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Festival do Clube 2018

Quem se dará bem no mundo das telas? Resposta em construção

02.10.18

Diante da expansão dos serviços de streaming de TV, do crescimento do consumo de vídeos online, das TVs implementadas em plataformas como Instagram, e da integração cada vez maior entre redes sociais e canais, uma pergunta “valendo US$ 1 bilhão” foi formulada pelo Festival do Clube: “quem vai se dar bem no mundo das telas?”. O fato é que a resposta está sendo construída dia a dia, na tentativa e erro, tentativa e acerto, tentativa e tentativa, segundo os representantes dos players YouTube, Globo, Record, BuzzFeed e Twitter, que participaram do debate mediado pela jornalista Lena Castellón, do Clubeonline.

Somos todos Assis Chateaubriands descarregando televisores no porto de Santos, quando ninguém tinha ideia do que era aquilo”, brincou Antonio Guerreiro, superintendente de estratégia multiplataforma do Grupo Record. De acordo com ele, em virtude do trabalho árduo feito por grandes profissionais do passado, hoje é fácil saber como as TVs abertas devem atuar em cada praça. A questão é como atuar no OTT (Over-the-top) content – termo usado para a entrega de conteúdo audiovisual via internet. “É preciso se reinventar constantemente, e essa é uma das delícias dos tempos atuais”, disse.

Lançamentos como o recente Play Pus, do Grupo Record (leia mais aqui), que está há cerca de um mês no ar, são respostas a essa necessidade. “Temos de respeitar a especificidade de cada plataforma. Não adianta pegar conteúdo criado pensando em broadcast e jogar em outros canais”, esclareceu Guerreiro. Por isso, eles têm se unido a parceiros como YouTube. No Play Plus, há conteúdos da Record e de outros players como ESPN e Play Kids.

Globo Play e Globosat Play, lançados há dois anos, atuam de modo diferente. Estão mais concentrados em seus produtos, replicando conteúdo da TV no streaming: parte dele aberto para o público e outra parte pago – mas dentro de um mês o Globo Play será reposicionado, abrindo mais espaço para terceiros. “Pensamos em todos esses tipos de conteúdo e formas de consumo para ampliar para o digital. Nosso objetivo é continuar distribuindo conteúdo para os brasileiros, seja onde e como for”, afirmou Marcos Cabrera, diretor de produtos e soluções comerciais da Globo.

Em sua análise, uma tela não esvazia a outra. Prova disso é a série “Carcereiros”, disponibilizada primeiro no Globo Play. “Quando foi para a TV, um ano mais tarde, atingiu mais de 93 milhões de pessoas”, revelou.

Dados divulgados recentemente também ajudam a ressaltar o poder do vídeo, como a pesquisa Video Viewers, do Google (leia mais aqui). “Nos últimos quatro anos, a audiência brasileira de vídeo pela internet cresceu 135%. O consumo da TV, que é um meio consolidado no Brasil, é de 24 horas por semana. Online é de 19 horas semanais”, apontou Lena.

Segunda maior plataforma de busca do mundo – a primeira é, claro, o Google –, o YouTube contém parte da grade televisiva – caso do programa Masterchef, da Band –, mas atrai também pessoas que querem aprender a fazer algo ou que são apaixonadas pelos criadores de conteúdo que estão lá. “É um complemento do que veem na TV e um lugar para onde as pessoas vão atrás do que lhes interessa. Por isso, a necessidade de entender para quem e como criar conteúdo”, disse a diretora da plataforma Fernanda Cerávolo. O desafio vai além de entreter e passa pela responsabilidade de ajudar as pessoas a se informarem e se formarem. E é preciso ser autêntico.

Com um papel menos focado no “olhe o que eu estou fazendo” e mais no “olha o que estou mostrando, que está acontecendo”, o Twitter tornou-se uma plataforma de ligação nessa cadeia. Os trending topics, por exemplo, são termômetros do que as pessoas estão consumindo. “É uma plataforma aberta, ‘conversacional’”, destacou Pitter Rodriguez, diretor de parcerias de esportes do Twitter América Latina. Nem por isso deixa de estar no mundo dos vídeos, o que é essencial para atrair público hoje em dia.

