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Sobre existências não representadas
Lançado neste ano para trabalhar a comunicação de causas e a produção do chamado conteúdo de propósito, o hub criativo Auê teve a oportunidade de levar ao Festival do Clube de Criação 2021 dois debates. Com foco nos futuros líderes do mercado, o primeiro abordou jovens que estão mudando a indústria da comunicação (leia aqui). O segundo painel, batizado de “E quando sua existência não é representada?, discutiu representatividade.
Com o objetivo de compartilhar saberes com afro-empreendedores e donos de micro negócios nos territórios periféricos, o Auê procura visibilizar, nos canais de mídia, existências, conversas e histórias plurais. Em seu segundo debate, contou com as participações de Ana Lopes, mídia da agência Gana; Caco Baptista, publicitário e creator; Ismael Carvalho, criador de conteúdo digital e apresentador do Portal POPline; e Pedro Cruz, creative data & strategist da Soko. Os entrevistadores foram Israel Bastos e Renan Damascena, ambos do hub.
Ismael destacou suas referências na construção da identidade: sua avó, mães e tias, assim como os artistas negros da Bahia. Segundo ele, houve barreiras em seu caminho para tornar-se publicitário e criador de conteúdo. “Se não nos enxergamos, não nos vemos como possibilidades em vários espaços; não nos vemos como médicos, advogados ou atores”, explicou. Ele apontou o racismo enraizado na sociedade como gerador dessas barreiras históricas.
Outra questão levantada por Ismael foi sobre as expectativas do senso comum que se transformam em imposições para os negros. “Sim, eu falo sobre discriminação, mas nem sempre quero tratar somente desses assuntos, de nossa pele, de nosso cabelo; pois tenho a intenção de também abordar outros temas”, afirmou. “É preciso que nossa subjetividade seja respeitada”.
Pedro Cruz, carioca, contou de sua inspiração pelas mulheres pretas periféricas, pela cultura das ruas e por artistas como Linn da Quebrada. Ele apontou o problema da imobilidade nas relações sociais, da restrição de cada grupo étnico a um espaço e território. “As pessoas não-pretas não atravessam o túnel da zona sul para a zona norte, não conhecem nossos territórios e, assim, produzem peças de comunicação descoladas da realidade”, pontuou.
Ele lembrou de uma brincadeira de mau gosto em um local de trabalho. “Em um fim de ano, recebi de presente um pente para tirar piolho”, relatou. Cruz frisou que seu desafio foi entender quem efetivamente era e libertar-se da identidade associada ao crachá na empresa. “Mudei, porque era preciso lidar com a figura do opressor, que adotava os padrões dos homens brancos e heterossexuais”, narrou.
Caco Baptista apontou barreiras semelhantes. “Eu era aconselhado a não chamar muita atenção para a minha sexualidade; pois tendia a ser visto como a pessoa que falava demais, que problematizava demais”, disse. “Além disso, tendem a nos enxergar como produtos iguais, sem nuances, como representantes de uma cultura marginalizada que não é vista como agregadora”. Segundo ele, a experiência dele e de outros profissionais que superaram esses entraves serve para apoiar as novas gerações, para dar suporte à diversidade e democratizar o meio.
Para Ana Lopes, cada geração tem seu desafio. Sua inspiração foi a avô, preta, baiana, que passou fome e superou todas as dificuldades impostas pelo preconceito. Ela, por ser mulher e por sua orientação sexual, viveu outros percalços. “Eu tinha muitos receios e não sentia vontade de falar sobre esses temas, mas a reunião de iguais nos dá força e confiança”, relatou.
De acordo com Renan Damascena, o importante, neste momento, é mostrar uma negritude multifacetada, com peculiaridades, empenhada em significar sua existência. “Se tentam tornar nossas vidas invisíveis, temos de valorizar nossas referências, mostrar um trabalho como o da Liniker, que revoluciona pelo afeto”, afirmou. “É preciso tornar possível o que era considerado impossível e inspirar os líderes do futuro”.
Liniker recentemente lançou seu álbum solo, “Índigo Borboleta Anil”. Em um post no Facebook, agradeceu ao Spotify por “reconhecerem a importância de artistas trans e pretes estarem ocupando espaços como esse” – a foto estampava seu rosto em uma peça de outdoor da plataforma de streaming exibida em Nova York.
Israel ressaltou que é preciso cultivar o diálogo e a troca de experiências entre os profissionais negros, concebidos em suas inúmeras particularidades. “É fundamental valorizar expressões como a do músico norte-americano Montero Lamar Hill, preto, gay, e que fala abertamente sobre essas dimensões da realidade”, exemplificou. “Precisamos compartilhar nossas histórias, para saber que nunca estaremos sozinhos, que estamos fazendo algo novo e diferente para a sociedade”.
Walter Falceta
Todos os painéis do Festival do Clube 2021, realizado entre os dias 22 e 23 de setembro, foram transmitidos pelo Globoplay. O evento deste ano foi gratuito.
O conteúdo do Festival já está disponível na plataforma de streaming. Até o dia 27 de outubro - acesse a partir daqui.
Reveja a programação completa aqui.
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