada a ausência de representantes da ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) e da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade) no debate, já que são pontos cruciais nesse processo e para mudar esse cenário. Eles foram convidados pelo Clube de Criação e, diante da resposta de que não poderiam comparecer, o Clube insistiu para que enviassem suas posições sobre o tema por escrito. Não fizeram.
De agência, na mesa, estava o presidente do Grupo de Atendimento e diretor de atendimento da MullenLowe, Robert Filshill, que questionou: “Não deveríamos deixar de olhar para esse assunto como uma questão financeira e falar sobre assédio moral? Infração de práticas éticas? Compliance? Será que isso não chamaria a atenção dos presidentes dos anunciantes para um fato que está acontecendo e eles não mudariam as regras internamente?”. Ele trouxe para a mesa um artigo publicado no The Guardian em 2013, que fala do mesmo problema e o trata como uma questão ética (leia aqui). Espaços como esse painel do Clube e na imprensa especializada são essenciais nessa luta, segundo ele.
“Somos cada vez mais cobrados pelo craft, pela qualidade do produto final, mas não temos cash flow para contratar e pagar os talentos, para oferecer o melhor que sabemos fazer”, ressaltou o vice-presidente da Aprosom e sócio da AudioBoutique, Lourenço Rolon. Segundo ele e alguns participantes da plateia, dentro da cadeia de fornecedores o áudio é ainda mais negligenciado na hora de receber. Ele citou o exemplo das passagens aéreas, e de como atualmente há opções muito mais baratas, mas basta comparar a qualidade do serviço prestado antes e agora para ver o que esse barateamento gerou. E lembra que, se algo não for feito, o resultado final vai começar a ser comprometido também nas entregas do setor, por "não ter outro jeito."
Outro ponto levantado foi o de que os fornecedores de áudio e visual não têm contratos garantidos por um ano, como as agências, o que os torna ainda mais frágeis e vulneráveis. “Somos vítimas de empresas que buscam aumentar seu valor de mercado represando o caixa com nosso pagamento e não faz sentido financiarmos isso. Não faz sentido financiarmos bancos. É um jogo de poder desequilibrado e injusto que recai sobre nós, por sermos o elo mais fraco da cadeia”, ressalta o conselheiro da APRO e sócio da Paranoid, Egisto Betti, que enfatiza: “estamos presenciando uma guerra e, infelizmente, muitos de nós vamos morrer”. Para o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), segundo informaram, não é possível caracterizar abuso de poder econômico nesses casos de atraso de pagamento.
“É cansativo, mas temos que continuar falando, questionando agências e clientes e deixando claro que assim a gente não sobrevive. Deixar de falar de prazo para falar de ética”, disse diretora de atendimento da O2 Filmes, Rejane Bicca, que também faz parte da diretoria do Clube de Criação.
O medo de perder trabalho, contratos e clientes é outro fantasma que assombra o mercado de fornecedores do setor. E, para isso, os debatedores reforçaram a importância de contar com o apoio das agências. Da plateia, o representante da área de RTV de uma grande agência citou um caso recente em que um grande cliente disse que passaria a pagar em 120 dias. Questionado sobre a consciência de que perderia bons fornecedores, ele teria mostrado uma lista de 20 produtoras que já estavam cientes e tinham concordado com a prática. “Às vezes precisa ficar para poder pagar a conta”, declarou Mário Peixoto.
A falta de formalidade também foi questionada. Cliente não aceita compra sem ordem de compra, por que os fornecedores, muitas vezes, começam o job logo após receber um simples telefonema com um amigável: 'tá aprovado, toca aí!'? "Eu fecho orçamento e muitas vezes nem sei o número de fornecedores que vou precisar para fazer aquela entrega", lembra Lourenço Rolon.
Rejane Bicca comentou ainda que quando o filme é para fora, o dinheiro sempre aparece para pagar em dia. Ou para um artista que não trabalha sem o cachê na conta. Questões, aliás, já levantadas em 2017.
Com a proposta inicial de sair dali com ideias concretas, a plateia pressionou bastante os debatedores. Até uma greve, como aconteceu no mercado hollywoodiano, foi proposta. “Hollywood parou, mas depois de muito tempo tentando de outras formas. Ainda estamos no processo de tentar pelo diálogo, pela união”, disse Rejane Bicca.
Seguindo o que foi sugerido no painel do ano passado, agências, como a Publicis, citaram exemplos de terem convencido o cliente de que para pagar com prazo, teria que pagar juros. A empresa teria concordado e pagado em uma semana. Um representante da Sanfona Filmes, de Uberlândia, disse que desde o painel do ano passado adotou também o valor com juros para pagamento com prazo e tem dado certo. E sugeriu uma campanha nas redes sociais para tratar o tema.
Outra sugestão, que veio de um representante da Publicis na plateia, foi do setor se unir e fazer uma rodada de conversa nas agências, levando a discussão para além da área de RTV, para deixar clara a gravidade do tema, de modo que haja mudanças no cenário atual.
A efetividade da campanha para acabar com o BV das produtoras também foi lembrada como exemplo a ser seguido e parece ter motivado os participantes.
Rita Durigan