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Pode rir de tudo? Pode rir com todos?
Há limites para o humor? Esse foi o tema que permeou toda a conversa entre Afonso Padilha, Marcelo Marrom e Fábio Rabin, nomes famosos da comédia nacional, mediada pelo diretor de cena Carlão Busato, sócio da Surreal Hotel Arts. O painel aconteceu na 9ª edição do Festival do Clube de Criação, que promoveu, pela terceira vez em sua história, um debate sobre humor nestes tempos da cólera.
Parafraseando a desenhista Laerte Coutinho, Busato propôs como primeiro ponto do painel: “Pode rir de tudo, e pode rir com todos?”. A resposta geral foi que sim, dando início à troca de piadas e zoações entre eles, que se manteve durante todo o painel.
Afonso Padilha ressaltou, porém que que nem todos vão rir. Mesmo assim, isso não quer dizer que deixou de ser comédia. Ele completou com a máxima que vem sendo cada vez mais utilizada no meio: “não ria da pessoa, ria com a pessoa”.
Marcelo Marrom completou, contando sua experiência pessoal. Ele disse que não fala tudo o que pensa, mas isso se deve ao seu estilo de vida, já que se converteu ao cristianismo.
Ainda sobre esse assunto, Fábio Rabin deu a resposta que foi consenso entre seus pares. “Tem de ter liberdade para fazer as piadas, mas, ao mesmo tempo, tem de saber que terá consequências”, afirmou. Segundo ele, a plateia pode rir com qualquer assunto, até os mais pesados, desde que o comediante tenha técnica para isso. “Sou partidário de que se você estiver fazendo com a intenção técnica de fazer rir, é possível.”
Diante desta era de polarização, Busato questionou se o humor pode também ser uma ferramenta política e se pode ajudar a trazer algum tipo de transformação social. “Se esse for o caso, vocês não têm de olhar com responsabilidade na hora de fazer o repertório? Em que momento vocês fazem essas escolhas?”
Esse foi um grande ponto de discordância entre os especialistas do riso. Enquanto Padilha defendeu que “piada é só uma piada”, Marrom, que é seguido por 118 mil pessoas no Instagram, declarou que “os comediantes são como banda de rock: têm seguidores. Se o comediante falar que não vai se vacinar, uma galera também não vai.”
Com 2,1 milhões de seguidores no Instagram, Padilha rebateu, argumentando que as redes sociais trazem números grandes, mas ele não acredita que exista essa influência direta. “No fim das contas, a gente é só um comediante. Isso é importante tanto para gente quanto para quem nos ouve. Se eu começar a pensar na responsabilidade que tenho, vou me podar no que falo.”
Mesmo concordando, Rabin afirmou que esse não deve ser o foco do comediante. “Mais importante que uma mensagem racional que eu queira passar para o público, é a sensação do riso, do cara esquecer os problemas, do trabalho. É uma questão de saúde, para alma do cara. Ele vai assistir um show de comédia e sai mais leve. Isso sempre vai estar acima de qualquer mensagem que a gente queira passar.”
Sem plateia
Como não poderia deixar de ser, a pandemia também foi pauta da conversa. Busato fez referência ao mercado de publicidade. “Meu trabalho na publicidade também é muito calcado no humor. Para mim, na limitação é onde você se mostra mais criativo. Como foi a dificuldade de ficar sem público, de não ter uma plateia para reagir às piadas?”
Os três disseram que foi preciso achar algo positivo em que se agarrar naquele momento tão difícil – os shows já voltaram a receber gente, com as medidas sanitárias sendo impostas aos espaços. Padilha aproveitou que tinha uma reserva financeira e pôde se afastar dos palcos e escrever. “Gosto de escrever, então escrevi um livro de crônicas (‘Não tá compensando ficar isolado!’) e até um infantil (‘Papai, cadê o vovô?’). Continuei escrevendo mesmo distante do público, então continuei criando. Consegui ter essa válvula de escape.”
Marrom, entretanto, não tinha a reserva financeira que o permitiria parar. “Não tinha essa grana. Então, continuei, mas também escrevi livro”, contou. Ele escreveu um livro com sua filha chamado "Em nome do pai", que vai ser adaptado para série. “Mas eu tive de continuar trabalhando para bancar o padrão de vida maravilhoso que minha família tem: o champanhe não baixou de preço”.
A diferença, no caso, é que fazia muito tempo que ele não dependia da comédia. “Já tinha migrado para o corporativo. Eu fazia comédia para me manter ativo. Minha estratégia foi pegar meus clientes corporativos e fazer uma palestra online. Estudei sobre o ambiente de home office, as dificuldades do trabalhador, e ofereci para todo mundo que já trabalhava comigo antes. Foi uma loucura, então eu não sofri muito o impacto financeiro. A pandemia foi uma merda para o mundo todo, mas eu precisava perceber algo de bom. Fiquei mais perto da minha família.”
Alfinetadas políticas fizeram com que o período fosse mais difícil para Rabin, acostumado a fazer piadas sobre o presidente da República. Agora ele está sendo perseguido no mundo virtual. “Quase enlouqueci. Eu estava fazendo texto de política com certo distanciamento e vi os absurdos do Bolsonaro na pandemia. Aí, comecei a ficar bem envolvido emocionalmente e parti para o confronto nas minhas redes sociais”, revelou.
O período coincidiu com uma “mudança de linguagem”. Rabin parou de fazer stand-up e começou a fazer vlog, em que se expõe mais a opinião. “Tinha militante bolsonarista no meu canal. Ao mesmo tempo, minha esposa estava se recuperando, fazendo quimioterapia e esses militantes a atacaram nas redes”, lembrou. Rabin disse que, na mesma fase, desenvolveu um show online para empresas, o que fez bastante. Fez show em drive-in e viveu todas as experiências artísticas possíveis na pandemia. “Foi uma guerra, que ainda está em curso, mas consegui trabalhar bastante e ressignificar algumas coisas na minha vida.”
E em meio a tudo isso, surgiu, de repente, outro humorista, “invadindo” o espaço de Marcelo Marrom: Murilo Gun. Ele participou brevemente do encontro.
Ao final, mostrando que, na comédia, os artistas acompanham os shows uns dos outros, Rabin e Marrom brincaram com uma piada recorrente de Padilha sobre seu pai ter “saído pra comprar cigarro” e não ter voltado mais. Os dois afirmaram ter armado o painel apenas para revelar que Busato é o verdadeiro pai dele. Depois disso, Rabin encerrou o bate-papo com uma mensagem: “Sejamos mais leves, vamos dar risada. O comediante está aí para fazer a galera dar risada. A intenção maior é fazer o público se divertir”.
Danilo Telles
Todos os painéis do Festival do Clube 2021, realizado entre os dias 22 e 23 de setembro, foram transmitidos pelo Globoplay. O evento deste ano foi gratuito.
Reveja a programação completa aqui.
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