Recentemente, o Twitter transmitiu o evento da Apple para sete milhões de pessoas. “Pela primeira vez, a Apple fez algo fora do próprio site. Há três anos, iniciamos transmissões ao vivo com a NFL (a liga de futebol americano, dos Estados Unidos). Sempre com a intenção de agregar, dar a oportunidade de as pessoas consumirem conteúdo onde já falam dele”, contou Rodriguez.

Difícil mesmo é prever o que vai dar certo. “Muitas vezes lançamos produtos sem ter ideia de qual vai ser o resultado, mas precisamos lançar para não sermos engolidos”, afirmou Fernanda.

Com 95 milhões de seguidores hoje, o Tasty, do BuzzFeed, (https://www.facebook.com/buzzfeedtasty/) nasceu de um experimento. A partir da constatação de que pessoas gostam de comida, um diretor filmou o que ele estava cozinhando em casa. Em um mês, ele tinha mais de um milhão de seguidores. “O BuzzFeed está sempre testando, errando e aprendendo como conseguir ter um conteúdo no qual as pessoas invistam tempo, e cada vez mais tempo”, revelou Luciana Rodrigues, general manager do BuzzFeed Brasil. Mas a verdade é que as coisas mudam muito rapidamente e o que faz sucesso hoje, já não interessa mais amanhã. E nem dá tempo de entender o motivo.

Rodriguez lembrou o fenômeno “La Casa de Papel”, série comprada pela Netflix de uma produtora espanhola, provavelmente por um valor nada exorbitante, e que após ter feito tanto sucesso terá segunda temporada produzida pela plataforma. Como Rodriguez observou, talvez nem eles tenham previsto o alcance que a série teria. Mas a aposta deu certo. Outro exemplo disso é a Nike e a campanha feita com Colin Kaepernick, atleta de futebol americano e ativista contra o racismo. A ação foi uma jogada de risco de uma grande marca, que gerou opiniões controversas. Foi criticada por figuras como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e viu vídeos circulando online com consumidores queimando seus produtos. Apesar disso, a empresa viu seu valor subir na Bolsa.

Obviamente, não é tão simples convencer o anunciante a investir no incerto, a ousar e correr o risco de perder dinheiro. Afinal, estamos no mundo do business. “Mas as agências precisam contar mais com parceiros como a gente desta mesa para chegarem embasadas e com dados. Isso dá mais segurança para que arrisquem também”, declarou Luciana.

Para Fernanda, o tema “Desconhecido”, do Festival do Clube, não poderia ser mais pertinente. “O que é o futuro? Precisamos pensar agora e evoluir. Se antes o YouTube se considerava ‘a plataforma’ e deixava a responsabilidade pelo conteúdo produzido para os criadores, hoje sabemos que ela é responsável também pelo que é colocado ali”, afirmou.

Também as marcas devem entender seu papel. “Conteúdo de qualidade gera vontade de voltar e consumir mais. E as marcas podem estar dentro do conteúdo ou impulsioná-lo. Se uma marca entra de forma agradável em um momento emotivo, ela ganha o coração de quem está assistindo. Se ela chegar disruptiva num momento de emoção, ela perde as pessoas”, disse Cabrera. Ele citou o exemplo de O Boticário, que teve um papel essencial na construção do personagem alquimista da novela “Deus Salve o Rei”, de extrema importância na revelação final da vilã da trama.

Se antes éramos escravos do ROI, o Retorno sobre o Investimento, hoje temos de focar também no Retorno sobre o Engajamento”, acrescentou Guerreiro. Os dados e as informações comportamentais são ferramentas cada vez mais importantes nesse processo, mas o conhecimento humano também é essencial. A curadoria do que falar, como e onde ainda fazem a diferença e precisam de profissionais experientes pra isso. Assim, a conclusão de quem irá se dar bem no mundo das telas é quem investir em conteúdo de qualidade, souber analisar bem os dados do público e não tiver medo de arriscar.

Rita Durigan

Festival do Clube 2018

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